Embora isso não seja segredo para ninguém, é bizarro e chocante (p'ra dizer o mínimo) que justamente o ministro responsável pelo sistema prisional do país reconheça e afirme de público que nossas cadeias são usinas de violências e de formação/aperfeiçoamento de criminosos. E o ministro disse isso com a candura e a tranquilidade de quem estivesse abordando a coisa mais natural do mundo. Quem ainda tinha alguma dúvida de que estamos entregues às baratas quanto à gestão de uma parte fundamental da justiça no país, certamente deixou definitivamente de tê-la.
É o cúmulo ouvir-se isso de quem tem por obrigação cuidar para que nossas prisões não sejam a calamidade que são (ver postagem anterior). Nossas prisões são o que são não é de hoje, isso vem de décadas, mas o fato lamentável e notório é que em 12,5 anos de governo o PT não fez absolutamente nada para corrigir isso.
Em 12/10/2013 reproduzi reportagem impressionante do jornal O Estado de S. Paulo sobre o poder do PCC - Primeiro Comando da Capital. Na época, esse grupo criminoso estava presente em 22 Estados do País e em três países (Brasil, Bolívia e Paraguai) e dominava 90% dos presídios de São Paulo. Faturava cerca de R$ 8 milhões por mês com o tráfico de drogas e outros R$ 2 milhões com sua loteria e com as contribuições feitas por integrantes - o faturamento anual de R$ 120 milhões a colocaria entre as 1.150 maiores empresas do País, segundo o volume de vendas. Esse número não incluía os negócios particulares dos integrantes, o que podia fazer o total arrecadado por criminosos dobrar.
As informações acima são mais do que suficientes para evidenciar o caos do nosso sistema penitenciário.
A lista das piores prisões do país é encabeçada pelo Presídio Central de Porto Alegre (RS). O Estado do Rio Grande do Sul, a partir do final da década de 1980 (com Pedro Simon em 1987), foi governado 5 vezes pelo PMDB (incluindo o governador atual), 2 vezes pelo PT, e 1 vez pelo PDT e pelo PSDB. Esses partidos e esses políticos deveriam prestar contas aos gaúchos e à justiça pelas condições daquele presídio. Afinal, durante os últimos 25 anos eles foram responsáveis por essa penitenciária.
De 2007 até este ano já houve duas CPIs na Câmara dos Deputados sobre nosso sistema prisional: uma funcionou entre 2007 e 2008, a outra iniciou-se em março deste ano de 2015. Mais dois exemplares da máquina de enxugar gelo dessa casa legislativa. Junto com o Senado Federal, a Câmara compõe o maior acervo de Fichas Sujas do país. Isto significa que vários dos portadores dessas fichas insalubres, que já têm a espada da Justiça sobre suas cabeças (pelo menos no STF), estão deixando de zelar pelo seu possível futuro, na expectativa de que, se condenados e presos, ficarão em celas e/ou prisões diferenciadas. É bom deixarem as barbas de molho.
A situação da segurança pública tem no sistema carcerário um dos seus piores exemplos, agravado por uma atuação absurda do Judiciário, que solta prisioneiros com uma facilidade espantosa e permite que voltem a cometer seus crimes (ver postagem anterior).
Outro lado extremamente perverso do nosso prisional é o altíssimo custo de cada prisioneiro para o país. Em reportagem de novembro de 2014, o jornal O Globo apontava que enquanto investe mais R$ 40 mil por ano em cada preso em presídio federal, o país gasta R$ 15 mil anualmente com cada aluno do ensino superior -- ou seja, gastamos por aluno na educação superior um terço do que gastamos com detentos. Já no caso das prisões estaduais, a situação é ainda pior: na comparação entre detentos de presídios estaduais, onde está a maior parte da população carcerária, e alunos do ensino médio (nível de ensino a cargo dos governos estaduais), a distância é ainda maior: são gastos, em média, R$ 21 mil por ano com cada preso — nove vezes mais do que o gasto por aluno no ensino médio por ano, R$ 2,3 mil. Para pesquisadores tanto de segurança pública quanto de educação, o contraste de investimentos explicita dois problemas centrais na condução desses setores no país: o baixo valor investido na educação e a ineficiência do gasto com o sistema prisional.
Reportagem do site Último Segundo de agosto de 2014 denunciava que cada preso federal custava cerca de 5 salários mínimos por mês, o dobro do que se gastava com um preso estadual.
Além dos custos diretos associados à manutenção de um prisioneiro, o governo arca ainda com o chamado 'auxílio-reclusão' pago à família (dependentes legais) do encarcerado (tanto em regime fechado como semiaberto) contribuinte da Previdência Social. Esse benefício para dependentes de presos de baixa renda foi mantido na Constituição Federal de 1988. O valor global do benefício não poderá ser inferior ao salário mínimo, nem superior ao limite máximo do salário-de-contribuição (R$ 1.089,72), e é pago à família como um todo e não a cada dependente. Instituído há 50 anos, esse auxílio tem como princípio a proteção à família: se o segurado está preso, impedido de trabalhar, a família tem o direito de receber o benefício para o qual ele contribuiu, pois está dentre a relação de benefícios oferecidos pela Previdência no ato da sua inscrição no sistema. Portanto, o benefício é regido pelo direito que a família tem sobre as contribuições do segurado feitas ao Regime Geral da Previdência Social.
Em 2013 havia 549.577 presos em todo o País, dos quais apenas 38.362 recebiam o auxílio-reclusão, ou seja, menos de 7% dos presos. Eles custavam R$ 37,6 milhões ao mês aos cofres da Previdência Social, conforme informou o INSS. O INSS pagou 33.544 benefícios de auxílio-reclusão na folha de janeiro de 2012, em um total de R$ 22.872.321. O valor médio do benefício por família, no período, foi de R$ 681,86. De 2012 para 2013 houve, pois, um acréscimo de 14,3% no número de beneficiados e de 65% no total pago pelo INSS em um mês. Em 2013, o governo teria despendido portanto cerca de R$ 451 milhões com o auxílio-reclusão.
O princípio em que se baseia o auxílio-reclusão é certamente defensável mas, como diz o ditado, o diabo mora nos detalhes. A família do preso perde o direito a essa ajuda desde que o segurado obtenha sua liberdade, fuja ou sua pena progrida para o regime aberto. Pela legislação, os dependentes têm que apresentar a cada três meses, na Agência da Previdência Social, a declaração do sistema penitenciário atestando a condição de preso do segurado. Seria muito mais lógico e prático que o sistema penitenciário informasse diretamente ao INSS a situação dos presos cujas famílias recebem o auxílio-reclusão. Com os recursos computacionais disponíveis isso não apresenta qualquer dificuldade. Deixar que a família do preso cuide disso é um convite a problemas.
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