[Descortina-se uma reviravolta significativa no cenário energético internacional, com profundas implicações geoestratégicas e um fortalecimento do poderio americano. É o que se depreende de reportagem de hoje do Estadão.]
Os Estados Unidos vão superar a Arábia Saudita e se tornarão os maiores
produtores de petróleo até aproximadamente 2017, e exportadores líquidos
até 2030, informa a Agência Internacional de Energia (AIE). Este aumento da produção, associado a novas políticas destinadas a
melhorar a eficiência na área energética, tornará os EUA "praticamente
autossuficientes" para atender às suas necessidades de energia em cerca
de duas décadas - numa "drástica reviravolta das tendências atuais" nos
países mais desenvolvidos, mostra novo relatório divulgado pela AIE.
"Os alicerces dos sistemas globais de produção de energia estão
mudando", afirmou em entrevista, antes da divulgação do documento, Fatih
Birol, principal economista da organização com sede em Paris que
elabora a publicação anual "Perspectiva Mundial de Energia". A AIE
previra anteriormente que a Arábia Saudita se tornaria líder em produção
até 2035. O relatório também previu que a demanda global de energia cresceria de
35% a 46% de 2010 a 2035, dependendo da entrada em vigor das políticas
propostas. A maior parte desse crescimento virá da China, Índia e
Oriente Médio, onde os consumidores estão aumentando rapidamente. As
consequências têm "enorme potencial" para os mercados globais de energia
e comércio, informou o relatório.
Birol observou, por exemplo, que o petróleo do Oriente Médio, outrora
destinado aos EUA, provavelmente seria enviado para a China. O carvão
mineral nos EUA, cuja demanda está em declínio no mercado interno, já
caminha rumo à Europa e à China.
Há vários componentes desta repentina mudança de rumo da oferta
energética mundial, mas o principal é o reativação da produção de
petróleo e gás nos EUA, particularmente pelo fato de terem sido
encontradas novas reservas de petróleo e gás. A ampla adoção de
técnicas, como fragmentação hidráulica e perfuração horizontal, tornou
essas reservas muito mais acessíveis, e, no caso do gás, resultou num
imenso excedente que provocou a queda violenta dos preços.
O relatório prevê que os EUA vão superar a Rússia, tornando-se os
maiores produtores de gás em 2015. As afirmações categóricas e as
previsões específicas da AIE conferem um peso maior às tendências que no
ano passado se tornaram mais claras. "Essa conclusão impressionante
confirma grande parte das recentes projeções", disse Michael A. Levi,
pesquisador sênior em energia e meio ambiente para o Conselho de
Relações Exteriores. 'Boa notícia'. Criada em 1974, depois da crise do petróleo, por um grupo
de nações importadoras de petróleo, inclusive os EUA, a AIE monitora e
analisa as tendências com a finalidade de garantir uma oferta confiável e
sustentável.
Segundo Levi, o relatório da AIE é uma "boa notícia" para os EUA, pois
destaca as novas fontes de energia. Mas recomendou cautela, pois ser
autossuficiente não significa evitar a gangorra dos preços,
estabelecidos pelos mercados globais. Além disso, observou, a projeção
da AIE em relação à autossuficiência dos EUA pressupõe que o país
aumentará o número de quilômetros rodados por litro de gasolina nos
carros e a eficiência da energia nas casas. Segundo Birol, a previsão da AIE de um aumento da autossuficiência dos
EUA foi de 55%, refletindo um crescimento da produção petrolífera, e 45%
como reflexo da melhoria da eficiência energética, fundamentalmente por
causa das novas normas de economia de combustível para carro do governo
Obama. E acrescentou que serão necessárias medidas mais rigorosas para
promover a eficiência da energia nos EUA e em muitos outros países.
O relatório afirma que vários outros fatores também poderão ter
consideráveis efeitos nos mercados mundiais nos próximos anos. Entre
eles, a recuperação da indústria petrolífera iraquiana, o que permitirá
aumentar a oferta, e a decisão de alguns países, como Alemanha e Japão,
de abandonar a energia nuclear após o desastre de Fukushima. As novas fontes de energia ajudarão a economia americana, disse Birol,
fornecendo energia barata ao mundo. A AIE estima que os preços da
eletricidade serão cerca de 50% mais baratos nos EUA que na Europa, em
grande parte por causa de um aumento do número de usinas a gás natural
barato, o que poderia ajudar a indústria e os consumidores.
Mas a mensagem tem um significado mais grave para o planeta, em termos
das mudanças climáticas. Embora o gás natural seja frequentemente
enaltecido por produzir emissões de carbono relativamente baixas
comparadas ao petróleo ou ao carvão, o novo mercado global de energia
poderá favorecer a produção de níveis perigosos de aquecimento. A redução da dependência dos EUA do carvão significará somente que o
carvão irá para outros países, aponta o relatório. E o uso de carvão,
agora o combustível mais poluente, continuará aumentando em outros
locais do planeta. A demanda de carvão da China chegará ao pico em 2020,
e permanecerá estável até 2035, prevê o documento, enquanto em 2025 a
Índia ultrapassará os EUA como segunda maior consumidora de carvão.
O relatório adverte que somente um terço das reservas comprovadas de
combustíveis fósseis deveria ser utilizado até 2050, a fim de limitar o
aquecimento global em 2 graus Celsius, como muitos cientistas
recomendam. Mas essa restrição é improvável sem um tratado compulsório
até 2017, que exija que os países limitem o aumento das suas emissões,
concluiu Birol. / (Tradução de Anna Capovilla).
Nenhum comentário:
Postar um comentário