quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Tragédia em Berlim: pesadelo para a Alemanha e para Angela Merkel

[A tragédia no mercado de Natal de Berlim coloca o governo de Angela Merkel contra as cordas e, certamente, provocará nova onda de xenofobia e de crescimento da extrema direita não só na Alemanha, como no resto da Europa. Podemos esperar dias mais tensos pela frente, com consequências imprevisíveis. Traduzo a seguir reportagem de Severin Weiland e Phillip Wittrock publicada no site Spiegel Online International.]

Ataque em Berlim, pesadelo da Alemanha, pesadelo de Merkel

Severin Weiland e Phillip Wittrock - Spiegel Online International, 20/12/2016


A chanceler alemã Angela Merkel assina o livro de condolências pelas vítimas do ataque de segunda-feira - (Foto: AFP)


A chanceler alemã Angela Merkel está no modo crise. Novamente. Mas, desta vez, a situação fere mais do que de vezes anteriores e sacudiu o país inteiro. Os ataques de verão em Würzburg e Ansbach foram simples anúncios ou indicações do banho de sangue da noite de segunda-feira. Agora, 12 pessoas estão mortas e dezenas mais feridas depois que uma pessoa invadiu com um caminhão um mercado de Natal no coração de Berlim.

Merkel esta plenamente ciente de que algo como o ataque na noite de segunda-feira poderia acontecer aqui também -- na realidade, era quase inevitável. Mas isso não diminuiu o choque. "Este é um dia difícil", disse a chanceler. O país, prosseguiu ela, "está unido em luto profundo". 

Quando Merkel leu seu comunicado na terça-feira sobre o ocorrido na noite anterior, ela disse o que tinha que dizer em tal situação. Expressou sua compaixão para com as vítimas e suas famílias, agradeceu àqueles que responderam prontamente à tragédia, expressou confiança no trabalho dos investigadores e anunciou que os executantes da agressão serão punidos devidamente. E prometeu: "Encontraremos forças para a vida que queremos viver na Alemanha -- livre, unida e aberta". Essas são palavras que deram voz ao seu estado de choque e à sua consternação, deram voz também à sua determinação para enfrentar o terror.

Um policial caminha perto da Igreja do Memorial do Kaiser Guilherme em Berlim. Muitas questões permanecem sem respostas após o ataque mortal na noite de segunda-feira contra um mercado de Natal em um destino turístico popular. 12 pessoas morreram nesse ataque, e pelo menos 48 ficaram feridas quando um homem ainda não identificado jogou um caminhão contra a multidão - (Foto: AFP)


Quase um dia havia decorrido após o ataque, mas os trabalhos de investigação e de limpeza na parte ocidental de Berlim ainda se desenrolavam  - (Foto: AP)


O caminhão Scania pertencia a uma empresa polonesa de transporte marítimo e foi carregado com vigas de aço. A polícia prendeu um suspeito mais tarde à noite, mas na terça-feira ainda não havia certeza se haviam prendido a pessoa certa. Um segundo homem foi encontrado morto no assento de passageiro. A polícia disse que era um cidadão polonês e que não havia sido o motorista do caminhão - (Foto: AFP)


Uma cidade de luto. Berlinenses e turistas colocaram flores, velas e mensagens pessoais no local do ataque - (Foto: Reuters)


Na terça-feira a chanceler alemã foi também ao local do ataque na Breitscheidplatz, em Berlim, e deixou flores em honra dos mortos e feridos - (Foto: DPA)


Políticos em estado de choque: o ministro do Interior alemão, Thomas de Mazière, esteve diante da imprensa na terça-feira e disse que havias poucas dúvidas de que o ocorrido fora um ataque terrorista. Entretanto, na mesma terça-feira, mais tarde, e declarou que o real responsável pelo ataque não havia sido ainda encontrado - (Foto: AFP)


A equipe de resgate reboca o caminhão que invadiu o mercado de Natal que estava cheio de gente. Ainda não se sabe onde e quando o suspeito do ataque roubou o caminhão utilizado no ataque - (Foto: Reuters) 


Acomodações para refugiados, dentro de um hangar do antigo e desativado Aeroporto de Tempelhof. Uma força especial da polícia investigou o local durante a noite. Na terça-feira, não mais parecia provável que um jovem paquistanês preso perto do local do atentado fosse o executante do ataque - (Foto: DPA)


Uma imagem do caminhão após o ataque. O motorista suspeito conseguiu escapar. Oficiais da polícia acreditavam que o haviam apreendido perto do memorial de Siegessäule, mas parece agora que prenderam o homem errado - (Foto: DPA)


Bombeiros examinam uma árvore de Natal derrubada no mercado onde ocorreu o ataque. "Foi uma noite ruim para Berlim e para o país. Como um número incontável de pessoas, estou muito chocado", disse o presidente alemão Joachim Gauck - (Foto: AP)


Uma cidade em estado de choque. Um placar eletrônico próximo ao local do ataque apresentava os dizeres "em compaixão e luto pelas vítimas e todos os afetados" - (Foto: AFP)


Em resposta ao ataque em Berlim, várias cidades com mercados de Natal começaram a implementar medidas de seguranças adicionais na terça-feira para impedir ataques semelhantes. Em Dresden, que abriga um dos mais famosos desses mercados, foram instaladas barreiras de concreto para impedir que veículos possam invadir as áreas de pedestres - (Foto: DPA)


Na França, alvo de ataques terroristas sérios nos últimos dois anos, medidas adicionais estão sendo adotadas também, como nesse mercado de Natal em Paris. O governou solicitou à população que seja mais vigilante, em resposta à ameaça - (Foto: AFP)


Até que o responsável pelo ataque seja encontrado, a situação permanecerá tensa em Berlim. Na terça-feira, autoridades admitiram que a pessoa que executou o ataque brutal provavelmente ainda está solta - (Foto: Reuters)


"Particularmente repulsivo"

Mas mesmo quando fazia seu comunicado, a chanceler estava plenamente ciente de que o tom correto, o excelente trabalho da polícia e a firmeza dos valores liberais não seriam suficientes para conter a crise. Isso ajuda a explicar porque ela transmitiu também uma mensagem política durante seus cinco minutos de presença pública.

Seria, disse ela, "particularmente difícil para todos nós tolerar uma situação em que o autor do ataque tenha vindo para a Alemanha como um refugiado". Seria, continuou ela, "particularmente repulsivo com relação aos muitos, muitos alemães que estão diariamente engajados em prestar assistência aos refugiados e com relação às muitas pessoas que realmente precisam de nossa proteção e que estão dando o melhor de si para se integrarem". 

Enquanto ela falava, não se sabia ainda que a polícia começara a duvidar de que o homem preso na noite de segunda-feira estivesse realmente envolvido no ataque. Esse homem, que aparentemente veio para a Alemanha como um refugiado do Paquistão há cerca de um ano, havia sido preso em local não muito distante do local do ataque. Os investigadores tinham a esperança de ter capturado o motorista do caminhão.

A mensagem de Merkel foi um pedido para que os alemães evitassem suspeitar de todos os refugiados, de maneira generalizada. Ela está bem consciente das profundas divisões na sociedade alemã e está preocupada com o fato de que esse ataque possa envenenar a atmosfera ainda mais, o que pode tornar ainda mais difícil sua reeleição no outono de 2017.

E sua mensagem foi dirigida também a seus colegas políticos conservadores que sempre criticaram sua política em relação aos refugiados. Em primeiro lugar e principalmente Horst Seehofer, o combativo governador da Bavária que também é líder da União Social Cristã (CSU), o parido bávaro irmão dos Democratas Cristãos (CDU), partido de Merkel. Antes mesmo que a chanceler lesse seu comunicado, o gabinete bávaro reuniu-se em Munique.  Ficou claro que Seehofer havia sido profundamente afetado pelo ataque e olheiras escuras circundavam seus olhos.

Luta na direita

O que Seehofer disse então para as câmaras dos jornalistas soou como ainda outra declaração de guerra contra Merkel. "Devemos às vítimas, às suas famílias e a toda a população um repensar e um reajuste de todas as nossas políticas de imigração e de segurança".  Quando Seehofer diz "nossas políticas" ele na realidade se refere àquelas da chanceler.

Seehofer vem lutando há meses contra o curso da política de Merkel na crise dos refugiados. Ele não está preocupado apenas com manter o poder na Bavária, o preocupa também a crescente competição política na ala direita na figura do populista Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla alemã). Durante a noite, o AfD buscou ganhar impulso com base no ataque, culpando diretamente as políticas de Merkel por torná-lo possível em primeiro lugar e postando comentários debochados nas redes sociais.

Recentemente, o CDU e o CSU tentaram fazer as pazes em suas relações. Uma reunião conjunta de líderes dos dois partidos está programada para o início de fevereiro, quando o CSU está listado para anunciar seu apoio oficial à nova candidatura de Merkel à Chancelaria. Mas o ataque de segunda-feira pode obstruir esses planos, se Seehofer decidir que as reformas recentes para endurecer a legislação alemã para a não avançam o suficiente.

Mas, até os membros do CDU de Merkel estão agitados. Tomem, por exemplo, Klaus Bouillon, ministro do Interior pelo estado de Saarland, que inicialmente falou de um "estado de guerra" ao descrever o ataque de segunda-feira e mais tarde tentou recuar. "Evitarei usar o termo guerra no  futuro", disse ele, distanciando-se de seus próprios comentários. "É terrorismo".

"Não é o dia para falar de consequências"

A demanda imediata de Seehofer por consequências políticas em seguida ao ataque não caiu bem em Berlim. Thomas de Maizière, o ministro do Interior, fez na terça-feira uma atualização sobre o progresso das investigações e pareceu que o político do CDU escolheu cuidadosamente as palavras enquanto fazia isso. "Não recuemos", disse ele em um apelo à população. "Não os deixemos controlar nossas vidas com o medo".

Quando perguntado sobre sua resposta à demanda de Seehofer, o ministro do Interior ficou taciturno. Anunciou que iria visitar a cena do ataque mais tarde naquele dia junto com a chanceler e o ministro do Exterior, e que participaria de um serviço religioso depois disso. "Hoje", disse ele, "não é o dia para se falar de consequências".

Mais tarde nesse dia, de Maizière juntou-se a Merkel e ao  seu colega do SPD [Partido Social Democrata] Frank Walter Steinmeier quando estes depositaram flores em um memorial temporário para as vítimas. Quando ele assim fez, Seehofer e seus ministros de governo na Bavária se prepararam para convocar uma reunião especial do gabinete na terça-feira à tarde. Assuntos a serem discutidos: as políticas da Alemanha para segurança e refugiados.


Caminhão colide com mercado de Natal de Berlim - A foto mostra onde o caminhou entrou no mercado, o caminho por ele seguido e o local onde parou. É mostrada a localização do mercado na praça Breitscheid, do Centro Europa, do Memorial da Igreja do Kaiser Guilherme, do Waldorf Astoria, da avenida Kurfürstendamm, do shopping center Bikini, da rua Kant, da rua Hardenberg, da rua Budapeste e do parque do Jardim Zoológico. No gráfico abaixo da foto são mostrados por onde o caminhão entrou no mercado, o local em que ele atingiu uma barraca e deixou o mercado e parou, e a posição de uma fila de barracas do mercado - [Foto: Google Earth -- Mapa: Mapbox - Kartendaten OpenStreetMap-Mitwirkende (ODbL)]


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