terça-feira, 12 de maio de 2015

Ricardo Kotscho, secretário de imprensa e divulgação de Lula, o NPA (2003-2004), fala do melancólico 1° de maio de seu amigo e ex-chefe

[Ricardo Kotscho é um dos mais respeitados jornalistas do país. Nascido em 1948, em São Paulo, iniciou a carreira no jornalismo aos 16 anos no jornal Folha Santamarense. Depois, passou pelas redações dos jornais O Estado de S. PauloFolha de S. PauloJornal do Brasil, das revistas Isto ÉÉpoca e, na televisão, pela TV Globo,CNTSBT e Rede Bandeirantes. Atualmente é comentarista do Jornal da Record News e repórter especial da Revista Brasileiros.

Durante o governo Figueiredo, no início da década de 1980, quando era correspondente do Jornal do Brasil na Alemanha Ocidental, foi condenado pelo II Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro a um ano e quatro meses de prisão, com sursis, por ter publicado uma entrevista na qual um juiz era apontado como o amigo influente do pai de um traficante de drogas. Kotscho comprovou que a citação era baseada em declaração original do entrevistado ao jornal suíço Neue Zürcher Zeitung. Ainda assim foi condenado, em ação proposta por aquele magistrado. 

Em 1977, uma série de reportagens coordenada por ele e publicada no jornal “O Estado de S. Paulo”, com o título “Mordomias” sobre gastos, compras e hábitos políticos do país, desagradou os militares mas lhe rendeu o primeiro prêmio Esso de sua carreira. Ameaçado e pressionado depois da reportagem, Kotscho viu-se impelido a virar correspondente do Jornal do Brasil na Alemanha, entre 1977 e 1978. 

De volta ao Brasil ainda sob regime militar, deparou com o renascimento do movimento sindical no ABC paulista e passou a cobrir as primeiras greves operárias desde o recrudescimento da ditadura, em 1968, e as enormes manifestações no estádio Vila Euclides, em São Bernardo. Ali conheceu o líder da movimento, Luiz Inácio Lula da Silva, [o NPA, Nosso Pinóquio Acrobata] futuro presidente do Brasil, de quem se tornou amigo e que o nomearia secretário de imprensa e divulgação da presidência (2003/2004).


Ricardo Kotscho e o NPA - (Foto: O Estado de S. Paulo)

Recebeu por quatro vezes o Prêmio Esso de Jornalismo — o mais importante da categoria, no Brasil — e é autor, entre outros livros, de A prática da reportagem (Ática), Serra Pelada: uma ferida aberta na selva (Brasiliense), Explode um novo Brasil — Diário da campanha das Diretas (Brasiliense) e Do golpe ao Planalto: uma vida de repórter (Companhia das Letras).

Kotscho mantém um blogue muito conhecido e visitado, o Balaio do Kotscho. No dia 04 de maio corrente, ele publicou uma postagem impressionante, em tom de desabafo, sobre sua tristeza e sua decepção ao presenciar e ouvir o discurso do NPA no 1° de maio da CUT no Vale do Anhagabaú, em São Paulo. Reproduzo a seguir a íntegra dessa postagem, mais um testemunho -- absolutamente insuspeito -- que evidencia o estrago que os mensalões e os petrolões da vida justificadamente fizeram no PT, o partido que se alardeava como o partido da ética, e entre os petistas de carteirinha e/ou eleitores simpatizantes.]


Lula está na mira, isolado no palanque e sem discurso 


Lula discursa no dia 1 de maio (Foto: Ricardo Stuckert / 01.05.2015/ Instituto Lula)

Fiquei triste ao ver e ouvir o discurso de Lula neste 1º de Maio da CUT, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

Basta rever as imagens na internet. Em toda a sua longa trajetória, do sindicato ao Palácio do Planalto, Lula nunca ficou tão isolado num palanque, sem estar cercado por importantes lideranças políticas, populares e sindicais.

A presidente Dilma já tinha avisado que não viria, mas desta vez nem o prefeito Fernando Haddad apareceu. Só havia gente desconhecida a seu lado e, ainda por cima, um deles segurava o cartaz em que se lia "Abaixo Plano Levy - Ação Petista", mostrando o descompasso entre a CUT, o partido e o governo.

Também não me lembro de ter visto Lula falando para tão pouca gente, e tão desanimada, num Dia do Trabalhador. Não havia ali sinais de alegria e esperança em quem o ouvia, como me acostumei a acompanhar desde o final dos anos 70 do século passado, nas lutas dos metalúrgicos no ABC.

Lamento muito dizer, mas o discurso de Lula também não tem mais novidades, não aponta para o futuro. Tem sido muito repetitivo, raivoso, retroativo, sempre com os mesmos ataques à mídia e às elites, sem dar argumentos para seus amigos e eleitores poderem defendê-lo dos ataques.

Não que Lula deixe de ter caminhões de razões para se queixar da imprensa, desde que o chamado quarto poder resolveu assumir oficialmente a liderança da oposição e fechar o cerco contra os governos petistas. Só não podemos esquecer, porém, que foi com esta mesma mídia, com os mesmos donos, com as mesmas elites conservadoras, que nunca se conformaram com a mudança de mãos do poder, que o PT ganhou sucessivamente as últimas quatro eleições presidenciais.

Ao vê-lo e ouvi-lo agora, tive a sensação de estar assistindo ao ocaso de um ciclo mágico, que levou o líder operário ao poder e promoveu profundas transformações sociais em nosso país. Fica difícil até acreditar que, há apenas pouco mais de quatro anos, Lula deixava seu segundo governo com 80% de aprovação popular, aplaudido e reconhecido em todo o mundo como um líder vencedor.

Àquela altura, Lula não precisava fazer nem provar mais nada. Já tinha passado para a história, em lugar nobre, e precisava apenas cuidar da saúde e da própria biografia. Prova do seu prestígio, elegeu e ajudou a reeleger sua sucessora.

Nos últimos tempos, porém, com o profundo desgaste sofrido pelo PT após os casos do mensalão e do petrolão, que abalaram o partido da estrela, Lula parece ter perdido os dons do mito que construiu ao longo das últimas três décadas. Política também é feita de símbolos e tornou-se simplesmente impossível descolar um do outro: para o bem ou para o mal, Lula é o PT e o PT é Lula.

Apesar do crônico conflito do PT com a mídia, que se transformou em confronto aberto e agora caminha para uma guerra de extermínio, até seis meses atrás, Lula ainda era apontado em todas as pesquisas, com larga vantagem sobre os demais, como o mais popular presidente da nossa história, em todos os tempos.

Até seus adversários admitiam que o "Volta, Lula" seria só uma questão de tempo. Por isso mesmo, ele entrou agora na mira da aliança midiática-política-jurídica formada para impedir que isso aconteça. Logo descobriram que de nada adiantava jogar todas as fichas das oposições para derrubar Dilma se, em caso de novas eleições, o ex-presidente puder ser candidato.
Nas mais recentes, Lula já não lidera as pesquisas para 2018, em várias regiões do país. Claro que a situação pode mudar até lá, mas a volta de Lula tornou-se bem mais difícil. Pode até chegar à vitória, nunca se sabe, mas um passeio, como se previa, não será mais.

O que aconteceu?

Como seu velho amigo e parceiro de tantas campanhas políticas, percorrendo várias vezes este nosso imenso país de ponta a ponta, também estou em busca de uma resposta. Talvez ele próprio não a tenha. A última vez que nos falamos, por telefone, foi às vésperas da eleição do ano passado. Parecia confiante na vitória do PT, como sempre.

De lá para cá, tanta água passou por debaixo da ponte, em tão pouco tempo, que, em algum lugar da estrada, perderam-se a velha confiança e a capacidade de dar a volta por cima, sem que Lula consiga encontrar um novo discurso capaz de mobilizar os jovens eleitores e os velhos companheiros que ficaram pelo caminho.
Vida que segue.



2 comentários:

  1. A liderança do Lula/PT chegou ao melancólico fim, com as apurações do PETROLÃO.
    Lula descanse em paz e bem quietinho, para não suscitar mais acusações de quem se sente prejudicado nessa história...

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  2. Que o povão beneficiado pelas migalhas continue defendendo, compreendo. Mas figuras esclarecidas venham justificar a MAIOR ROUBALHEIRA que se tem conhecimento, com o clássico "antes sempre se roubava também", não dá entender, muito menos para engolir.

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