As primeiras-ministras Theresa May (Reino Unido) e Angela Merkel (Alemanha) em Berlim - (Foto: Getty Images)
Há vezes em que a política espelha a vida real. Ninguém sabe disso melhor que o presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker, um homem que não faz segredo do fato de ter uma grande experiência, tanto privada quanto profissionalmente.
Daí porque ele tem uma ideia muito concreta de como os europeus devem agir quando o RU se afastar da UE. "Quando sua namorada o deixa, você não pode fixar-se nela para sempre", brincou ele recentemente com um grupo de pessoas próximo a ele. "Em algum momento, é a hora de buscar outras garotas".
A analogia do chefe da Comissão deixa entretanto de levar em conta um ponto importante: uma relação é fácil de ser rompida se a dupla não estiver casada. Porém, quando um casamento de décadas termina, a separação pode na realidade tornar-se muito complicada -- e algumas vezes, sai extremamente cara para uma das partes.
Isso se aplica também à ligação de mais de 40 anos entre o RU e a UE. Em 23 de junho, a maioria dos britânicos votou pelo término de sua participação na UE, uma decisão de significância global. As ondas de choque que o voto britânico geraram nas capitais europeias e em Bruxelas não perderam seu impacto.
A vida continua?
Quando os líderes dos demais 27 membros da UE se reunirem no próximo dia 16 em Bratislava, capital da Eslovênia, para discutir as consequências da Brexit, o RU não estará mais à mesa. A chanceler alemã Angela Merkel guarda a esperança de que a reunião mande uma mensagem de um novo começo -- nas políticas de defesa e segurança, e nas medidas para criação de empregos, principalmente no sul da Europa. A vida continua, mesmo sem os britânicos: esta é a mensagem que a reunião tem de enviar.
Entretanto, os anos vindouros serão definidos mais pelo divórcio iminente do que por memorandos vagos de uma reunião de cúpula. Com a saída do RU, a UE perderá mais do que apenas força política e econômica -- ela verá também bilhões de euros desaparecerem de seu orçamento. Para a Alemanha, em particular, as consequências podem ser significativas.
"Não me peça para dizer-lhe qual será o fim do caminho", disse defensivamente Michel Barnier na semana passada, acrescentando que o processo sequer começou. O ex-ministro de Relações Exteriores francês e atual comissário da UE está encarregado de negociar com o RU em nome dos restantes membros da União, e desfruta da confiança da chanceler alemã Angela Merkel.
Na semana passada, Barnier falou publicamente pela primeira vez desde sua indicação como um convidado da usina de ideias (think tank) Bruegel, sediada em Bruxelas. O evento se realizou em um luxuoso museu automobilístico. Mas, se Barnier conseguir seu intento, isto pode logo ser tudo o que resta do Reino Unido (RU) na sede europeia em Bruxelas. "Estou esperando para começar. Estarei pronto amanhã para negociar, falando francamente".
Será um desafio difícil -- muito é tido como suposto ou garantido. Particularmente sensível será a questão quanto a se os cidadãos europeus terão ainda o direito irrestrito de morar e trabalhar no RU, um item crucial no mercado interno da União Europeia (UE). E, obviamente, há muito dinheiro em jogo.
10 bilhões de euros ou mais
Solicitados pela Comissão Europeia e pela Secretaria Geral do Conselho Europeu, os primeiros cálculos sobre quão cara pode ser a Brexit para os restantes 27 membros da UE acabam de ser concluídos. De acordo com um estudo, as receitas líquidas injetadas na UE a partir do RU por ano oscilam entre 14 e 21 bilhões de euros. Se subtrairmos disso o dinheiro que o RU recebe de volta de Bruxelas, o orçamento da UE encolheria em até 10 bilhões de euros por ano.
Redistribuição
entre os membros da UE em 2015, em bilhões de euros [infelizmente o gráfico do texto original não pode ser copiado].
Mas poderia ser até pior. A dedução às contribuições do RU para a UE negociadas por Margaret Thatcher levaram a uma economia de mais de 110 bilhões para os britânicos ao longo dos anos. Considerando que outros pagadores líquidos, incluindo a Alemanha, não queriam ser responsabilizados pelos custos adicionais que isso gerou, eles também receberam um desconto. Além da Alemanha, a Holanda, a Suécia, a Áustria e a Dinamarca atualmente desfrutam também de uma redução sobre o que têm pagar para o orçamento da UE. Após a Brexit, essa discordância pode se intensificar, especialmente tendo em conta que a França, que também é um pagador líquido, não recebe absolutamente nenhum desconto.
Um trabalho elaborado pelo Centro para Política [= plano de ação] Europeia (CEP, na sigla em inglês), previsto para ser apresentado em Berlim esta semana, mostra números de magnitude similar. O estudo abrangente sobre redistribuição na UE indica que os membros restantes da UE, em especial a Alemanha, estão enfrentando cargas financeiras adicionais significativas.
De 2008 a 2015, a contribuição do RU para a UE aumentou a cada ano, a ponto de tornar o RU o terceiro maior contribuinte líquido para o orçamento da UE, registra o estudo, com o montante médio anual pago pelo RU atingindo 6,5 bilhões de euros durante esse período. Os únicos países que pagam mais do que isso para a unidade europeia são Alemanha e França.
Em 2015, detectou o estudo, o RU estava em segundo lugar: os britânicos pagaram 12,7 bilhões de euros a mais sobre o que receberam da UE. Comparativamente, a Alemanha pagou 15,6 bilhões de euros. O trabalho concluiu também que os britânicos efetuaram uma contribuição per capita naquele ano maior do que a feita pela Alemanha naquele ano. "Após a saída do RU da UE, esse montante líquido terá que ser redistribuído entre outros estados membros", escreve o autor do relatório do CEP, Matthias Kullas. "Os outros principais pagadores líquidos -- especialmente Alemanha, França e Itália -- enfrentarão custos adicionais significativos".
A Brexit pode também levar a frustrações financeiras dolorosas para o Banco de Investimentos Europeu (EIB, na sigla inglesa), calculou Kullas. Se os britânicos retirarem sua fatia de capital no banco de desenvolvimento, isso resultará em uma redução financeira de bilhões de euros. O EIB seria forçado a fazer menos empréstimos -- empréstimos que são vitais para projetos de infraestrutura por todo o continente europeu.
De acordo com Kullas, os britânicos até agora têm suportado a maior carga no banco. Sua parcela no capital da instituição é de 16%, mas eles se beneficiam com apenas 8,8% dos empréstimos. Nenhum outro país tem um desequilíbrio maior que esse.
Um preço alto para a Alemanha
O ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble, da União Democrática Cristã, partido da chanceler Angela Merkel, já determinara a seus especialistas que calculassem o que a Brexit significaria para o orçamento federal da Alemanha. Em uma recomendação interna, seus assessores alertaram que a saída do RU da UE significaria "a perda do segundo maior pagador líquido" do grupo. Em seguida à Brexit, a participação alemã na força econômica total da UE subiria dos atuais 21% para 25%. A consequência disso seria "um aumento na participação alemã no financiamento do orçamento da UE de cerca de 4,5 bilhões de euros por ano em 2019 e 2020", disseram eles.
As hipóteses se basearam na estrutura financeira atual e não incluíram "nenhuma compensação concebível". Como um exemplo, o estudo cita as possíveis contribuições futuras do RU se ele continuar a ter acesso ao mercado interno da UE. Os exemplos aqui foram a Suíça e a Noruega que, apesar de não serem membros da UE, contribuem para o orçamento da UE. As taxas são essencialmente o preço da admissão a uma das maiores zonas de livre comércio do mundo.
Como membro do mercado interno, a Noruega tem que pagar cerca da metade do que seria exigido como contribuição caso fosse um estado membro pleno da UE. Se o RU optar por esse modelo, isso significaria uma redução menor para o orçamento total da UE.
O estudo do Ministério das Finanças da Alemanha fornece também outro exemplo: um denominado "Programa de Redução do Teto". O ministério de Schäuble considera possível que a UE tenha que adotar um significativo aperto de cinto em termos fiscais, caso o RU deixe de participar do orçamento do grupo.
Já por um longo tempo, especialistas do Ministério das Finanças alemão têm pensado seriamente sobre possíveis "novas prioridades" para os gastos da UE. "Como será formatado o orçamento da UE no futuro?", perguntava o título de uma conferência interna recente em Berlim, em meados de julho, para a qual o ministério de Schäuble convidou também altos funcionários da Comissão Europeia e outros estados membros.
Com o objetivo de reduzir a perda financeira, outros estados membros estão igualmente buscando meios e caminhos para reduzir os gastos da UE. A principal área sob revisão de especialistas fiscais é a da ajuda à agricultura que, perfazendo cerca de 55 bilhões de euros por ano, é uma das maiores rubricas do orçamento. Por exemplo, os pagamentos diretos que cada fazendeiro europeu recebe por cada hectare de terra que possui, sem quaisquer condicionamentos, passaram a ser criticados.
Até agora, ninguém em Berlim ou Bruxelas está seguro quanto a quais medidas serão usadas para proteger a UE dos desafios criados pela saída de um estado membro. Podem ser uma redução de gastos, contribuições continuadas por parte do RU ou uma taxa adicional para os estados membros restantes.
Negativa em Bruxelas
Enquanto o RU não tomar o passo legal de declarar sua intenção de deixar a UE acionando o Artigo 50 [do Tratado de Lisboa], altas autoridades seniores da UE estão basicamente ignorando o assunto [*]. Em uma reunião fechada da Comissão cidade belga de Knokke, de resorts de alto luxo, no final de agosto, nenhuma das altas autoridades da UE presentes trouxe à mesa a questão da Brexit. Na quarta-feira passada, entretanto, pelo menos um membro da comissão ousou apresentar o assunto para debate, com Günther Oettinger, da Alemanha, advertindo seus colegas de que eles precisam afinal começar a considerar os efeitos que a saída do RU pode ter sobre o orçamento da UE. Suas palavras caíram no vazio.
"Acho muito possível que os britânicos saberão exatamente o que querem no início das negociações, mas que a Europa ainda não será capaz de falar através apenas de uma voz", alertou recentemente Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu. As dificuldades começam com o fato de que ainda não está claro qual o tipo de relacionamento futuro os britânicos buscarão em relação à UE. Isto, entretanto, determinará o preço dos futuros laços. Está claro que o governo não obterá o acesso abrangente que aspira ao mercado interno europeu sem pagar um preço por isso. "Se houver participação em várias áreas de atuação, então a quantia esperada para ser liberada pelo país aumentará também", diz Jens Geier, do partido dos Social-Democratas, de centro-esquerda, que é vice-presidente do Comitê de Orçamento do Parlamento Europeu.
Um exemplo são os programas focados em promover pesquisa científica, como o Horizon 2020. Como deles participam universidades britânicas de destaque como Oxford e Cambridge, tanto os europeus como os britânicos têm interesse em que a cooperação continue. Mas se os britânicos quiserem usufruir dos subsídios disponíveis através de programas como esse, terão também que continuar a financiá-los.
Além disso, programas caros da UE como os subsídios regionais estão vinculados ao mercado interno. Se Londres quiser continuar com sua participação neles, terá também que pagar sua quota para isso. "Os britânicos podem meter-se na estranha situação de pagar por políticas regionais mas não receber nada de volta, novamente", diz Geier.
Particularmente confuso para a UE é o fato de que está programada para, em breve, revisar seu orçamento, a denominada Estrutura Financeira Multianual, com a Comissão planejada para anunciar suas sugestões nas próximas semanas. Um dos principais tópicos será verificar se os estados membros estão preparados para prover dinheiro adicional a Bruxelas, à luz dos novos desafios criados pela crise dos refugiados.
Permanecendo fiel a princípios
Se os britânicos continuarem a retardar sua saída da UE, surgirá uma situação complicada [*]. Os estados membros serão forçados a negociar as finanças do bloco ao mesmo tempo em que começam as negociações sobre a Brexit. Mas, como Bruxelas poderá determinar seu orçamento sem saber com quanto os britânicos contribuirão para ele?
Nesse sentido, as conversações atuais entre Bruxelas e a Suíça sobre um novo acordo estrutural podem gerar um modelo para os entendimentos com os britânicos. Um dos principais pontos de conflito ou impasse nas conversações é a denominada movimentação livre de pessoas, sobre a qual Bruxelas recusa quaisquer limitações. A mensagem para os britânicos é clara: o divórcio pode ficar caro, mas a UE não pretende abandonar seus princípios.
____________
[*] No dia 2 de outubro corrente, a primeira-ministra britânica Theresa May anunciou que o Reino Unido vai iniciar formalmente o processo de desligamento da União Europeia (UE) até o fim de março de 2017. Isso significa a abertura de uma contagem regressiva de dois anos até que o processo da Brexit seja concluído.
O calendário, no entanto, ainda não veio acompanhado de uma estratégia clara de negociação com Bruxelas. Londres segue afirmando que deseja um acordo de livre-comércio, mas sem livre circulação de europeus pela ilha.
No dia 5 de outubro, a primeira-ministra britânica antecipou "duras" negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia e garantiu que seu governo trabalhará para conseguir que o país seja "independente". Vê-se, pois, que há ainda um longo e espinhoso caminho pela frente até que a Brexit seja definitivamente concluída.]
Isso se aplica também à ligação de mais de 40 anos entre o RU e a UE. Em 23 de junho, a maioria dos britânicos votou pelo término de sua participação na UE, uma decisão de significância global. As ondas de choque que o voto britânico geraram nas capitais europeias e em Bruxelas não perderam seu impacto.
A vida continua?
Quando os líderes dos demais 27 membros da UE se reunirem no próximo dia 16 em Bratislava, capital da Eslovênia, para discutir as consequências da Brexit, o RU não estará mais à mesa. A chanceler alemã Angela Merkel guarda a esperança de que a reunião mande uma mensagem de um novo começo -- nas políticas de defesa e segurança, e nas medidas para criação de empregos, principalmente no sul da Europa. A vida continua, mesmo sem os britânicos: esta é a mensagem que a reunião tem de enviar.
Entretanto, os anos vindouros serão definidos mais pelo divórcio iminente do que por memorandos vagos de uma reunião de cúpula. Com a saída do RU, a UE perderá mais do que apenas força política e econômica -- ela verá também bilhões de euros desaparecerem de seu orçamento. Para a Alemanha, em particular, as consequências podem ser significativas.
"Não me peça para dizer-lhe qual será o fim do caminho", disse defensivamente Michel Barnier na semana passada, acrescentando que o processo sequer começou. O ex-ministro de Relações Exteriores francês e atual comissário da UE está encarregado de negociar com o RU em nome dos restantes membros da União, e desfruta da confiança da chanceler alemã Angela Merkel.
Na semana passada, Barnier falou publicamente pela primeira vez desde sua indicação como um convidado da usina de ideias (think tank) Bruegel, sediada em Bruxelas. O evento se realizou em um luxuoso museu automobilístico. Mas, se Barnier conseguir seu intento, isto pode logo ser tudo o que resta do Reino Unido (RU) na sede europeia em Bruxelas. "Estou esperando para começar. Estarei pronto amanhã para negociar, falando francamente".
Será um desafio difícil -- muito é tido como suposto ou garantido. Particularmente sensível será a questão quanto a se os cidadãos europeus terão ainda o direito irrestrito de morar e trabalhar no RU, um item crucial no mercado interno da União Europeia (UE). E, obviamente, há muito dinheiro em jogo.
10 bilhões de euros ou mais
Solicitados pela Comissão Europeia e pela Secretaria Geral do Conselho Europeu, os primeiros cálculos sobre quão cara pode ser a Brexit para os restantes 27 membros da UE acabam de ser concluídos. De acordo com um estudo, as receitas líquidas injetadas na UE a partir do RU por ano oscilam entre 14 e 21 bilhões de euros. Se subtrairmos disso o dinheiro que o RU recebe de volta de Bruxelas, o orçamento da UE encolheria em até 10 bilhões de euros por ano.
Redistribuição
entre os membros da UE em 2015, em bilhões de euros [infelizmente o gráfico do texto original não pode ser copiado].
Mas poderia ser até pior. A dedução às contribuições do RU para a UE negociadas por Margaret Thatcher levaram a uma economia de mais de 110 bilhões para os britânicos ao longo dos anos. Considerando que outros pagadores líquidos, incluindo a Alemanha, não queriam ser responsabilizados pelos custos adicionais que isso gerou, eles também receberam um desconto. Além da Alemanha, a Holanda, a Suécia, a Áustria e a Dinamarca atualmente desfrutam também de uma redução sobre o que têm pagar para o orçamento da UE. Após a Brexit, essa discordância pode se intensificar, especialmente tendo em conta que a França, que também é um pagador líquido, não recebe absolutamente nenhum desconto.
Um trabalho elaborado pelo Centro para Política [= plano de ação] Europeia (CEP, na sigla em inglês), previsto para ser apresentado em Berlim esta semana, mostra números de magnitude similar. O estudo abrangente sobre redistribuição na UE indica que os membros restantes da UE, em especial a Alemanha, estão enfrentando cargas financeiras adicionais significativas.
De 2008 a 2015, a contribuição do RU para a UE aumentou a cada ano, a ponto de tornar o RU o terceiro maior contribuinte líquido para o orçamento da UE, registra o estudo, com o montante médio anual pago pelo RU atingindo 6,5 bilhões de euros durante esse período. Os únicos países que pagam mais do que isso para a unidade europeia são Alemanha e França.
Em 2015, detectou o estudo, o RU estava em segundo lugar: os britânicos pagaram 12,7 bilhões de euros a mais sobre o que receberam da UE. Comparativamente, a Alemanha pagou 15,6 bilhões de euros. O trabalho concluiu também que os britânicos efetuaram uma contribuição per capita naquele ano maior do que a feita pela Alemanha naquele ano. "Após a saída do RU da UE, esse montante líquido terá que ser redistribuído entre outros estados membros", escreve o autor do relatório do CEP, Matthias Kullas. "Os outros principais pagadores líquidos -- especialmente Alemanha, França e Itália -- enfrentarão custos adicionais significativos".
A Brexit pode também levar a frustrações financeiras dolorosas para o Banco de Investimentos Europeu (EIB, na sigla inglesa), calculou Kullas. Se os britânicos retirarem sua fatia de capital no banco de desenvolvimento, isso resultará em uma redução financeira de bilhões de euros. O EIB seria forçado a fazer menos empréstimos -- empréstimos que são vitais para projetos de infraestrutura por todo o continente europeu.
De acordo com Kullas, os britânicos até agora têm suportado a maior carga no banco. Sua parcela no capital da instituição é de 16%, mas eles se beneficiam com apenas 8,8% dos empréstimos. Nenhum outro país tem um desequilíbrio maior que esse.
Um preço alto para a Alemanha
O ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble, da União Democrática Cristã, partido da chanceler Angela Merkel, já determinara a seus especialistas que calculassem o que a Brexit significaria para o orçamento federal da Alemanha. Em uma recomendação interna, seus assessores alertaram que a saída do RU da UE significaria "a perda do segundo maior pagador líquido" do grupo. Em seguida à Brexit, a participação alemã na força econômica total da UE subiria dos atuais 21% para 25%. A consequência disso seria "um aumento na participação alemã no financiamento do orçamento da UE de cerca de 4,5 bilhões de euros por ano em 2019 e 2020", disseram eles.
As hipóteses se basearam na estrutura financeira atual e não incluíram "nenhuma compensação concebível". Como um exemplo, o estudo cita as possíveis contribuições futuras do RU se ele continuar a ter acesso ao mercado interno da UE. Os exemplos aqui foram a Suíça e a Noruega que, apesar de não serem membros da UE, contribuem para o orçamento da UE. As taxas são essencialmente o preço da admissão a uma das maiores zonas de livre comércio do mundo.
Como membro do mercado interno, a Noruega tem que pagar cerca da metade do que seria exigido como contribuição caso fosse um estado membro pleno da UE. Se o RU optar por esse modelo, isso significaria uma redução menor para o orçamento total da UE.
O estudo do Ministério das Finanças da Alemanha fornece também outro exemplo: um denominado "Programa de Redução do Teto". O ministério de Schäuble considera possível que a UE tenha que adotar um significativo aperto de cinto em termos fiscais, caso o RU deixe de participar do orçamento do grupo.
Já por um longo tempo, especialistas do Ministério das Finanças alemão têm pensado seriamente sobre possíveis "novas prioridades" para os gastos da UE. "Como será formatado o orçamento da UE no futuro?", perguntava o título de uma conferência interna recente em Berlim, em meados de julho, para a qual o ministério de Schäuble convidou também altos funcionários da Comissão Europeia e outros estados membros.
Com o objetivo de reduzir a perda financeira, outros estados membros estão igualmente buscando meios e caminhos para reduzir os gastos da UE. A principal área sob revisão de especialistas fiscais é a da ajuda à agricultura que, perfazendo cerca de 55 bilhões de euros por ano, é uma das maiores rubricas do orçamento. Por exemplo, os pagamentos diretos que cada fazendeiro europeu recebe por cada hectare de terra que possui, sem quaisquer condicionamentos, passaram a ser criticados.
Até agora, ninguém em Berlim ou Bruxelas está seguro quanto a quais medidas serão usadas para proteger a UE dos desafios criados pela saída de um estado membro. Podem ser uma redução de gastos, contribuições continuadas por parte do RU ou uma taxa adicional para os estados membros restantes.
Negativa em Bruxelas
Enquanto o RU não tomar o passo legal de declarar sua intenção de deixar a UE acionando o Artigo 50 [do Tratado de Lisboa], altas autoridades seniores da UE estão basicamente ignorando o assunto [*]. Em uma reunião fechada da Comissão cidade belga de Knokke, de resorts de alto luxo, no final de agosto, nenhuma das altas autoridades da UE presentes trouxe à mesa a questão da Brexit. Na quarta-feira passada, entretanto, pelo menos um membro da comissão ousou apresentar o assunto para debate, com Günther Oettinger, da Alemanha, advertindo seus colegas de que eles precisam afinal começar a considerar os efeitos que a saída do RU pode ter sobre o orçamento da UE. Suas palavras caíram no vazio.
"Acho muito possível que os britânicos saberão exatamente o que querem no início das negociações, mas que a Europa ainda não será capaz de falar através apenas de uma voz", alertou recentemente Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu. As dificuldades começam com o fato de que ainda não está claro qual o tipo de relacionamento futuro os britânicos buscarão em relação à UE. Isto, entretanto, determinará o preço dos futuros laços. Está claro que o governo não obterá o acesso abrangente que aspira ao mercado interno europeu sem pagar um preço por isso. "Se houver participação em várias áreas de atuação, então a quantia esperada para ser liberada pelo país aumentará também", diz Jens Geier, do partido dos Social-Democratas, de centro-esquerda, que é vice-presidente do Comitê de Orçamento do Parlamento Europeu.
Um exemplo são os programas focados em promover pesquisa científica, como o Horizon 2020. Como deles participam universidades britânicas de destaque como Oxford e Cambridge, tanto os europeus como os britânicos têm interesse em que a cooperação continue. Mas se os britânicos quiserem usufruir dos subsídios disponíveis através de programas como esse, terão também que continuar a financiá-los.
Além disso, programas caros da UE como os subsídios regionais estão vinculados ao mercado interno. Se Londres quiser continuar com sua participação neles, terá também que pagar sua quota para isso. "Os britânicos podem meter-se na estranha situação de pagar por políticas regionais mas não receber nada de volta, novamente", diz Geier.
Particularmente confuso para a UE é o fato de que está programada para, em breve, revisar seu orçamento, a denominada Estrutura Financeira Multianual, com a Comissão planejada para anunciar suas sugestões nas próximas semanas. Um dos principais tópicos será verificar se os estados membros estão preparados para prover dinheiro adicional a Bruxelas, à luz dos novos desafios criados pela crise dos refugiados.
Permanecendo fiel a princípios
Se os britânicos continuarem a retardar sua saída da UE, surgirá uma situação complicada [*]. Os estados membros serão forçados a negociar as finanças do bloco ao mesmo tempo em que começam as negociações sobre a Brexit. Mas, como Bruxelas poderá determinar seu orçamento sem saber com quanto os britânicos contribuirão para ele?
Nesse sentido, as conversações atuais entre Bruxelas e a Suíça sobre um novo acordo estrutural podem gerar um modelo para os entendimentos com os britânicos. Um dos principais pontos de conflito ou impasse nas conversações é a denominada movimentação livre de pessoas, sobre a qual Bruxelas recusa quaisquer limitações. A mensagem para os britânicos é clara: o divórcio pode ficar caro, mas a UE não pretende abandonar seus princípios.
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[*] No dia 2 de outubro corrente, a primeira-ministra britânica Theresa May anunciou que o Reino Unido vai iniciar formalmente o processo de desligamento da União Europeia (UE) até o fim de março de 2017. Isso significa a abertura de uma contagem regressiva de dois anos até que o processo da Brexit seja concluído.
O calendário, no entanto, ainda não veio acompanhado de uma estratégia clara de negociação com Bruxelas. Londres segue afirmando que deseja um acordo de livre-comércio, mas sem livre circulação de europeus pela ilha.
No dia 5 de outubro, a primeira-ministra britânica antecipou "duras" negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia e garantiu que seu governo trabalhará para conseguir que o país seja "independente". Vê-se, pois, que há ainda um longo e espinhoso caminho pela frente até que a Brexit seja definitivamente concluída.]
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