Uma figura feminina cicládica de mármore em exposição no Museu Arqueológico Nacional da Grécia em 6 de junho após seu retorno ao país, depois de ter ficado cerca de 40 anos na Alemanha - (Foto: Reuters/Fonte: Spiegel Online International).
Com uma nova lei rígida, o governo alemão quer ajudar a interromper as escavações e o comércio ilícitos de objetos arqueológicos. Espera-se que essa iniciativa venha exercer pressão sobre alguns dos museus mais famosos do país, que contêm numerosas peças de origem desconhecida.
Hermann Pazinger gosta de contar a história de como, 15 anos atrás, se viu olhando fixamente o cano de um Kalashnikov [o famoso fuzil AK-47, de fabricação russa] no norte do Paquistão. O arqueólogo havia surpreendido um grupo de pessoas tentando assaltar um templo budista. Parzinger e seus colegas bateram em retirada às pressas.
Pouco tempo depois, em julho de 2001, ele e uma equipe de exploradores da Rússia e da Alemanha descobriram um grande esconderijo secreto de tesouros de ouro dos citienses, um povo nômade equestre que viveu há cerca de 2.700 anos atrás nas estepes da Ásia Central, na república russa de Tyva. Após essa descoberta sensacional, os arqueólogos tiveram que ficar sob proteção armada 24h por dia.
Não há muitos funcionários da área cultural na Alemanha capazes de contar tais histórias. O presidente da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano é um lutador de artes marciais de faixa preta grau 2, que já foi campeão de seu grupo em várias competições de judô em Berlim. Mas, por trás da musculatura, basta uma pergunta simples para incomodar e irritar o cidadão de 55 anos especialista em pré-história.
Basta perguntar-lhe quando os museus de renome mundial que sua organização opera -- os museus estatais, que incluem os museus da Ilha dos Museus, de Berlim, listados pela Unesco -- pararam de comprar objetos de arte do exterior no comércio de obras de arte.
Parzinger hesita. Ele tem sido o chefe de uma das instituições culturais mais importantes do mundo por tempo suficiente para perceber que estará andando nas pontas dos pés em um campo politicamente minado, qualquer que seja a resposta que dê.
Mudança "urgentemente necessária"
Na semana de 10 de dezembro, Parzinger foi coanfitrião de uma importante conferência internacional em Berlim que teve como tema escavações ilegais e o comércio ilícito de propriedade cultural [quem quiser acessar o programa da conferência, clique aqui]. A expectativa era de que a conferência de dois dias preparasse o caminho para um endurecimento das leis existentes para proteção de objetos culturais. O próprio governo alemão tem sido fortemente crítico de sua legislação mais recente sobre o assunto, promulgada em 2007. Em um relatório enviado ao Parlamento, o governo afirmou recentemente que emendas se fazem "urgentemente necessárias". [O artigo foi escrito antes da conferência, sem que portanto suas conclusões e recomendações estivessem disponíveis. Nas pesquisas que fiz em sites em inglês e alemão tampouco encontrei tais conclusões e recomendações. Durante a conferência, a ministra da Cultura da Alemanha, Monika Grütters, disse que crises e conflitos frequentemente levam à devastação de museus e de sítios arqueológicos e ao comércio de objetos roubados. Ela comentou que isso "destrói o patrimônio cultural de toda a humanidade". A ministra acrescentou que a Alemanha planeja endurecer a regulamentação do comércio de objetos de arte e antiguidades. Quem traz antiguidades importadas para a Alemanha deve ter à mão uma permissão de exportação válida. Limites legais claros determinarão as informações sobre a origem de um objeto. Instituições culturais e museus em toda a Alemanha serão solicitados também a examinar cuidadosamente suas coleções para a identificação de objetos de origem dúbia.]
No relatório, o governo escreve que embora desde então tenha se tornado "prática comum para museus não adquirir objetos culturais de origem indeterminada", o fato é que "tesouros culturais ilegalmente escavados ou ilicitamente exportados são ainda comprados e vendidos". Como muitos outros arqueólogos, Pazinger está solicitando que as restrições legais sejam ampliadas drasticamente, para frear o comércio ilegal de antiguidades.
Pazinger pergunta à sua assessora jurídica: "Temos compras feitas no comércio de arte"? "Sim", disse a advogada. A Antikensammlung (ou Coleção de Antiguidades Clássicas) da cidade adquiriu 21 vasos apulianos [de Apúlia -- hoje Puglia -- região do sudeste da Itália] nos meados de 1980. Anos depois, investigadores tanto alemães como italianos examinaram esse caso. Membros da polícia federal italiana, os Carabinieri, passaram vários dias na capital alemã fazendo a auditoria de registros e arquivos e inquirindo, como testemunha, o diretor da coleção. Ao final, não encontraram evidências de escavações ou exportações ilegais procedentes da Itália.
A assessora legal dos museus estatais diz que os museus não compraram nada mais. Mas, Pazinger parece alarmado e ordena que os museus arqueológicos que supervisiona façam revisões internas e lhe reportem os resultados encontrados.
Na quinta-feira anterior, ele fez uma abordagem adicional com a Spiegel e disse aos repórteres que os museus haviam continuado a comprar objetos até há poucos anos. Presentes ou doações foram também aceitos em casos em que sua origem não estava sempre clara. Não era muita coisa, e não havia nada espetacular -- vasos antigos, escritas cuneiformes, selos cilíndricos da Mesopotâmia, mas nada problemático.
Museus de Berlim orientados a checar as origens de suas coleções
Os museus foram agora orientados a efetuar uma revisão das origens de todos os objetos arqueológicos adicionados aos seus acervos desde 1970. Foi indicado um representante de cada museu para conduzir essa tarefa. Pazinger promete também: "Estaremos sempre preparados a devolver coisas se ficar provado que são de origem ilegal".
A pilhagem do Museu Nacional do Iraque após a invasão americana em 2003 [ver postagem anterior] e as fotos de sítios culturais destruídos em países destroçados por guerras civis no Oriente Médio e na África provocaram debates sobre a proteção desses tesouros pelo Ocidente, incluindo a Alemanha. Aquisições de natureza dúbia têm sido feitas durante anos por museus ocidentais, mas a prática é agora amplamente considerada como imoral.
O senso comum hoje é que o comércio e as escavações ilegais de objetos arqueológicos estão destruindo nosso patrimônio cultural no mundo. E o que está ocorrendo diante dos olhos do mundo no Iraque e na Síria é simplesmente um desastre. Entretanto, há poucos dados confiáveis disponíveis sobre os objetivos e atividades desse comércio ilegal.
Falhas na inteligência
Em um "Estudo de Ameaças de Inteligência" interno, distribuído em julho, o FBI em Washington listou 12 áreas no comércio ilícito de antiguidades para as quais há "falhas de inteligência". Elas incluem:
● Qual é o valor global das antiguidades ilícitas comercializadas nos EUA?
● Onde estão as maiores redes globais nesse comércio?
● Quantos e quais comerciantes de arte baseados nos EUA estão negociando bens roubados ou pilhados?
● Em que extensão há funcionários do governo americano ou de governos estrangeiros envolvidos no comércio ilegal?
● As redes especializadas no comércio de antiguidades ilícitas estão envolvidas também em outras atividades criminosas?
● Como são os procedimentos do comércio ilegal nos EUA depois transferidos de volta às redes nos países de origem?
● Quem são os portadores/transportadores mais atuantes e de que países eles vêm? Estão eles envolvidos também no tráfico de drogas, tráfico humano ou qualquer outro contrabando?
O relatório do FBI afirma que as autoridades americanas já devolveram mais de 7.000 objetos arqueológicos a 26 países diferentes desde 2008. Mas isso é provavelmente apenas uma fração dos objetos ilegais atualmente mantidos nos EUA, diz o documento.
Não há números precisos disponíveis sobre o volume global do comércio ilegal, e os que existem divergem amplamente entre si. O relatório do FBI afirma que há estimativas de que esse comércio valha US$ 2 bilhões por ano, mas outras estimativas dizem que as cifras reais se aproximam mais daquelas do tráfico de drogas ou de armas.
Atualmente, a pior pilhagem ocorre na Síria e no Iraque [ver reportagem sobre isso do NYT traduzida na Folha de S. Paulo]. O Departamento de Estado dos EUA publicou recentemente fotos de satélite de alta resolução de vários locais de escavação na Síria, que dão uma indicação dos objetivos da devastação que lá ocorre. Dentro de dois anos, os buracos de escavação no sítio do período clássico Dura Europos [antiga cidade de origem greco-macedônica, fundada no ano 300 a.C.] terão transformado o local em terra arrasada.
Três semanas antes, um grupo de especialistas se reuniu em Paris a convite do Conselho Internacional de Museus para trocar informações sobre o que está acontecendo na região. Mas, os especialistas tiveram dificuldade em prover informações confiáveis nessa reunião secreta. "A região é um buraco negro" em termos de conhecimento nesse sentido, disse um participante.
Ainda assim, é óbvio que um grande saque está ocorrendo na Síria e no norte do Iraque. Sabe-se também que autoridades libanesas e turcas interceptaram muitos objetos na fronteira nos últimos meses. Tem sido divulgado que autoridades turcas encheram vários depósitos com antiguidades apreendidas. Vários objetos foram descobertos também em mercados na Turquia e no Líbano.
Mas, a parte do leão dos objetos roubados está simplesmente desaparecendo. Comerciantes de arte alegam que não têm recebido muitas ofertas através de mercadorias do Oriente Médio no momento, e as autoridades também não têm tido registro de qualquer fluxo de entrada de antiguidades. Então, o que está acontecendo com os objetos roubados?
É plausível que tais objetos serão mantidos armazenados, longe dos olhos do público pelos próximos 10 ou 15 anos, e começarão lentamente a aparecer nos mercados internacionais de arte com documentação forjada tão logo cesse o presente debate sobre bens ilícitos. Outra possibilidade é que colecionadores abastados na região árabe ou no oriente remoto estejam expandindo suas coleções.
Os especialistas têm certeza de uma coisa: os objetos reaparecerão em algum momento no futuro -- como sempre ocorreu no passado.
Origem duvidosa em coleções internacionais de destaque
Em 2000, os arqueólogos britânicos Christopher Chippindale e David Gill lideraram o único estudo abrangente de seu gênero jamais feito quando efetuaram uma revisão sistemática da alegada origem dos acervos listados em catálogos de sete importantes coleções internacionais de antiguidades.
O que encontraram foi chocante. Dos 1.396 objetos examinados, 75% não tinham documento de origem. Mais de 500 das antiguidades não possuíam nenhum tipo de histórico, o que significava que supostamente haviam aparecido pela primeira vez naquelas exibições públicas -- uma indicação clara de que resultavam de escavações ilegais.
Chippindale e Gill se esforçaram também bastante para checar se os detalhes de proveniência fornecidos eram os mesmos apresentados para os mesmos objetos em exposições anteriores. Aqui também os resultados foram críticos. Frequentemente, objetos cujo local de descoberta havia sido dado como "desconhecido" em exposições anteriores tinham, repentinamente, sido relacionados a uma origem concreta -- outra indicação de que sua proveniência era provavelmente forjada.
Desde a divulgação do surpreendente estudo, os arqueólogos falam da "lei de Chippindale". "Não importa quão ruim tenha sido sua abordagem da situação, a realidade é sempre pior", diz um especialista.
Transacionando rápido e fácil com o patrimônio mundial
Muitos comerciantes de arte alegam conhecer bem de onde vêm seus objetos, faltam-lhes apenas os papéis certos relativos a eles. "Você ainda tem o recibo de cada peça de mobília que seus pais lhe deram?", pergunta Vincent Geerling, presidente da Associação Internacional de Comerciantes de Arte Antiga (IADAA, na sigla inglesa). O holandês tem seu próprio negócio em Amsterdam e é também um colecionador privado. Não, responde ele com uma franqueza que desarma, ele possui apenas um objeto em relação ao qual pode dizer precisamente onde foi escavado. Mas diz que não conhece o histórico de propriedade de suas antiguidades.
O que parece estar claro é que há poucos objetos "limpos" sendo comercializados, o que se refere aos objetos para os quais tanto o lugar de sua descoberta quanto seu proprietário anterior são desconhecidos. Há também objetos "sujos", que se sabe terem sido roubados de uma coleção ou de um museu. Mas, a maioria dos objetos é "cinza" porque há incertezas sobre sua proveniência. "Comerciantes de arte gostam de dizer que cinza é limpo, porque não é sujo", explica o arqueólogo Luca Giulani, reitor do interdisciplinar Instituto para Estudos Avançados de Berlim. "E nós arqueólogos dizemos que cinza é na realidade sujo, porque não está claro que seja limpo".
Em 1970, a Unesco aprovou uma convenção contra o comércio ilegal de bens culturais, mas a Alemanha levou 37 anos para ratificar o tratado e implementar sua lei nacional. Pressão externa tampouco fez diferença. Os obstáculos e dificuldades na lei são de tal monta, que nem um único objeto sequer foi devolvido ao seu devido proprietário em consequência da regulamentação.
Conscientização crescente
Autoridades do governo [alemão] querem agora mudar essa situação. Monika Grütters, a principal autoridade da área cultural no governo Angela Merkel, está no momento preparando uma nova lei que poderá entrar em vigor no início de 2016, se aprovada em tempo hábil. A lei determina que os únicos objetos que podem ser comprados e vendidos são aqueles cujo país de origem esteja já definido. Serão igualmente facilitadas as regras para devolução de bens culturais sob disputa.
A nova lei tem potencial para criar para criar uma pressão considerável sobre Parzinger e muitos de seus colegas. A Alemanha pode ter ratificado o tratado da Unesco apenas em 2007, mas 1970 é considerado pela comunidade internacional como a data de referência a ser considerada.
Quem comprou objetos desde essa época sem realmente conhecer sua origem não terá infringido a lei pelas novas regras, mas terá nas mãos um problema de ordem moral. Uma das coleções arqueológicas mais famosas do mundo, os objetos do Museu Britânico do Oriente Próximo, em decorrência disso parou, no final dos anos 1960, de adquirir obras e bens cuja origem fosse incerta.
Lentamente, começa a crescer uma conscientização do problema na Alemanha. Em anos recentes, a administração de muitas coleções públicas tem sido assumida por uma nova geração de administradores de museus. Eles enfrentam agora a tarefa de reexaminar as heranças controvertidas acumuladas por seus antecessores, que continuaram a comprar objetos no mercado de arte até há poucos anos atrás.
Hermann Parzinger, presidente da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano de Berlim, diz: "Estaremos sempre preparados a devolver o que ficar comprovado que é de origem ilegal" -- (Foto: DPA/Fonte: Spiegel Online International)
Não há muitos funcionários da área cultural na Alemanha capazes de contar tais histórias. O presidente da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano é um lutador de artes marciais de faixa preta grau 2, que já foi campeão de seu grupo em várias competições de judô em Berlim. Mas, por trás da musculatura, basta uma pergunta simples para incomodar e irritar o cidadão de 55 anos especialista em pré-história.
Basta perguntar-lhe quando os museus de renome mundial que sua organização opera -- os museus estatais, que incluem os museus da Ilha dos Museus, de Berlim, listados pela Unesco -- pararam de comprar objetos de arte do exterior no comércio de obras de arte.
Parzinger hesita. Ele tem sido o chefe de uma das instituições culturais mais importantes do mundo por tempo suficiente para perceber que estará andando nas pontas dos pés em um campo politicamente minado, qualquer que seja a resposta que dê.
Mudança "urgentemente necessária"
Na semana de 10 de dezembro, Parzinger foi coanfitrião de uma importante conferência internacional em Berlim que teve como tema escavações ilegais e o comércio ilícito de propriedade cultural [quem quiser acessar o programa da conferência, clique aqui]. A expectativa era de que a conferência de dois dias preparasse o caminho para um endurecimento das leis existentes para proteção de objetos culturais. O próprio governo alemão tem sido fortemente crítico de sua legislação mais recente sobre o assunto, promulgada em 2007. Em um relatório enviado ao Parlamento, o governo afirmou recentemente que emendas se fazem "urgentemente necessárias". [O artigo foi escrito antes da conferência, sem que portanto suas conclusões e recomendações estivessem disponíveis. Nas pesquisas que fiz em sites em inglês e alemão tampouco encontrei tais conclusões e recomendações. Durante a conferência, a ministra da Cultura da Alemanha, Monika Grütters, disse que crises e conflitos frequentemente levam à devastação de museus e de sítios arqueológicos e ao comércio de objetos roubados. Ela comentou que isso "destrói o patrimônio cultural de toda a humanidade". A ministra acrescentou que a Alemanha planeja endurecer a regulamentação do comércio de objetos de arte e antiguidades. Quem traz antiguidades importadas para a Alemanha deve ter à mão uma permissão de exportação válida. Limites legais claros determinarão as informações sobre a origem de um objeto. Instituições culturais e museus em toda a Alemanha serão solicitados também a examinar cuidadosamente suas coleções para a identificação de objetos de origem dúbia.]
No relatório, o governo escreve que embora desde então tenha se tornado "prática comum para museus não adquirir objetos culturais de origem indeterminada", o fato é que "tesouros culturais ilegalmente escavados ou ilicitamente exportados são ainda comprados e vendidos". Como muitos outros arqueólogos, Pazinger está solicitando que as restrições legais sejam ampliadas drasticamente, para frear o comércio ilegal de antiguidades.
Pazinger pergunta à sua assessora jurídica: "Temos compras feitas no comércio de arte"? "Sim", disse a advogada. A Antikensammlung (ou Coleção de Antiguidades Clássicas) da cidade adquiriu 21 vasos apulianos [de Apúlia -- hoje Puglia -- região do sudeste da Itália] nos meados de 1980. Anos depois, investigadores tanto alemães como italianos examinaram esse caso. Membros da polícia federal italiana, os Carabinieri, passaram vários dias na capital alemã fazendo a auditoria de registros e arquivos e inquirindo, como testemunha, o diretor da coleção. Ao final, não encontraram evidências de escavações ou exportações ilegais procedentes da Itália.
A assessora legal dos museus estatais diz que os museus não compraram nada mais. Mas, Pazinger parece alarmado e ordena que os museus arqueológicos que supervisiona façam revisões internas e lhe reportem os resultados encontrados.
Na quinta-feira anterior, ele fez uma abordagem adicional com a Spiegel e disse aos repórteres que os museus haviam continuado a comprar objetos até há poucos anos. Presentes ou doações foram também aceitos em casos em que sua origem não estava sempre clara. Não era muita coisa, e não havia nada espetacular -- vasos antigos, escritas cuneiformes, selos cilíndricos da Mesopotâmia, mas nada problemático.
Museus de Berlim orientados a checar as origens de suas coleções
Os museus foram agora orientados a efetuar uma revisão das origens de todos os objetos arqueológicos adicionados aos seus acervos desde 1970. Foi indicado um representante de cada museu para conduzir essa tarefa. Pazinger promete também: "Estaremos sempre preparados a devolver coisas se ficar provado que são de origem ilegal".
A pilhagem do Museu Nacional do Iraque após a invasão americana em 2003 [ver postagem anterior] e as fotos de sítios culturais destruídos em países destroçados por guerras civis no Oriente Médio e na África provocaram debates sobre a proteção desses tesouros pelo Ocidente, incluindo a Alemanha. Aquisições de natureza dúbia têm sido feitas durante anos por museus ocidentais, mas a prática é agora amplamente considerada como imoral.
O senso comum hoje é que o comércio e as escavações ilegais de objetos arqueológicos estão destruindo nosso patrimônio cultural no mundo. E o que está ocorrendo diante dos olhos do mundo no Iraque e na Síria é simplesmente um desastre. Entretanto, há poucos dados confiáveis disponíveis sobre os objetivos e atividades desse comércio ilegal.
Falhas na inteligência
Em um "Estudo de Ameaças de Inteligência" interno, distribuído em julho, o FBI em Washington listou 12 áreas no comércio ilícito de antiguidades para as quais há "falhas de inteligência". Elas incluem:
● Qual é o valor global das antiguidades ilícitas comercializadas nos EUA?
● Onde estão as maiores redes globais nesse comércio?
● Quantos e quais comerciantes de arte baseados nos EUA estão negociando bens roubados ou pilhados?
● Em que extensão há funcionários do governo americano ou de governos estrangeiros envolvidos no comércio ilegal?
● As redes especializadas no comércio de antiguidades ilícitas estão envolvidas também em outras atividades criminosas?
● Como são os procedimentos do comércio ilegal nos EUA depois transferidos de volta às redes nos países de origem?
● Quem são os portadores/transportadores mais atuantes e de que países eles vêm? Estão eles envolvidos também no tráfico de drogas, tráfico humano ou qualquer outro contrabando?
O relatório do FBI afirma que as autoridades americanas já devolveram mais de 7.000 objetos arqueológicos a 26 países diferentes desde 2008. Mas isso é provavelmente apenas uma fração dos objetos ilegais atualmente mantidos nos EUA, diz o documento.
Não há números precisos disponíveis sobre o volume global do comércio ilegal, e os que existem divergem amplamente entre si. O relatório do FBI afirma que há estimativas de que esse comércio valha US$ 2 bilhões por ano, mas outras estimativas dizem que as cifras reais se aproximam mais daquelas do tráfico de drogas ou de armas.
Atualmente, a pior pilhagem ocorre na Síria e no Iraque [ver reportagem sobre isso do NYT traduzida na Folha de S. Paulo]. O Departamento de Estado dos EUA publicou recentemente fotos de satélite de alta resolução de vários locais de escavação na Síria, que dão uma indicação dos objetivos da devastação que lá ocorre. Dentro de dois anos, os buracos de escavação no sítio do período clássico Dura Europos [antiga cidade de origem greco-macedônica, fundada no ano 300 a.C.] terão transformado o local em terra arrasada.
Três semanas antes, um grupo de especialistas se reuniu em Paris a convite do Conselho Internacional de Museus para trocar informações sobre o que está acontecendo na região. Mas, os especialistas tiveram dificuldade em prover informações confiáveis nessa reunião secreta. "A região é um buraco negro" em termos de conhecimento nesse sentido, disse um participante.
Ainda assim, é óbvio que um grande saque está ocorrendo na Síria e no norte do Iraque. Sabe-se também que autoridades libanesas e turcas interceptaram muitos objetos na fronteira nos últimos meses. Tem sido divulgado que autoridades turcas encheram vários depósitos com antiguidades apreendidas. Vários objetos foram descobertos também em mercados na Turquia e no Líbano.
Mas, a parte do leão dos objetos roubados está simplesmente desaparecendo. Comerciantes de arte alegam que não têm recebido muitas ofertas através de mercadorias do Oriente Médio no momento, e as autoridades também não têm tido registro de qualquer fluxo de entrada de antiguidades. Então, o que está acontecendo com os objetos roubados?
É plausível que tais objetos serão mantidos armazenados, longe dos olhos do público pelos próximos 10 ou 15 anos, e começarão lentamente a aparecer nos mercados internacionais de arte com documentação forjada tão logo cesse o presente debate sobre bens ilícitos. Outra possibilidade é que colecionadores abastados na região árabe ou no oriente remoto estejam expandindo suas coleções.
Os especialistas têm certeza de uma coisa: os objetos reaparecerão em algum momento no futuro -- como sempre ocorreu no passado.
Origem duvidosa em coleções internacionais de destaque
Em 2000, os arqueólogos britânicos Christopher Chippindale e David Gill lideraram o único estudo abrangente de seu gênero jamais feito quando efetuaram uma revisão sistemática da alegada origem dos acervos listados em catálogos de sete importantes coleções internacionais de antiguidades.
O que encontraram foi chocante. Dos 1.396 objetos examinados, 75% não tinham documento de origem. Mais de 500 das antiguidades não possuíam nenhum tipo de histórico, o que significava que supostamente haviam aparecido pela primeira vez naquelas exibições públicas -- uma indicação clara de que resultavam de escavações ilegais.
Chippindale e Gill se esforçaram também bastante para checar se os detalhes de proveniência fornecidos eram os mesmos apresentados para os mesmos objetos em exposições anteriores. Aqui também os resultados foram críticos. Frequentemente, objetos cujo local de descoberta havia sido dado como "desconhecido" em exposições anteriores tinham, repentinamente, sido relacionados a uma origem concreta -- outra indicação de que sua proveniência era provavelmente forjada.
Desde a divulgação do surpreendente estudo, os arqueólogos falam da "lei de Chippindale". "Não importa quão ruim tenha sido sua abordagem da situação, a realidade é sempre pior", diz um especialista.
Transacionando rápido e fácil com o patrimônio mundial
Muitos comerciantes de arte alegam conhecer bem de onde vêm seus objetos, faltam-lhes apenas os papéis certos relativos a eles. "Você ainda tem o recibo de cada peça de mobília que seus pais lhe deram?", pergunta Vincent Geerling, presidente da Associação Internacional de Comerciantes de Arte Antiga (IADAA, na sigla inglesa). O holandês tem seu próprio negócio em Amsterdam e é também um colecionador privado. Não, responde ele com uma franqueza que desarma, ele possui apenas um objeto em relação ao qual pode dizer precisamente onde foi escavado. Mas diz que não conhece o histórico de propriedade de suas antiguidades.
O que parece estar claro é que há poucos objetos "limpos" sendo comercializados, o que se refere aos objetos para os quais tanto o lugar de sua descoberta quanto seu proprietário anterior são desconhecidos. Há também objetos "sujos", que se sabe terem sido roubados de uma coleção ou de um museu. Mas, a maioria dos objetos é "cinza" porque há incertezas sobre sua proveniência. "Comerciantes de arte gostam de dizer que cinza é limpo, porque não é sujo", explica o arqueólogo Luca Giulani, reitor do interdisciplinar Instituto para Estudos Avançados de Berlim. "E nós arqueólogos dizemos que cinza é na realidade sujo, porque não está claro que seja limpo".
Em 1970, a Unesco aprovou uma convenção contra o comércio ilegal de bens culturais, mas a Alemanha levou 37 anos para ratificar o tratado e implementar sua lei nacional. Pressão externa tampouco fez diferença. Os obstáculos e dificuldades na lei são de tal monta, que nem um único objeto sequer foi devolvido ao seu devido proprietário em consequência da regulamentação.
Conscientização crescente
Autoridades do governo [alemão] querem agora mudar essa situação. Monika Grütters, a principal autoridade da área cultural no governo Angela Merkel, está no momento preparando uma nova lei que poderá entrar em vigor no início de 2016, se aprovada em tempo hábil. A lei determina que os únicos objetos que podem ser comprados e vendidos são aqueles cujo país de origem esteja já definido. Serão igualmente facilitadas as regras para devolução de bens culturais sob disputa.
A nova lei tem potencial para criar para criar uma pressão considerável sobre Parzinger e muitos de seus colegas. A Alemanha pode ter ratificado o tratado da Unesco apenas em 2007, mas 1970 é considerado pela comunidade internacional como a data de referência a ser considerada.
Quem comprou objetos desde essa época sem realmente conhecer sua origem não terá infringido a lei pelas novas regras, mas terá nas mãos um problema de ordem moral. Uma das coleções arqueológicas mais famosas do mundo, os objetos do Museu Britânico do Oriente Próximo, em decorrência disso parou, no final dos anos 1960, de adquirir obras e bens cuja origem fosse incerta.
Lentamente, começa a crescer uma conscientização do problema na Alemanha. Em anos recentes, a administração de muitas coleções públicas tem sido assumida por uma nova geração de administradores de museus. Eles enfrentam agora a tarefa de reexaminar as heranças controvertidas acumuladas por seus antecessores, que continuaram a comprar objetos no mercado de arte até há poucos anos atrás.
Hermann Parzinger, presidente da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano de Berlim, diz: "Estaremos sempre preparados a devolver o que ficar comprovado que é de origem ilegal" -- (Foto: DPA/Fonte: Spiegel Online International)
O Museu Regional de Bad, uma coleção pública em Karlsruhe, tem sido objeto de críticas há décadas por causa de sua política de compra de novos acervos. Mas, neste verão, devolveu dois objetos cicládicos para a Grécia, encerrando uma disputa interminável entre as partes. As estátuas antigas, abstratas, provenientes da ilha grega, foram populares com colecionadores há décadas e resultam unicamente de escavações ilegais.
"Muitas vezes, a paixão por coleções e a voracidade dos curadores os levam a uma situação em que se tornam cúmplices do comércio ilegal", diz Eckart Köhne, que é ao mesmo tempo diretor de museu e presidente da Associação Alemã de Museus. "Em arqueologia, alguém não pode simplesmente declarar-se inocente se estiver adquirindo um objeto que supostamente vem de uma coleção suíça anônima".
Köhne argumenta que os museus precisam reconhecer sua responsabilidade e fazer o máximo que puderem para pesquisar as origens de suas antiguidades, do mesmo modo como muitos museus alemães abordaram a questão da arte pilhada pelos nazistas. Na pior das hipóteses, a chanceler cultural Grütters quer forçar as coleções estatais a serem mais transparentes. "Requeri que os museus incluam em cada relatório anual um relatório de progresso sobre o estado da pesquisa sobre a origem de seus acervos", diz ela.
[Alguns exemplos de devolução de obras de arte a seus donos ou herdeiros e de disputas por esse tipo de devolução
■ Museu suíço aceita coleção com obras de arte roubadas de judeus por nazistas, para devolução a seus legítimos herdeiros
■ Museus dos Estados Unidos e Europa devolvem obras de arte aos locais de origem - entre essas obras está uma estátua de Perséfone, a deusa de Morgantina (antiga cidade grega), devolvida pelo museu J. Paul Getty, na Califórnia, ao governo italiano e hoje exibida no Museu Arqueológico de Aidone, na Sicília.
■ Turquia exige volta de patrimônio histórico e cultural - entre as obras exigidas pelos turcos estão 18 objetos que estão na coleção Norbert Schimmel do Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque (conhecido como Met).
■ Estados Unidos devolvem artefatos retirados de Machu Pichu]
"Muitas vezes, a paixão por coleções e a voracidade dos curadores os levam a uma situação em que se tornam cúmplices do comércio ilegal", diz Eckart Köhne, que é ao mesmo tempo diretor de museu e presidente da Associação Alemã de Museus. "Em arqueologia, alguém não pode simplesmente declarar-se inocente se estiver adquirindo um objeto que supostamente vem de uma coleção suíça anônima".
Köhne argumenta que os museus precisam reconhecer sua responsabilidade e fazer o máximo que puderem para pesquisar as origens de suas antiguidades, do mesmo modo como muitos museus alemães abordaram a questão da arte pilhada pelos nazistas. Na pior das hipóteses, a chanceler cultural Grütters quer forçar as coleções estatais a serem mais transparentes. "Requeri que os museus incluam em cada relatório anual um relatório de progresso sobre o estado da pesquisa sobre a origem de seus acervos", diz ela.
[Alguns exemplos de devolução de obras de arte a seus donos ou herdeiros e de disputas por esse tipo de devolução
■ Museu suíço aceita coleção com obras de arte roubadas de judeus por nazistas, para devolução a seus legítimos herdeiros
■ Museus dos Estados Unidos e Europa devolvem obras de arte aos locais de origem - entre essas obras está uma estátua de Perséfone, a deusa de Morgantina (antiga cidade grega), devolvida pelo museu J. Paul Getty, na Califórnia, ao governo italiano e hoje exibida no Museu Arqueológico de Aidone, na Sicília.
■ Turquia exige volta de patrimônio histórico e cultural - entre as obras exigidas pelos turcos estão 18 objetos que estão na coleção Norbert Schimmel do Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque (conhecido como Met).
■ Estados Unidos devolvem artefatos retirados de Machu Pichu]
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