sábado, 24 de novembro de 2012

Gigantes tecnológicos, mas anões tributários

[A reportagem abaixo, do jornal espanhol El País, relata as rasteiras que gigantes como Apple, Google & Cia dão no Leão espanhol. Fico imaginando o que essas e outras multinacionais fazem no Brasil ...]

O tamanho importa, sim. Pelo menos na hora de pagar impostos. As filiais espanholas das multinacionais tecnológicas reduzem ao máximo sua conta tributária aplicando um "planejamento fiscal agressivo", termo pelo qual a Fazenda espanhola qualifica a engenharia fiscal que esses grupos utilizam para evitar pagar impostos.

As sucursais espanholas de sete gigantes tecnológicos (Yahoo, Apple, Google, Facebook, Microsoft, eBay e Amazon) pagaram 25 milhões [de euros] sobre seus lucros nos últimos três anos, apesar de terem gerado negócios de bilhões de euros pela venda de seus produtos e serviços. Essas empresas transferiram a maior parte de sua receita para países com menor carga tributária. [A Apple, por exemplo, fatura na Irlanda 99% de suas vendas na Espanha]. Elas se servem de operações com outras filiais estrangeiras do grupo, em países como Irlanda, Luxemburgo ou Suiça, para transferir seus lucros para zonas com uma tributação mais vantajosa ou com facilidades para montar estruturas empresariais e deslocar receitas para paraísos fiscais, onde quase não terão  o que pagar ao Fisco.

Para conter essa prática, o Ministério da Fazenda anunciou na terça-feira passada a criação de um órgão nacional de tributação internacional, que investigará os abusos fiscais das multinacionais na Espanha. Ainda que não se conheçam muitos detalhes do plano estatal, na semana passada o secretário de Estado da Fazenda, Miguel Ferre, participou do fórum do Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE, em Paris, onde foi alertado sobre "a erosão das bases imputáveis no imposto sobre sociedades [empresariais] e a transferência de lucros para fora dos países desenvolvidos por estratégia de planejamento fiscal agressivo". A ideia dos principais organismos internacionais é que as empresas sejam tributadas nos países em que geram suas receitas.

O imposto sobre pessoas jurídicas na Espanha favorece a dedução de gastos em comparação à tributação de outros países, que praticam a tributação reduzida de receita. Esta situação permite a criação de uma estrutura empresarial que possibilita transferir a receita para países com menor tributação, e trazer para as filiais espanholas gastos com mais deduções e bonificações.

As práticas utilizadas pelas grandes multinacionais tecnológicas na Espanha para reduzir o pagamento de imposto sobre seus lucros estão descritas a seguir.

Apple

Agente comercial da Irlanda.

É um dos casos mais emblemáticos dessa prática para reduzir o pagamento de impostos. A Apple possui várias filiais na Espanha para a venda de seus tablets, telefones e computadores. Ela criou uma estrutura empresarial para transferir seus lucros na Espanha para uma filial na Irlanda, onde fatura a maioria das suas vendas. A Apple atua de duas maneiras: com suas próprias lojas e com franquias.

Apple Retail [Apple Varejo] é a empresa que gerencia as lojas da famíla Cupertino na Espanha. Efetuou vendas de 76,3 milhões de euros no ano passado, multiplicando por 14 a receita em relação a 2010, de acordo com o balanço informado ao Registro Mercantil. A empresa compra da filial irlandesa com margem estreita, reduzindo assim o lucro que fica na Espanha. Apesar do significativo aumento de suas vendas em 2011, a empresa obteve um lucro antes de impostos de apenas 364.138 euros, o que corresponde a 0,4% de sua receita. Isto porque a maior parte de seus gastos, 60,5 milhões, vem de suas compras na Apple International, a sucursal irlandesa que fornece os produtos com margem de lucro reduzida [para a filial espanhola], para deixar o lucro em Dublin. A Irlanda tem uma tributação de pessoa jurídica menor, de 12,5%  contra os 35% espanhóis. Essa brecha na tributação internacional faz com que a Apple pague apenas 143.115 euros de impostos sobre seus lucros, apesar de faturar mais de 76 milhões de euros.

Mas, a engenharia fiscal da multinacional americana vai mais além. A empresa utiliza a Apple Marketing Iberia para vender seus produtos através de terceiros. Esta filial espanhola atua como agente comercial desde 1997. Ou seja, funciona como "suporte de vendas e provedor de serviços de publicidade [...] e recebe uma comissão de 1% sobre as vendas realizadas pela empresa", de acordo com seu balanço de 2010. A companhia eliminou essa informação no balanço de 2011, quando faturou 17,7 milhões de euros, quase o dobro do valor de 2009. Se a comissão continua a mesma, isso significa que as vendas da Apple a terceiros na Espanha atingiram em 2011 o montante de 1,775 bilhão. Apesar disso, a Apple Marketing Iberia pagou apenas 2,49 milhões de euros de imposto sobre lucro, o que vale 0,14% das vendas.

Google

Sob investigação da Fazenda.

A filial espanhola desse site de buscas recebe centenas de milhões de euros de publicidade na Espanha, mas no ano passado faturou apenas 38,3 milhões. A Google Espanha é uma máquina de vendas que cobre seus gastos refaturando para a Google Irland e outras sociedades, que ficam com o filé do mercado espanhol. Dos 38,3 milhões que recebeu em 2011, a Google recebeu 36,9 milhões através da filial irlandesa. "A empresa fatura por serviços prestados via Google Irlanda e Google Inc. com base nos custos aí incorridos, mais uma margem de lucro de 8% a 10%". Essa prática tributária peculiar permite que as centenas de milhões de euros de receita do gigante da Internet se transfiram para a Irlanda. Por sua vez, a Google consegue transferir esses lucros para paraísos fiscais, de modo que a maior parte desses lucros escapapa inclusive da baixa tributação irlandesa.

Enquanto isso, a empresa cobre apenas os gastos que tem na Espanha. A filial espanhol declarou prejuízos nos dois últimos anos. Assim, tem direito a devolução. A Fazenda espanhola está investigando a filial da Google na Espanha, com relação à tributação de pessoa jurídica nos anos 2009 e 2010. No entanto, isso não pressupõe que tenha havido alguma irregularidade.

Microsoft

Consolida seus balanços no âmbito de seu grupo.

Este outro gigante informático criou uma estrutura empresarial na Espanha que lhe permite também reduzir o pagamento de impostos sobre seus lucros. A filial espanhola Microsoft Ibérica opera principalmente como agente comercial das vendas realizadas na Espanha pela Microsoft Ireland Operations Ltd., segundo se depreende dos balanços arquivados no Registro Mercantil. Dos 157,6 milhões de euros que recebeu no ano passado, a empresa faturou 80% (125 milhões) via sua coirmã irlandesa como comissões nas vendas de licenças de produtos na Espanha, o que signigica que a receita espanhola da multinacional americana ascende a centenas de milhões de euros.

Apesar disso, a filial ibérica da Microsoft lançou em 2011 um lucro de 15 milhões de euros, pelos quais deveria pagar 6,1 milhões de imposto. Entretanto, a empresa consolida seu balanço com a matriz (para fins fiscais) na Espanha, a Microsoft Internacional Holdings, e com isso conseguiu uma restituição de imposto em 2011 de 28 milhões de euros. A filial espanhola da Microsoft tem ainda um processo de inspeção aberto pela Fazenda com relação aos impostos dos exercícios de 2004 e 2005, pelos quais a Fazenda cobra 11,9 milhões.

Facebook

Fatura apenas via Irlanda.

A filial espanhola da multinacional dirigida por Mark Zuckerberg declarou no ano passado uma receita de 1,7 milhão de euros na Espanha, um aumento de 60% em relação ao ano anterior. A Facebook Espanha tem por objetivo "a prestação de serviços de publicidade e marketing na Internet", de acordo com seus balanços anuais. Mas, toda a sua receita provém de faturas via Facebook Ireland Limited, o que faz supor que a maior parte da receita desse gigante das redes sociais na Espanha é transferida para a filial irlandesa, ficando os gastos com a filial espanhola. No ano passado a empresa pagou apenas 39.740 euros de imposto sobre lucros, apesar de sua receita milionária na Espanha -- da qual, aliás, seu balanço anual dá poucas pistas.

Yahoo

Os negócios se fazem via Suiça.

Essa multinacional também tira proveito das brechas legais e tributárias, para reduzir de forma lícita sua conta fiscal relativa aos lucros que obtém na Espanha. Yahoo Iberia conseguiu um faturamento de 17,1 milhões de euros no ano passado, cerca de 9% a mais em relação ao ano anterior.  A filial espanhola tem a participação de uma empresa holandesa, e efetua todas as suas vendas a empresas do grupo, particularmente à Yahoo Sarl domiciliada na Suiça, pois chegou a um acordo pelo qual atua como um representante que opera em seu próprio nome e por conta dessa companhia suiça, da qual recebe uma porcentagem pelas vendas.

Essa estratégia, e a aplicação de bases negativas de exercícios anteriores, permitiu à empresa não pagar imposto praticamente desde que se instalou na Espanha. A empresa acumula ainda "créditos" relativos aos anos em que declarou prejuízo. Enquanto isso, recebe subvenções de organismos públicos nacionais e internacionais.

Amazon

Operava fora da Espanha até 2011.

A atividade da Amazon Espanha consiste em "prestar serviços de suporte corporativo, fundamentalmente a empresas do grupo", segundo as anotações de balanço existentes no Registro Mercantil. A filial espanhola do grupo de comércio pela Internet começou a auferir receita a partir do ano passado, quando faturou 314.417 euros, uma pequena parte dos milhões de euros gerados pelo portal de compras na Espanha. O grupo que comercializa o Kindle começou a operar na Espanha no final do ano passado, e abriu seu primeiro centro logístico em maio deste ano. Entretanto, a maior parte de suas vendas se faz através da Amazon EU Sarl, com sede em Luxemburgo, outro país de baixa tributação. Em 2010, o grupo comprou a BuyVip. Esta filial atingiu vendas de 60,9 milhões de euros no ano passado mas, apesar disso, declarou um prejuízo de 14,3 milhões de euros.

eBay

A filial espanhola dessa multinacional de leilões pela Internet realiza todas as suas operações com empresas do grupo, PayPal Spain e outras filiais internacionais, às quais faturou 443.109 euros em 2011. A multinacional transfere a receita de suas vendas na Espanha a outras empresas do grupo domiciliadas em outros países. A eBay internacional tem sua sede na Suiça. A companhia evitou pagar o imposto para compensar resultados negativos de outros exercícios. Entre 2009 e 2010 pagou apenas 9.500 euros.

Essas práticas de engenharia fiscal que algumas multinacionais tecnológicas realizam entre empresas do próprio grupo, para evitar pagar ao Fisco, não são ilegais. Entretanto, outras companhias tecnológicas grandes com sede na Espanha, como a IBM, não as utilizam. Essa empresa, estabelecida em Madri em 1941, pagou no ano passado mais de 30 milhões de euros em impostos, mais do que o resto das multinacionais analisadas juntas em três anos.


2 comentários:

  1. Comentário recebido por email:

    E desde quando isso é ruim? Ruim, mas ruim mesmo, é a voracidade fiscal de países com altos impostos. Nada mais natural que usar todos os meios legais para deixar de pagar impostos a essa casta de burocratas que mina as bases da livre empresa e distorcem o mercado. Uma sociedade livre não usaria impostos para sustentar os serviços públicos. Os quais aliás, devem ser resumidos á administração da força e da justiça. Todo o resto estaria melhor com a iniciativa privada em ambiente de livre mercado e livre concorrência!

    Cristiano H. Ferraz

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  2. O comentário acima tem a minha simpatia. Pago impostos escandalosos e não vejo sinais claros de retorno na educação, saúde, segurança, justiça (salvo recentemente), infraestrutura e etc. E o congresso? Quanto me custa para, no final das contas, me ludibriar?

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