Esta postagem baseou-se em reportagens dos sites L'Internaute e Slate. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.
Um comitê consultivo de especialistas recomendou à agência americana de alimentos e medicamentos (FDA, na sigla inglesa) que autorizasse a comercialização do primeiro "Viagra feminino", o Flibanserin, mas sob condições por causa de certos riscos que ele apresenta.
A FDA, que anteriormente já havia desaprovado esse medicamento por duas vezes, não é obrigada a seguir as recomendações desse comitê de especialistas mas as homologa na maioria das vezes.
Por 18 a 6, os especialistas votaram pela autorização da venda desse medicamento sob a condição de que seu fabricante, a Sprout Pharmaceuticals, adote procedimentos para assegurar que suas usuárias estejam plenamente conscientes de seus riscos colaterais como a sonolência, os desmaios e a queda da pressão arterial. Esta recomendação a favor do Flibanserin ocorre após vários meses de intensa pressão do fabricante desse medicamento, destinado a mulheres fora da menopausa que sofrem de perda da libido.
O Flibanserin suscitou uma polêmica, com diferentes grupos femininos se enfrentando via manifestos. Um desses manifestos, lançado pelo grupo Even the Score [Empatar o Jogo, em tradução livre], acusava a FDA de sexismo ao rejeitar por duas vezes a aprovação do Flibanserin, lembrando que o Viagra é comercializado desde 1998 para cuidar das disfunções sexuais masculinas. A FDA refutou vigorosamente essa acusação.
Entre os opositores desse "Viagra feminino" a "New View Campaign" [Campanha de Nova Visão], dirigida pela psicóloga e terapeuta Leonore Tiefer, da Universidade de Nova Iorque, acusa os grupos farmacêuticos de "medicar o sexo" para ganhar dinheiro.
O texto da Slate, de autoria de Rachel E. Gross, diz que quando se trata de abordar a disfunção sexual os homens não sofrem de falta de opções. Para as mulheres, infelizmente, não há nenhuma. Na realidade, houve umas poucas tentativas sem muito entusiasmo ou determinação para atacar o problema: médicos ocasionalmente prescreviam pílulas e cremes de estrogênio, e alguns países europeus experimentaram por curto espaço de tempo emplastros de testosterona, antes de retirá-los do mercado. Mas, na maioria das vezes, a falta de desejo [sexual] das mulheres permanece uma "necessidade médica não atendida". Aí chega o Flibanserin, a pílula que lhe devolve o impulso sexual. Finalmente, o Viagra feminino!
Esse é pelo menos o argumento apresentado pela Even the Score [Empatar o Jogo, em tradução livre], uma coalizão de grupos femininos incluindo o Conselho Nacional de Organizações Femininas e a Associação Americana de Saúde Sexual. A coalizão está trabalhando junto com o fabricante do medicamento, a Sprout Pharmaceuticals, para levar às massas essa libido em pílula. Parece que isto funcionou, porque o comitê consultivo da FDA recomendou a aprovação do Flibanserin. Foi uma reviravolta surpreendente, porque a FDA já havia rejeitado o medicamento por duas vezes pelo fato de seu fabricante não conseguir provar que seus resultados justificavam seus riscos, que incluem desmaios, baixa pressão arterial e sonolência.
Infelizmente, não obstante quaisquer riscos, não há um Viagra para mulheres. O Viagra é um auxiliar contra a impotência masculina, usado para tratar a disfunção erétil. Ele se apoia em um mecanismo físico simples para um problema físico simples: ele manda mais sangue para o pênis para mantê-lo ereto. O Viagra pressupõe que o desejo ou impulso sexual está presente, faltando apenas a capacidade física. Na realidade, nem os homens nem as mulheres jamais tiveram o que o Flibanserin se propõe a fazer, que é mirar em algo mais engenhoso e completamente mais vago: o local do desejo sexual.
O Flibanserin trabalha não com a genitália, mas com o cérebro. Na realidade, a pílula foi desenvolvida originalmente para tratar depressão -- os pesquisadores receavam que ele prejudicaria em vez de estimular o desejo sexual. Isto porque se trata de um inibidor de reabsorção de serotonina (SSRI, na sigla inglesa), como o Prozac, e os SSRIs são conhecidos por "apagar o fogo" [sexual]. Para grande surpresa dos pesquisadores, entretanto, o Flibanserin acabou por aumentar o desejo sexual. Como? Provavelmente, tem algo a ver com o fato de que ele estimula a liberação de dopamina, mas ninguém tem realmente certeza disso. "O mecanismo de atuação do Flibanserin no tratamento da HSDD [sigla inglesa para "Desordem de desejo sexual hipoativo"] é desconhecido", de acordo com o comunicado da FDA.
Temos a tendência de querer engulir uma pílula e não pensar mais nisso. Mas, diferentemente de uma ereção, o desejo sexual é uma coisa misteriosa, de múltiplas camadas. É realmente uma boa ideia medicá-lo com uma pílula cujos efeitos você não pode explicar nem quimicamente? "A resposta sexual é uma dança delicada entre múltiplos neurotransmissores", como afirma Andrew Thomson, um psicólogo da Universidade de Virginia que pesquisou os efeitos colaterais de antidepressivos na sexualidade e no amor romântico. "Ao passo que com o Viagra você "lota" o pênis com sangue", diz ele. Um equivalente feminino do Viagra mais preciso para as mulheres, diz Thomson, seria "um medicamento com resposta direta sobre o clitóris".
Eis a ironia: se há uma simples razão química para a diminuição do desejo sexual nas mulheres, são os próprios SSRIs. Uma entre quatro mulheres na faixa dos 40 a 50 anos tem uma receita para esse tipo de antidepressivo, que atua sobre os mesmos neurotransmissores que o Flibanserin, de acordo com um amplo estudo feito em 2013 e publicado na revista Psychotherapy and Psychosomatics [ver aqui]. Seu efeito colateral principal é libido reduzida: ao baixar sua reabsorção de serotonina, os SSRIs reduzem também seu desejo sexual. Dos 31 milhões de adultos nos EUA que tomam SSRIs, quase um terço provavelmente experimente disfunção sexual. Não é realmente surpreendente que estejamos preocupados com libidos mais baixas, já que elas são o principal efeito colateral dos SSRIs? Com o Flibanserin, podemos estar usando uma pílula para resolver um problema causado por uma pílula desenvolvida para resolver um problema diferente. Tente engulir isso.
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