Mais uma vez o Brasil se abstém de votar na ONU contra o Irã, desta vez na discussão de resolução que condena o desrespeito do país aos direitos humanos e pede o fim dos apedrejamentos e das perseguições a minorias étnicas, dos ataques a jornalistas e a advogados de defesa de vítimas de violações de direitos. A censura ao Irã, ocorrida na última quinta-feira à noite, no Terceiro Comitê, que trata de assuntos de direitos humanos no âmbito da Assembléia Geral, foi aprovada por 80 votos a favor, 44 contra e 57 abstenções e será submetida ao plenário em dezembro. Deverá ser aprovada, mas não terá força para obrigar o Irã a fazer mudanças.
Como se vê, a aprovação da censura está longe de ter sido acachapante e mostra uma visível divisão no âmbito da ONU em relação a esse tema quanto ao Irã, podendo igualmente ser interpretada como uma demonstração de que o Irã tem claramente mais defensores nesse organismo do que se poderia esperar à primeira vista. Vê-se que o Brasil teve vários parceiros em sua abstenção, a questão é verificar a qualidade dessa "parceria" -- a lista sumária publicada pela imprensa não é muito animadora, conosco votaram, entre outros, Índia, África do Sul, Equador, Guatemala, Marrocos, Angola, Benin, Nigéria e Zâmbia.
De acordo com informe da Comunidade Internacional Bahá'í, essa condenação é a 23ª sofrida pelo Irã nesse tema desde 1985. A denominada Fé Bahá'í é uma religião monoteísta fundada na Pérsia (hoje Irã) no século 19, com ênfase na unidade espiritual de toda a humanidade -- ela conta com cerca de 6 milhões de seguidores em mais de 200 países (incluindo o Brasil) e territórios (leia mais). Seus adeptos (assim como os membros das comunidades Sufi, Baluch e Curda) são perseguidos no Irã, onde lhes é negado o acesso às universidades e ao seu sustento econômico; seus cemitérios sofrem vandalismo e suas propriedades são expropriadas. A resolução da ONU acima referida dedica um parágrafo inteiro às perseguições aos Bahá'ís no Irã.
Em 1999, quando da votação da Resolução A/RES/53/158, de 09/2/99, em que também se faz censura ao Irã por violação de direitos humanos, o Brasil votou a favor. De lá para cá, segundo pude pesquisar no Itamaraty, o Brasil tem decidido basicamente se abster nas votações com esse objetivo. A argumentação da missão diplomática na ONU quando do voto de abstenção na semana passada foi a de que o assunto deveria ser tratado no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, principal órgão da ONU nessa matéria. Ali, segundo a embaixadora Maria Luiza Viotti, chefe da missão diplomática brasileira, o Conselho está mais preparado para "examinar situações de direitos humanos de uma maneira holística, multilateral, despolitizada e não seletiva". A despolitização do assunto é o foco básico das reiteradas abstenções brasileiras, confirmando o que pude verificar no Itamaraty.
Para os humildes mortais, não afeitos aos meandros e nuances diplomáticos, fica muito difícil entender essa nova abstenção brasileira contra esse tipo de censura ao Irã pouco tempo depois de termos oferecido asilo à iraniana Sakineh Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento, quando o fim dos apedrejamentos é um dos objetivos explícitos da resolução da ONU da semana passada. Isto soa muito incongruente.
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