A história da Apple está longe do fim. Trata-se da mais valiosa companhia do mundo, que cria diversos produtos excepcionais e amados por consumidores. Emprega muitos dos designers e engenheiros mais talentosos do planeta. Mas creio que a empresa tenha passado do auge e que sua história nos próximos anos será a de um declínio lento, porém real.
Um preâmbulo: trabalhei na Apple por quatro anos no final da década de 90, como engenheiro de software e gerente de engenharia. Fui contratado durante o desastroso reinado de Gil Amelio como executivo-chefe, um fim desolador para uma década desoladora na companhia. Estava lá quando Steve Jobs voltou para liderar a mais espetacular reviravolta de negócios de nossas vidas. Steve era uma pessoa que eu conhecia bem, e a Apple é uma empresa que conheço ainda melhor. Sou usuário ávido de Mac, ainda que em aparelhos móveis prefira o sistema operacional Android --trabalhei no Google por cinco anos.
O executivo-chefe da Apple, Tim Cook, em evento da empresa em março - (Foto: Paul Sakuma/Associated Press).
Sinais do ocaso
Por que acredito que a Apple tenha passado do auge? Há diversos sinais. O
mais visível e recente foi o fiasco dos mapas. Substituir o Google Maps
em seus tablets e celulares por um produto próprio muito inferior
demonstra o quanto a Apple mudou. O sucesso da Apple sempre esteve em oferecer aos usuários a melhor
experiência possível; de repente, a companhia lhes oferece algo pior
para promover seus interesses empresariais -- no caso, por conta de sua
longa disputa com o Google.
A Apple já cometeu erros. Mesmo sob o comando de Jobs, a companhia
lançou produtos fracassados: em 2000, o Cube não entusiasmou o planeta.
As incursões iniciais da Apple nos serviços em nuvem foram embaraçosas.
Mas todos esses projetos, embora fracassados, representavam esforços
para fornecer serviços e produtos melhores aos usuários. Não foi o caso
dos mapas: a Apple apresentou um produto inferior por considerar que a
briga com o Google em relação ao Android importava mais que a satisfação
dos clientes.
O problema dos mapas é o mais óbvio sinal das recentes mudanças na
Apple, mas existem outros indicadores, mais sutis, de uma desaceleração
na criatividade.
iPad novo, de novo
O iPad 4 foi lançado só seis meses após o iPad 3. O novo modelo não
oferece melhora substancial ante o anterior, mas conseguiu irritar
compradores do iPad 3. Essa atualização insípida não representa o tipo
de lançamento mágico de produto que fez a reputação da Apple.
O pior é que a hipérbole da companhia se afastou demais da realidade.
Steve Jobs era conhecido por seu "campo de distorção da realidade", mas
ele sabia que, quando exagerava, precisava de um produto notável para
provar seus argumentos. Ou seja, o exibicionismo de Steve se justificava
porque iMac, iPod, iPhone e iPad eram excepcionais.
Compare esse passado aos lançamentos das mais recentes revisões do iPad e
do iPhone, acompanhados por um nível de hipérbole espantoso: "Acho que
esse nível de inventividade jamais esteve presente em algo que tenhamos
feito no passado".
Não me entenda mal: o iPhone 5 é provavelmente o melhor smartphone do
mercado no momento. Mas representa só uma melhora gradual ante o iPhone
4S. E o iOS 6, a nova versão do sistema operacional, recebeu críticas
não tão positivas. Mas isso não é algo que você possa depreender diante
dos exageros de Tim Cook e companhia.
O problema com o exagero infundado é que as pessoas percebem, e com o tempo isso desgasta sua confiança.
A Apple atual parece muito menos competente em manter o equilíbrio entre hipérbole e produto.
A mudança nas lojas
Não é só nos produtos que surgem sinais de deterioração na Apple. O que
aconteceu com John Browett, responsável pela divisão de varejo, não deve
ser ignorado. Ele cuidava das lojas da Apple -- peça vital do sucesso da
empresa na última década.
Browett ocupou o posto por apenas sete meses e, segundo a maioria dos
relatos, comandou uma mudança de estratégia significativa, e
injustificada, para adotar como foco o lucro e não a satisfação dos
consumidores -- outro exemplo da opção da Apple por satisfazer suas
necessidades e não a dos clientes.
A Apple tem uma fórmula vitoriosa, mas parece determinada a mudá-la. Não
lança um produto realmente novo desde o iPad, três anos atrás; em vez
disso, só melhorias graduais em sua linha, alardeadas com exagero.
Continua a fabricar produtos excelentes, e para cada fiasco como o dos
mapas há um excelente iPad mini para abrilhantar as perspectivas. Mas as
coisas não parecem meio... estagnadas?
Passos em falso da Apple: erros da empresa ao longo de sua história (clique na imagem para ampliá-la) - (Ilustração: Irapuan Campos/Folhapress).
Hierarquia
Nessa trajetória de declínio da Apple, o mais interessante é o porquê. A
mudança óbvia é a perda de Steve Jobs, no fim de 2011. Desde então,
vimos diversos equívocos que conduziram à recente reorganização que
resultou nas demissões do chefes das divisões de software, Scott
Forstall, e de varejo, John Browett.
A maioria das jovens empresas de tecnologia adota uma filosofia de
trabalho da qual o Google é exemplo: comunicações internas abertas,
decisões tomadas por escalões mais baixos da hierarquia sempre que
possível e muita colaboração entre os membros das equipes.
A Apple é o oposto, uma companhia altamente sigilosa, ao ponto da
paranoia. Tem hierarquia rígida. As decisões vêm de cima e são aplicadas
rigorosamente, com grande interferência e instruções detalhadas. Foi
feita à imagem de Steve Jobs, e para ele era importante o controle sobre
tudo o que acontecesse na Apple.
No Google, os produtos são criados por equipes em larga medida
autônomas, por isso há pouca coesão entre eles. A Apple cria produtos
altamente integrados, projetando tudo, dos processadores ao design. Mas
depende da visão e da criatividade de quem comanda o processo.
A força do chefe
A Apple tinha Steve, gênio que dominava a concepção e o marketing dos
produtos. Ele garantia a qualidade do que a Apple fazia. Usava as
vantagens de uma organização centralizada para obter efeitos
impressionantes. Capturava o talento de funcionários e o direcionava a
concretizar sua visão singular do futuro.
Por meio de uma combinação de inspiração, medo e brilhantismo, Jobs
transformou a Apple na maior empresa de tecnologia de nossa era.
Mas a estrutura organizacional que permitia que ele exercesse seu poder de modo tão efetivo agora se transformou em desvantagem.
Não há quem possa ocupar o lugar de Steve --ainda que alguns, em especial Forstall, tenham tentado. Agora não só Tim Cook demitiu Forstall como o fez por um ambiente mais "colaborativo".
A Apple é o oposto do Google, que é aberto, colaborativo e ligeiramente desorganizado. A empresa funcionava porque era uma ditadura. Mas ditaduras sem seus líderes tendem a se dissolver em disputas internas, intrigas e ineficiência. Esse pode ser o futuro da Apple.
Para onde vai?
A empresa, porém, tem muitos funcionários brilhantes que acreditam na visão de Steve para ela. Tem reservas de caixa quase inimagináveis e gera lucros insanamente elevados. Também produz computadores, tablets e celulares de altíssima qualidade que os consumidores fazem fila para comprar. E já demonstrou que consegue reverter crises do modo mais dramático. Em 1996, estava a dois ou três anos de ser vendida a preço de banana e de se tornar mais uma nota de rodapé de página na história da computação. Mas em 2002 já estava a meio caminho de se tornar a mais dominante empresa do planeta. O que foi feito uma vez pode ser repetido.
Mas a perda de Steve foi devastadora --toda a empresa foi construída em torno dele, e os erros atuais indicam uma organização altamente hierárquica tentando encontrar um caminho sem seu líder.
Em retrospecto, consideraremos que o auge de inovação e liderança da Apple ocorreu no início de 2012. Depois disso, ainda que a empresa continue a desfrutar de grande sucesso, a criar novos e excelentes produtos e a faturar muito dinheiro, o ritmo vai se desacelerar, mais erros acontecerão, e ela não recuperará a eficiência e o brilhantismo da primeira década do milênio.
Não há quem possa ocupar o lugar de Steve --ainda que alguns, em especial Forstall, tenham tentado. Agora não só Tim Cook demitiu Forstall como o fez por um ambiente mais "colaborativo".
A Apple é o oposto do Google, que é aberto, colaborativo e ligeiramente desorganizado. A empresa funcionava porque era uma ditadura. Mas ditaduras sem seus líderes tendem a se dissolver em disputas internas, intrigas e ineficiência. Esse pode ser o futuro da Apple.
Para onde vai?
A empresa, porém, tem muitos funcionários brilhantes que acreditam na visão de Steve para ela. Tem reservas de caixa quase inimagináveis e gera lucros insanamente elevados. Também produz computadores, tablets e celulares de altíssima qualidade que os consumidores fazem fila para comprar. E já demonstrou que consegue reverter crises do modo mais dramático. Em 1996, estava a dois ou três anos de ser vendida a preço de banana e de se tornar mais uma nota de rodapé de página na história da computação. Mas em 2002 já estava a meio caminho de se tornar a mais dominante empresa do planeta. O que foi feito uma vez pode ser repetido.
Mas a perda de Steve foi devastadora --toda a empresa foi construída em torno dele, e os erros atuais indicam uma organização altamente hierárquica tentando encontrar um caminho sem seu líder.
Em retrospecto, consideraremos que o auge de inovação e liderança da Apple ocorreu no início de 2012. Depois disso, ainda que a empresa continue a desfrutar de grande sucesso, a criar novos e excelentes produtos e a faturar muito dinheiro, o ritmo vai se desacelerar, mais erros acontecerão, e ela não recuperará a eficiência e o brilhantismo da primeira década do milênio.
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