sábado, 25 de julho de 2015

Decisão trabalhista na Califórnia transforma-se em pesadelo para o aplicativo Uber de transporte de passageiros

[Entre os diversos aplicativos para táxis existentes no mercado, o Uber destaca-se aqui e em outros países. No Brasil, o Uber tem sido alvo de protestos e de demandas judiciais de taxistas autônomos e cooperativas de táxis para proibição de seu uso no país. No mês de maio passado, a Justiça de São Paulo derrubou liminar que determinava a suspensão das atividades do aplicativo Uber no Brasil sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Da decisão cabe recurso. Dessa forma, o serviço volta a ser regular. Nos EUA, uma decisão trabalhista ameaça criar um tremendo problema para o Uber, com possíveis repercussões em outros países. Traduzo a seguir reportagem de Alison Grisworld publicada no site Slate sobre isso. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

No que pode ser uma decisão explosiva, a Comissão de Trabalho da Califórnia concluiu que um motorista de táxi em São Francisco é um empregado dessa empresa. Isso decorre de uma decisão da corte estadual proferida em 16 de junho de 2015, relatada em primeira mão pela agência de notícias Reuters. Isso é bastante prejudicial para o Uber. "O réu se apresenta como nada mais que uma plataforma tecnológica neutra, desenhada simplesmente para possibilitar que taxistas e passageiros pratiquem o negócio de transporte", escreve a comissão. "A realidade, entretanto, é que o réu está envolvido em cada aspecto da operação". 

À taxista, Barbara Berwick, foram concedidos cerca de US$ 4.000 por despesas não pagas, mais juros. O Uber está apelando da sentença. Sua porta-voz, Kristin Carvell, enfatizou em um comunicado que a decisão da comissão de trabalho é "não vinculante", e se aplica apenas a um motorista.

A ameaça de que os taxistas filiados ao Uber sejam considerados empregados aos olhos da lei pairou por enquanto sobre a empresa de chamada de táxis -- e essa ameaça é considerável. O vasto negócio do Uber e sua avaliação multibilionária dependem fundamentalmente da presunção de que  os taxistas são contratantes independentes, e não empregados. Quando os motoristas são considerados como contratantes, eles arcam com o grosso dos custos operacionais do Uber. Os motoristas conveniados com ele pagam do próprio bolso por tudo, desde a gasolina ao seguro, da limpeza à manutenção rotineira dos carros. Isso se acumula rapidamente. 

Enquanto o Uber tem se gabado de que taxistas em certos mercados, como a cidade de Nova Iorque, podem ganhar tanto como US$ 90 mil usando sua plataforma, essa cifra torna-se muito menor depois que as despesas dos motoristas são incluídas no mix.

Igualmente importante é o fato de que taxistas que são contratantes e não empregados não têm acesso a benefícios e outras proteções laborais tradicionalmente concedidos a empregados. Para o Uber e todos seus pares na chamada "economia 1099" [o número refere-se ao formulário da Receita Federal americana para esse tipo de contribuinte], esse é outro item chave para ajudar a manter baixos os custos, as corridas [de táxi] baratas, e viabilizar estreitas margens de lucro.

Determinar se se trabalhadores devem ser classificados como contratantes ou empregados raramente é tarefa simples. Uber cita a capacidade de seus motoristas de estabelecer suas próprias agendas como uma evidência de que operam de maneira independente, e não devem ser considerados como empregados tradicionais. Os motoristas, por outro lado, argumentam que o Uber estabelece normas rígidas quanto à quantidade de corridas eles necessitam aceitar enquanto estão no tráfego, e como devem interagir com passageiros -- e se reserva o direito de desativar suas contas (basicamente, o equivalente a uma demissão) se não seguirem suas regras. 

Na Califórnia, onde o tema se os motoristas conveniados ao Uber e ao seu principal concorrente Lyft são empregados foi encaminhado para julgamento, juízes distritais americanos em dois julgamentos separados declinaram de tomar uma decisão definitiva.  "O teste/exame que as cortes da Califórnia desenvolveram ao longo do século XX para classificar trabalhadores não é muito útil na abordagem desse problema do século XXI", escreveu um dos juízes. 

Assim, até agora, a grande e assustadora questão -- que pode dizimar Uber, Lyft, e todas as empresas 1099 como elas -- permaneceu basicamente hipotética. Eis a razão porque é tão importante que a Comissão de Trabalho da Califórnia tenha finalmente decidido dizer "Sim, essa motorista do Uber é um empregado e ela é credora de US$ 4 mil de despesas". Imaginem se, de repente, o Uber tiver que pagar US$ 4 mil a todos os seus motoristas na Califórnia, ou ainda em todo o país. Até mesmo seu fundo de financiamento de US$ 5,9 bilhões balançaria com essa hipótese. É inegável que a ideia de que os taxistas do Uber se tornem empregados seria um enorme golpe no modelo de negócio da empresa. O que ainda não sabemos é quão enorme será esse golpe.

[As reações de taxistas ao Uber no Brasil estão crescendo, e tornando-se mais violentas. "Não temos como conter a categoria", "vai ter morte". As declarações são do presidente do Simtetaxis (Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores nas Empresas de Táxi de SP) em audiência na Câmara dos Deputados para discutir a regulamentação no Brasil do aplicativo Uber, que disponibiliza corridas pagas com motoristas particulares.

Veja como funciona o Uber:


Ilustração: Editoria de Arte/Folhapress

Informação mais recente da Folha de S.Paulo diz que o Uber está presente em 57 países (e não 55 como afirmado na ilustração acima), e está avaliado em US$ 40 bilhões (cerca de R$ 132 bilhões).

O Uber lançou em São Paulo no último dia 12 o Uber X, modalidade do serviço que possui tarifas menores e carros de nível intermediário, como Chevrolet Zafira e Honda Fit, com até cinco anos de fabricação. A tarifa é de R$ 3 pela chamada, mais R$ 1,43 por quilômetro rodado e R$ 0,35 por minuto. Nos táxis, a bandeirada é de R$ 4,50 e cada quilômetro sai por R$ 2,75.

A Prefeitura de São Paulo vai cobrar o ISS (Imposto sobre Serviços) do aplicativo Uber, que disponibiliza corridas pagas com motoristas particulares. "Determinei à Secretaria de Finanças para que, independentemente do fato de o serviço não ser regulamentado, cobre os impostos devidos. Eles [Uber] serão enquadrados no imposto sobre serviços. O imposto será cobrado", afirmou o prefeito Fernando Haddad (PT).

A Uber está no centro de uma polêmica com taxistas, que consideram o serviço ilegal e temem perder passageiros. A avaliação da prefeitura é de que a cobrança do ISS pode tornar o serviço do aplicativo mais caro e aumentar a tarifa cobrada aos passageiros, o que beneficiaria os taxistas.

Em nota, o Uber afirmou que ainda não foi notificada pela prefeitura. "Estamos em dia com todos os impostos municipais e forneceremos toda e qualquer informação e documentos que as autoridades requisitarem", informou. A empresa, no entanto, afirmou que não revelaria quais impostos paga ao município.

No Rio, houve recentemente uma carreata de táxis em protesto contra o Uber

A revista Veja publicou uma resposta do Uber do Brasil às acusações de taxistas. No dia 18/6, o taxista Edmilson Americano, presidente da Associação Brasileira de Motoristas de Táxi - ABRACOMTAXI havia refutado os argumentos do Uber.

A meu ver, o Uber é inegavelmente um transporte diferenciado (para melhor) de passageiros via carros também diferenciados em relação aos táxis existentes, e como tal precisa ser regulamentado -- mas jamais eliminado. O cidadão tem que ter mantido o seu direito de escolha. A eliminação pura e simples do Uber, ou de qualquer outro aplicativo semelhante, é ceder a uma corporação -- a dos táxis e taxistas -- que geralmente não prima por um atendimento decente e, frequentemente, nos coloca em carros desconfortáveis e mal conservados, com motoristas muitas vezes broncos e mal-educados. 

Outro exemplo de corporativismo das empresas de táxis verifica-se em Nova Iorque, uma cidade de cerca de 8,5 milhões de habitantes com apenas 13.437 táxis (com cerca de 6,5 milhões de pessoas, o Rio contava com 33.974 táxis em 21/5/2015)! É evidente que as empresas de táxis novaiorquinas mantêm a cidade refém de seus serviços e não querem a presença do Uber -- para isso, contam com a colaboração do prefeito da cidade, que ajudaram fortemente a se eleger. No Rio, a Prefeitura está cedendo ao corporativismo dos táxis -- o secretário municipal e transportes Rafael Picciani (este sobrenome é um complicador danado) anunciou que serão afrouxadas as exigências feitas a taxistas, para ajudá-los a "enfrentar" o Uber. Nessa esparrela, quem se ferra é o cidadão que quer se deslocar com dignidade, agilidade e conforto e quer ter o direito de escolher seu meio de locomoção.  

Para dar vez ao direito do contraditório, sugiro que vejam também:





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