segunda-feira, 30 de maio de 2016

O corrompível Congresso brasileiro: um circo que tem até um palhaço, diz o The New York Times

[Traduzo a seguir um longo e contundente artigo de Andrew Jacobs (com a colaboração de Anna Jean Kaiser, de São Paulo, e Paula Moura, de Brasília) sobre o Congresso Nacional publicado no The New York Times . O autor traça um quadro impiedoso, mas infelizmente fiel, do nosso Congresso e de nossos políticos. No link, o título é "o show mais divertido do Brasil pode ser o Congresso". É simplesmente humilhante. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.] 

O Senado brasileiro votou pela suspensão da presidente Dilma Rousseff e iniciou um processo de impeachment contra ela - (Foto: Cadu Gomes/European Pressphoto Agency)

Um dos espetáculos há mais tempo em cartaz no Brasil tem como atração principal uma confusa coleção de personagens, cujo histrionismo aparece em milhões de aparelhos de TV na maior parte das noites.

O sempre mutante grupo de 594 atores inclui suspeitos acusados de assassinato e de tráfico de drogas, ex-jogadores de futebol na terceira idade, um campeão de judô, um astro da música sertaneja e uma coleção de homens barbados que [nesse teatro] atuam como líderes de um movimento feminino.

O grupo de atores inclui até um palhaço conhecido como Tiririca.

Mas, essas pessoas não são atores. São homens e mulheres que servem na legislatura do país.

Democracia pode ser algo mistificador, feito de maneira rude e desregrada em qualquer lugar, mas há pouca coisa igual ao Congresso brasileiro.

No momento em que o país vive sua pior ruptura política em uma geração, os legisladores que orquestram a expulsão da presidente Dilma Rousseff -- que foi suspensa em 12 de maio e enfrenta um processo de impeachment, acusada de manipular o orçamento -- passam por reiterada investigação.

Mais da metade dos membros do Congresso enfrentam desafios legais, desde casos em tribunal de contas relativos a contratos públicos a sérias acusações como sequestro e assassinato de acordo com a Transparência Brasil, um grupo de monitoramento de corrupção.

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A linha de sucessão no Brasil está atolada em escândalos

Primeiro círculo vazio: Gabinete Presidencial -- Linha horizontal até a foto de Dilma: Suspensa por até 180 dias -- Presidente Dilma Rousseff: acusada de usar indevidamente dinheiro de bancos estatais para cobrir déficits orçamentários -- Linha vertical: Cadeia de sucessão presidencial -- Vice-presidente Michel Temer: teve que pagar, na semana passada [em relação à data do artigo], uma multa por violar os limites financeiros da campanha eleitoral. Embora esteja se tornando presidente interino, pela legislação eleitoral pode tornar-se inelegível para cargos eleitorais por oito anos. -- Segundo círculo vazio: Presidente da Câmara dos Deputados: Presidente da Câmara: Eduardo Cunha (forçado a sair do cargo): foi acusado de receber tanto quanto US$ 40 milhões em propinas para ele próprio e para seus aliados, e tem sido o principal orquestrador do impedimento da presidente. Na semana passada, teve que se afastar do cargo temporariamente. -- Presidente interino da Câmara dos Deputados: Waldir Maranhão: tornou-se presidente interino da Câmara na semana passada e é um dos principais políticos de receber propinas no esquema de corrupção que envolve a petrolífera nacional, Petrobras. Na segunda-feira, anunciou que anularia a decisão da Câmara de impedir a presidente mas mudou de opinião menos de 24h depois. -- Presidente do Senado: Renan Calheiros: sob investigação por acusações de recebimento de propinas no escândalo da Petrobras, foi acusado de evasão fiscal e de permitir que um lobista pagasse a pensão para um filho que teve em um caso extraconjugal.

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As figuras sob investigação incluem o presidente do Senado e o novo presidente da Câmara dos Deputados. Exato neste mês, o ex-presidente da Câmara, um comentarista de rádio cristão evangélico que gosta muito de postar versos bíblicos no Twitter, foi afastado para enfrentar julgamento sob acusações de que ocultou propinas de US$ 40 milhões em bancos suíços.

Muitos dos problemas da legislatura se originam das generosas recompensas encontradas no multidividido e multiproblemático sistema partidário brasileiro, um complicado conjunto de dezenas de organizações políticas cujos nomes e programas frequentemente deixam os brasileiros coçando a cabeça.

Há o Partido da Mulher Brasileira, por exemplo -- um grupo cujos membros eleitos no Congresso são todos homens. [O autor aqui está desinformado. Em novembro de 2015, o partido recebeu seus seus primeiros filiados com mandato o Congresso, realmente todos homens, mas em dezembro do mesmo entre 22 deputados havia apenas duas mulheres. Em janeiro de 2016 a bancada ficou com apenas um deputado, um homem, e nenhum senador.]

"O processo eleitoral permite muitas distorções", diz Suêd Haidar, fundadora e presidente do partido. Ela deus um supiro, reconhecendo que muitos dos homens que se juntam ao partido têm pouco interesse em promover os direitos das mulheres.

Um dos que se filiaram ao partido, o senador Hélio José da Silva Lima, foi acusado no ano passado de abusar sexualmente de uma sobrinha, embora a acusação fosse posteriormente retirada. "O que seria de nós homens, se não houvesse mulheres ao nosso lado para trazer-nos alegria e prazer?", ele foi dito afirmar na mídia de notícias quando perguntado sobre sua decisão de filiar-se ao partido das mulheres.

A mesma fúria popular com a corrupção endêmica e com o desgoverno, que ajudou a alijar Dilma Rousseff do poder, há tempo é direcionada à cabala de políticos, a maioria dos quais homens brancos, cujo pendor por acordos de bastidores e enriquecimento próprio tornou-se parte da tradição brasileira.

"A reputação da classe política brasileira realmente não pode estar mais baixa", disse Timothy J. Power, um professor de estudos brasileiros na Universidade de Oxford.

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Impeachment no Brasil: o processo para remover a presidente

Dilma Rousseff, presidente do Brasil, está enfrentando um afastamento do cargo. Veja aqui uma explicação passo a passo dos procedimentos para isso.

Dilma Rousseff, presidente do Brasil, prometeu "apelar com todos os meios legais disponíveis" contra o esforço para impedí-la - (Foto: Tomas Munita/The New York Times)

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"As pessoas comparam o Congresso brasileiro a "House of Cards" ["Castelo de cartas"]", disse ele, referindo-se ao drama político da Netflix. "Mas eu discordo. Na realidade, "House of Cards" é mais crível".

Com 28 partidos presentes, o Congresso brasileiro é o mais fragmentado do mundo, de acordo com Power. O segundo colocado, o parlamento da Indonésia, tem um terço menos de partidos.

"O Brasil não é uma excentricidade, é uma monstruosidade", disse Gregory Michener, o diretor do programa de transparência pública da Fundação Getúlio Vargas, uma universidade do Rio.

Os partidos tendem a usar palavras como "Democrático", "Cristão" e "Republicano" em seus nomes, embora "Trabalho" supere todas elas. Entre eles estão o Partido Trabalhista do Brasil, o Partido Trabalhista Cristão, o Partido Trabalhista Nacional. Devido à diversidade, há também o Partido da Causa Operária e o partido de Dilma Rousseff, que foi uma vez dominante, o Partido dos Trabalhadores.

"O sistema todo é um monstro", disse Juremir Machado da Silva, um colunista do Correio do Povo, um jornal da cidade de Porto Alegre, no sul do país.

Pesquisas têm mostrado que mais de 70% dos brasileiros não conseguem lembrar-se dos partidos a que pertencem os candidatos em quem votaram, e que dois terços do eleitorado não têm preferência por nenhum partido.

O mais importante, dizem os especialistas, é que a maioria dos partidos não possui ideologia ou programa, e são simplesmente veículos para clientelismo e suborno. Num mandato típico de quatro anos, um em três legisladores federais mudará de partido, alguns mais de uma vez, segundo um cálculo por Marcus André Melo, um cientista político na Universidade Federal de Pernambuco.

Um membro da câmara baixa do Brasil, um ex-palhaço conhecido como Deputado Tiririca, foi cumprimentado no mês passado após votar pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff - (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

Legisladores brasileiros estão entre os de maior remuneração no mundo, na opinião de acadêmicos, com generosos estipêndios que vão além de seus salários. Recebem também moradia de graça, plano de saúde e grandes equipes e desfrutam de imunidade especial contra processos legais. Somente a superatarefada Suprema Corte pode acioná-los por denúncias criminais, um processo que pode levar anos.

"A única coisa melhor que ser um partido político no Brasil é ser uma igreja", disse Heni Ozi Cukier, um cientista político na universidade ESPM em São Paulo. "São oportunistas que buscam por algo que lhes dê poder, influência e proteção".

Para formar um partido são necessárias 500.000 assinaturas. Cukier disse que 62 partidos buscavam reconhecimento legal, incluindo um com o nome de um time de futebol.

Embora o presidente lidere um dos maiores países do mundo, ele ou ela precisa forjar coalizões com até uma dezena [ou mais] de partidos para conseguir que leis de seu interesse sejam aprovadas pelo Congresso. O preço da lealdade é frequentemente um ministério ou três, dependendo de quantos votos o partido pode liberar.

Em alguns casos, a cooperação envolve a troca ilícita de dinheiro vivo. Em 2005, um escândalo conhecido como mensalão revelou a difusão de tais arranjos. Para ganhar votos no Congresso, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mentor de Dilma Rousseff e líder do Partido dos Trabalhadores, vinha pagando a legisladores submissos um estipêndio de US$ 12 mil por mês.

O escândalo de corrupção mais recente -- conhecido como Operação Lava-Jato -- mostrou-se ainda maior, com bilhões de dólares em subornos direcionados a partidos políticos a partir da companhia petrolífera nacional Petrobras. Mais de 200 pessoas, desde magnatas empresariais a líderes partidários, têm sido implicadas no escândalo e espera-se que seu número aumente.

A fúria popular contra esse esquema desempenhou um papel crucial no afastamento da presidente Dilma Rousseff, que presidia a Petrobras [outra desinformação do autor -- ela presidiu o Conselho de Administração da empresa] quando o arranjo de propinas foi gerado, embora ela não tenha sido acusada de nenhum malfeito. Em seu processo de impeachment, ela é acusada de manobras orçamentárias enganadoras para esconder os problemas econômicos do país e ganhar a reeleição em 2014 -- não foi acusada de roubar para se enriquecer.

Dilma Rousseff numa reunião com a imprensa no dia seguinte ao seu afastamento do cargo de presidente - (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

A necessidade de formar alianças de conveniência no Congresso pode levar a um caos legislativo, especialmente quando parceiros descontentes desertam da coalizão do(a) presidente. Dilma Rousseff, que chegou a ter uma grande maioria na Câmara, acabou posta de lado pelo agora deposto presidente da Câmara, Eduardo Cunha, um ex-aliado que hoje enfrenta um processo de corrupção.

O partido de Cunha, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), tornou-se uma fonte particular de ultraje no Brasil. Críticos dizem que o partido, criado há cinco décadas como um partido da oposição mas tolerado pela ditadura militar do país, tornou-se um vasto distribuidor de cargos para seus membros, que abraçam um amplo espectro de ideologias.

O poder do partido está em seu tamanho, o que faz com que presidentes tenham que ter com ele uma parceria que envolve a cessão de cobiçados cargos no gabinete de governo. Dilma Rousseff escolheu Michel Temer, do PMDB, para ser seu vice-presidente. Este ano, ele se voltou contra ela e retirou seu partido da sua coalizão, abrindo o caminho para o processo de impedimento da presidente. Temer, que foi condenado por violar os limites financeiros da campanha, é agora o presidente do país.

Uma reforma política pode ser desafiadora, já que sua aprovação implica para os legisladores desfazer o sistema que os protege. Têm ocorrido algumas mudanças, incluindo uma lei recente que impede que candidatos com registros criminais disputem cargos eletivos por oito anos, e uma lei sobre financiamento de campanhas, a entrar em efeito este ano, que limita a influência de dinheiro de empresas na campanha eleitoral.

A aglomeração de partidos no Brasil tende a favorecer os candidatos que são celebridades, cujos nomes conhecidos ajudam a catapultá-los para o topo da lista de candidatos durante as eleições. O exemplo mais curioso é o de Tiririca, o Palhaço. [Aflora aqui a proverbial grosseria e o clássico desrespeito americanos ao lidar com os países ao sul do Rio Grande.]

Em 2010, ele se candidatou à Câmara dos Deputados usando como brincadeira o slogan "Pior do que está não fica", e os panfletos de sua campanha incluíam o slogan: "O que é que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim que te conto". 

Ele ganhou com mais de 1,3 milhão de votos -- quase o dobro do candidato seguinte.

Em uma entrevista, Tiririca -- cujo verdadeiro nome é Francisco Everardo Oliveira Silva, embora Deputado Tiririca é como aparece no site da Câmara -- disse que frequentemente esteve desapontado com a desordem no Congresso.

"No início era uma piada", disse ele de sua candidatura. "Depois decidi que se tantas pessoas acreditaram em mim, teria que dar-lhes do meu melhor, e é isto que estou fazendo".



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