Traduzo a seguir a reportagem de Thierry Étienne publicada no jornal francês Le Figaro. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]
FUTUROLOGIA -- Apresentada em vários estandes do Mundial do Automóvel 2016 em Paris, a eletromobilidade vê crescer sua credibilidade e, com ela, a esperança de enfim sair de sua "confidencialidade".
No ano passado, as vendas de veículos elétricos cresceram 48% na Europa, beirando 100 mil emplacamentos. Durante o primeiro semestre de 2016, elas continuaram crescendo acima de 11%. Tais resultados encorajadores, a serem creditados às pioneiras da eletromobilidade que são BMW, Mitsubishi, Nissan, Renault ou ainda a Tesla, devem entretanto ser relativizados. Na escala do mercado europeu, o veículo elétrico não supera 0,56% das vendas.
Em suma, os 1o% no horizonte 2020, previstos por Carlos Ghosn [CEO da Nissan e da Renault] em 2009, serão difíceis de serem alcançados. Mas a Renault não é a única a acreditar no futuro do automóvel de emissão zero. A poderosa indústria alemã, inclusive suas marcas premium, adere hoje ao seu chamado. Porque novas perspectivas se apresentam para o veículo elétrico. Não apenas na Europa, onde o diesel não é mais bem-visto, mas também na China, que carece de petróleo e onde a poluição atingiu um teto crítico, e nos Estados Unidos, onde uma restrição a emissões de CO₂ está em vias de ser imposta.
A Volkswagen vai tirar proveito da ocasião para limpar sua imagem [ver "Escândalo na indústria automobilística -- segredos sujos"]. Em 2025, apoiando-se em todas as suas marcas -- incluindo Audi, Bentley e Porsche -- o grupo disporá em seu catálogo de cerca de trinta modelos totalmente elétricos. Essa gama super "eletrizada" deverá assegurar um quarto das vendas do grupo. O protótipo I.D., baseado em uma plataforma dedicada MEB, nos dá uma primeira visão dessa nova geração da Volkswagen. Ele prevê uma berline [carro de 4 portas] compacta, que substituiria o e-Golf. Na expectativa, alguns fabricantes como a Hyundai, com seu modelo de 4 portas Ioniq, a Opel com o monoespaço Ampera-e, já estão prontas para entrar em ação. E as estrelas atuais da categoria que são o Renault ZOE, o Nissan Leaf, o BMW i3 e o Tesla S recebem todas elas uma bateria de mais capacidade, para aumentar significativamente sua autonomia.
O carro elétrico não está ainda pronto para suplantar seu equivalente a gasolina ou diesel mas, à vista do esforço desenvolvido pelos fabricantes, não há nenhuma dúvida sobre seu futuro [promissor]. Hoje, há na França 25 modelos de carros elétricos à disposição dos interessados.
Segundo pesquisa pela Ipsos entre 23 e 29 de agosto de 2016 ( feita a cada 2 anos desde 2012) sobre a imagem do carro elétrico com uma amostragem de 1.000 pessoas representativa da população francesa mostra a seguinte posição em comparação a 2014:
● Inovador: 94%
● Respeita o meio ambiente: 91%
● Agradável para dirigir: 88%
● Econômico: 80%
● Transmite segurança: 72%
● Confiável: 70%
● Prático: 66%
80% dos entrevistados estão prontos para mudar seus hábitos de mobilidade para melhorar a qualidade do ar.
Três freios ao desenvolvimento do carro elétrico
Três freios ao desenvolvimento do carro elétrico
As novidades apresentadas pelos fabricantes no Mundial do Automóvel 2016 atestam os progressos alcançados pela propulsão elétrica. Os carros alimentados por bateria não são apenas econômicos, não poluentes (localmente) e silenciosos, mas são também agradáveis de dirigir graças ao torque instantâneo liberado pelo motor. Isso não muda o fato de que seu desenvolvimento permanece freado por restrições sérias.
Um preço elevado
O primeiro freio é orçamentário. O preço de um compacto como o Nissan Leaf começa em 32.380 euros [cerca de R$ 116mil], incluindo a bateria. Isso decorre do custo muito alto da bateria de lítio-íon. Há um viés de baixa no seu custo. Em 2010, precisava-se calcular com 1.000 dólares por kWh, contra 450 dólares atualmente. E os analistas prevêem 200 dólares por kWh no horizonte 2020.
Tomando o exemplo do BMW i3, sua nova bateria de 33 kWh não representaria mais que 18% de seu preço de venda, contra os 40% de hoje. É preciso registrar que na França o comprador de um carro elétrico novo recebe um bônus ecológico de 6.300 euros, mais um superbônus de 3.700 euros se ele incluir na compra a entrega de um carro a diesel com mais de dez anos de idade.
Uma autonomia limitada
O segundo obstáculo a ser vencido pelo carro elétrico é sua baixa autonomia, mas se se tomar como base de comparação os valores de homologação NEDC [New European Driving Cycle], progressos importantes vêm de ser anunciados no salão de Paris. Apenas nascido, o Hyundai Ioniq (28 kWh) e seus 280 km de autonomia se vê ultrapassado por uma nova evolução do BMW i3 (33 kWh), capaz de percorrer 300 km sem recarga, e também pelo modelo mais recente do Renault ZOE (41 kWh), com autonomia de 400 km. Ainda melhor, o Opel Ampera-e, com 60 kWh, ultrapassaria os 500 km. O novo recorde a ser batido é o estabelecido pela versão P100D do caríssimo Tesla (140.300 euros ≈ R$ 503 mil) -- graças à sua bateria de 100 kWh, ele reivindica de fato uma autonomia de 613 km.
Uma falta de terminais para carga da bateria
O terceiro e último empecilho ao desenvolvimento rápido do carro elétrico é o tempo necessário para a recarga de sua bateria que, conforme a instalação, pode levar de cerca de 30 minutos a uma dezena de horas. Isso põe em destaque uma falta flagrante de infraestruturas. Adicionando-se as instalações providas pelo Estado, as coletividades locais e os atores privados (Nissan, Tesla, Ikea, Auchan, Leclerc, etc), a rede não ultrapassa 13.000 "tomadas". Isso é insuficiente, mas a lei relativa à transição energética para o crescimento verde, promulgada em 18 de agosto de 2015 no diário oficial francês (Journal Officiel) tem por objetivo instalar 7 milhões de pontos de recarga no território francês até 2030. Registrado.
O carro de corrida elétrico
Desde 2012, existe a chamada Fórmula E ou FIA Formula E Championship, que utiliza exclusivamente carros elétricos. A primeira corrida ocorreu em Beijing (Pequim) em 13 de setembro de 2014.
Um carro médio da Fórmula E tem uma potência de pelo menos 250 HP, e é capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em 3 segundos e tem uma velocidade máxima de 255 km/h. O nível de ruído é de 80 dB, maior que os cerca de 70 dB gerados por um carro médio a gasolina. Os geradores utilizados para recarregar as baterias têm como combustível a glicerina, um subproduto da produção de biodiesel.
O carro de corrida elétrico
Desde 2012, existe a chamada Fórmula E ou FIA Formula E Championship, que utiliza exclusivamente carros elétricos. A primeira corrida ocorreu em Beijing (Pequim) em 13 de setembro de 2014.
Um carro médio da Fórmula E tem uma potência de pelo menos 250 HP, e é capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em 3 segundos e tem uma velocidade máxima de 255 km/h. O nível de ruído é de 80 dB, maior que os cerca de 70 dB gerados por um carro médio a gasolina. Os geradores utilizados para recarregar as baterias têm como combustível a glicerina, um subproduto da produção de biodiesel.
[O carro elétrico no Brasil
Em março deste ano, o Brasil e a Alemanha assinaram um acordo para incentivo ao carro elétrico. Esse documento visa a aprimorar o desenvolvimento e a implantação de veículos elétricos. O projeto de 4 anos de duração vai receber o investimento de 5 milhões de euros do Ministério de Cooperação Internacional e Desenvolvimento Econômico da Alemanha (BMZ).
Dentre as ações previstas estão a criação de diretrizes para linhas de financiamento, apoio à disseminação de tecnologias inovadoras, bem como consultoria ao governo brasileiro, associações e representações do setor privado sobre a gestão da frota de veículos elétricos e híbridos.
"A Alemanha já possui 'know-how' em tecnologias de propulsão mais eficientes. A contribuição deles vai ser de extrema importância para o desenvolvimento de políticas públicas e criação de novos modelos de negócios”, afirmou Margarete Gandini, diretora do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que coordenará a parceria.
Em 2015, o governo federal zerou o imposto de importação para veículos equipados com motores elétricos, que tinham alíquota de 35%. Híbridos já tinham alíquota entre zero e 7%, dependendo da cilindrada e da eficiência energética. Só estão contemplados os que podem levar até 6 pessoas e cujo motor a combustão não seja maior do que 3.0 litros.
A frota de carros "verdes" ainda é bem pequena no Brasil. Segundo levantamento da Associação Brasileira do Veículo Elétrico feito em setembro último, o país conta com cerca de 3 mil veículos elétricos e híbridos. A frota total do país, na época, era de 89,7 milhões de veículos, de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Atualmente, apenas um modelo de carro elétrico, o compacto BMW i3, é comercializado no país. Há 5 modelos de carros híbridos:o sedã FordFusion Hybrid, o hatch ToyotaPrius, o Lexus CT200, o Mitsubishi Outlander PHEV e o esportivo BMW i8, todos com preço acima de R$ 100 mil.
Segunda fase do carro elétrico no Brasil completa 10 anos com muito trabalho a ser feito
A frota da Itaipu Binacional reúne veículos compactos, ônibus e até avião de pequeno porte - (Foto: Itaipu/Divulgação)
A usina de Itaipu Binacional está comemorando os 10 anos do Programa Veículo Elétrico, iniciado em 2006 em parceria com a KWO, uma hidrelétrica suíça. O primeiro fruto do projeto já foi colhido em 2007, com a homologação do protótipo de um Fiat Palio Weekend elétrico. “Como não tínhamos nenhum especialista na área automotiva, procuramos por empresas que entendiam do ramo. Neste primeiro momento, apenas a Fiat se interessou em participar do projeto. O desenvolvimento do veículo foi rápido graças ao conhecimento compartilhado pela KWO”, relembra Celso Novais, coordenador do Programa VE.
A perua elétrica tem autonomia de 110 quilômetros e desenvolve velocidade máxima de 110km/h. O protótipo foi homologado para rodar nas ruas, com direito a testes de impacto e tudo o mais que era necessário, dando origem à produção de 100 veículos iguais, usados em Itaipu e na frota de várias empresas em caráter experimental. Concluído esse primeiro desafio, uma nova questão veio à tona, conta o coordenador do Programa VE: do que adianta fazer um veículo elétrico sem termos postos de abastecimento ou pessoal para fazer a manutenção?.
SOLUÇÕES -- A partir daí, foram desenvolvidas várias tecnologias ligadas ao veículo elétrico, a começar pela bateria de sódio, um projeto do Parque Tecnológico de Itaipu. Inicialmente, as baterias de tração foram importadas, uma vez que o Brasil estava muito defasado nesse setor. Esse tipo de bateria apresenta muitas vantagens: são estáveis (não explodem), não têm efeito memória e sua durabilidade é longa, chegando a 15 anos. Além disso, seus componentes são baratos e estão disponíveis em abundância. Do ponto de vista ambiental, elas são 100% recicláveis, e com baixo custo. “O custo da reciclagem da bateria de sódio corresponde a 1% do seu valor de produção, enquanto a reciclagem da bateria de lítio custa o dobro do seu valor de produção, por isso não e feita”, avalia Celso Novais.
Uma das surpresas é a linha de montagem do Renault Twizy: 17 montados de um total de 32 - (Foto: Itaipu/Divulgação)
Mas essa bateria tem uma desvantagem. Como ela não pode ser dividida em vários módulos, de forma a preencher os espaços ociosos do interior do veículo, acaba tendo um volume grande, inviabilizando seu uso em veículos de passeio. Em compensação, ela é uma opção interessante para veículos maiores, como ônibus. Outro tipo de uso para as baterias de sódio pensado pela equipe do Programa VE é em uma engenhosa estação de recarga de veículos elétricos. Como de forma geral as redes de energia locais não estão dimensionadas para o abastecimento rápido de vários veículos elétricos ao mesmo tempo, foi desenvolvido um sistema baseado no conceito caixa d'água. Trata-se de um contêiner cheio de baterias que são recarregadas lentamente para não sobrecarregar a rede, porém capazes de fazer a recarga rápida de vários veículos simultaneamente.
A equipe de Itaipu também desenvolveu um eletroposto para recarga de veículos elétricos. São centenas espalhados dentro da usina e em alguns pontos na cidade de Foz do Iguaçu. Também voltado à recarga de elétricos, foi construída uma garagem para dois carros com o telhado repleto de painéis fotovoltaicos, o bastante para recarregá-los sem recorrer à rede elétrica. Já o Programa de Mobilidade Elétrica Inteligente (mob-i) faz a gestão em tempo real de uma frota de 22 veículos dentro de Itaipu, em Curitiba e em Brasília, fornecendo uma plataforma para o compartilhamento. Por meio do aplicativo do mob-i, o usuário tem acesso à localização desses veículos, podendo se deslocar até o mais próximo disponível.
Estação-container recarrega baterias lentamente para não sobrecarregar a rede - (Foto: Itaipu/Divulgação)
VEÍCULOS -- Dentro do galpão onde funcionam diversos laboratórios do Programa VE, o visitante “esbarra” com várias curiosidades. Uma das maiores surpresas é uma compacta linha de montagem do pequenino Renault Twizy. Em regime de CKD, já foram montados 17 de um total de 32 veículos. Claro que não se trata de uma produção voltada para a comercialização do carrinho elétrico, mas um estudo de tecnologias, assim como a proposição de ideias para seu aprimoramento. A frota do Programa VE ainda tem para estudos os Renault Zoe e Fluence elétrico, BMW i3 e os Fiat 500e e Panda elétrico.
Depois do Fiat Palio Weekend, a equipe do Programa VE ainda desenvolveu um Agrale Marruá 100% elétrico, com direito a tração 4x4, e dois ônibus elétricos. Visto que o híbrido é uma solução para o momento, já que não precisa de nenhuma infraestrutura adicional a ser implementada, um dos projetos mais promissores é o ônibus híbrido a etanol. “Na Europa, que usa o diesel no ônibus híbrido, a redução das emissões é de 30% a 40%. No Brasil, com o etanol, a queda das emissões varia entre 80% a 90%. Nós temos atualmente o percentual de emissões que a Europa terá apenas em 2025”, compara Celso Novais. Outro projeto em andamento é um Veículo Leve sobre Trilho (VLT) elétrico, mas um dos feitos mais importantes da equipe foi o desenvolvimento de um avião elétrico tripulado.
Outro projeto em andamento é um Veículo Leve sobre Trilho (VLT) elétrico - (Foto: Itaipu/Divulgação)
IMPACTO -- E qual seria o impacto se, da noite para o dia, todos os carros emplacados no Brasil passassem a ser elétricos? Haveria produção de energia elétrica suficiente para mais essa demanda? Nas contas de Celso Novais, sim. Ele levou em conta dados de 2011, quando a frota de carros do país era de 34 milhões de veículos e o emplacamento anual de automóveis e comerciais leves estava na casa dos 3,4 milhões. Considerando um veículo que roda em média 60 quilômetros por dia, haveria um acréscimo de 3,3% no consumo de energia. Como a renovação completa da frota ocorreria em 10 anos, no fim desse período seria necessário aumentar a produção de energia em 33%. “Como haveria um aumento gradual da demanda, a produção de energia elétrica daria conta do recado. Portanto, não existe essa preocupação”, garante Celso.]
Recebido por email de Moyses Tomaz de Oliveira:
ResponderExcluirCom certeza, será o carro do futuro.
O carro do futuro - elétrico, claro - pertencerá mais a firmas tipo Uber. Investiremos em prioridades diferentes de veículo próprio. E o meio ambiente agradecerá.
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