quinta-feira, 20 de maio de 2010

Os tesouros de Adélia Prado

Adélia Prado nasceu em 13/12/1935 em Divinópolis (MG), onde mora até hoje. Mais conhecida como poetisa (acho simplesmente ridícula a posição de certas "feministas", que acham que "poetisa" soa como diminutivo e depreciativo para a mulher, que por isto tem que ser chamada também de "poeta" !...), ela é boa de pena também na prosa (que ocupa espaço menor, mas não menos valioso que a poesia em sua produção literária).

Falando de suas lembranças poéticas diz ela:

"Uma das mais remotas experiências poéticas que me ocorre é a de uma composição escolar no 3º ano primário, que eu terminava assim: "Olhai os lírios do campo. Nem Salomão, com toda sua glória, se vestiu como um deles...".

A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei a sentença na composição que foi muito aplaudida, para minha felicidade suplementar. Repetia em casa composições, poesias, era escolhida para recitá-las nos auditórios, coisa que durou até me formar professora primária. Tinha bons ouvintes em casa. Aplaudiam a filha que tinha "muito jeito pra essas coisas". Na adolescência fiz muitos sonetos à Augusto dos Anjos, dando um tom missionário, moralista, com plena aceitação do furor católico que me rodeava. A palavra era poderosa, podia fazer com ela o que eu quisesse."


Uma pequena amostra da poesia de Adélia:

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

 Para uma mulher bem do interior mineiro Adélia Prado diz coisas absolutamente inesperadas e surpreendentes, mas também absolutamente coerentes com o texto e o tema, e nada chocantes. Um bom exemplo disto se encontra no mini-conto De afrodisíacos, em que o ritual de se fazer um cigarro de palha ganha toques de erotismo e sensualidade. Ela começa o texto dizendo "Tenho um pouco de pudor de contar, mas só um pouco, porque sei que vou acabar contando mesmo.  É porque lá em casa a gente não podia falar nem diabo, que levava sabão, quanto mais... ah, no fim eu falo." Depois de descrever com perfeição o lento ritual com que Gomide ia fazendo seu cigarro de palha, assistido de maneira atenta e fascinada por Teodoro, ela escreve: "Com o canivete dobrou uma das pontas para o fumo não escapar, tirou a binga do bolso, acendeu e pegou a pitar. Agora é que vem, ai, ai. Teodoro falou que o tempo todo da operação ele não despregava o olho daquilo. Disse que nem sabe o que tia Carlina arengava, só punha sentido no Gomide fazendo o pito. Diz ele que foi uma coisa tão esquisita — esquisita, não —, tão encantada que ele ficou de pau duro. É isso. Falou também que ficou doido pra sair dali, comprar palha, fumo de rolo e repetir tudo igualzinho ao Gomide".

Outro belo exemplo da prosa de Adélia se vê em Quero minha mãe .   Adélia Prado é uma leitura deliciosa, altamente recomendável e muito prazerosa.

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