sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Nomeação de mais um general (o terceiro) para o governo faz crescer receios sobre forte influência militar na administração Trump

[Antes mesmo de assumir formalmente as rédeas do país, Donald Trump já sinaliza com atos, atitudes e nomeações que o termo catastrófico pode ser uma palavra suave para seu governo. O número inédito de generais em sua equipe formal já acendeu todas as luzes amarelas nos EUA. Traduzo a seguir a essência de artigos publicados pelo jornal americano The Washington Post sobre isso. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade. ]

Trump está se cercando de generais, e isto é perigoso

Philippe Carter e Loren Dejonge Schulman - The Washington Post, 30/11/2016

Mais  do que qualquer outro presidente eleito na memória recente, Donald Trump tem buscado militares de alta patente para povoar seu círculo íntimo de auxiliares. Em 24 de novembro, Trump anunciou que queria o general da reserva dos Fuzileiros James Mattis como seu secretário de Defesa -- um posto tradicionalmente destinado a um civil. Trump pensa também no general da reserva David Petraeus para secretário de Estado, no general da reserva da Marinha John Kelly para secretário de Estado ou secretário de defesa interna, e no almirante Michael S. Rogers como diretor de inteligência nacional. Seu conselheiro designado, Michael Flynn, aposentou-se do exército como general-de-divisão após décadas de atuação como oficial de inteligência militar. E o diretor indicado para a CIA, Mike Pompeo, formou-se na academia militar de West Point e serviu como oficial do exército durante a Guerra Fria.

O presidente eleito Donald Trump conversou com o general da reserva dos Fuzileiros James Mattis e vários outros ex-militares sobre vagas em seu governo - (Foto: Janin Botsford/The Washington Post)

David H. Petraeus, general da reserva e ex-diretor da CIA, na Trump Tower em Manhattan (NY) no início da semana passada - (Foto: Sam Hodgson, para o The New York Times) 


Há uma grande tradição americana de se ter militares veteranos em altos postos da administração política, desde os presidentes George  Washington e Dwight Eisenhower a oficiais seniores como o secretário de Estado Colin Powell na administração George W. Bush e o assessor de segurança nacional James Jones no governo Obama. Um governo típico, entretanto, começa com poucos generais recentes em postos chaves. Preencher tantos lugares com patentes da reserva, como Trump está propenso a fazer, é altamente inusitado.

Não há dúvidas de que esses homens trazem consigo uma tremenda experiência. Mas precisamos estar atentos e cautelosos quanto a estarmos demasiado dependentes ou apoiados em figuras militares. Grandes generais nem sempre são grandes funcionários de gabinetes. E se nomeados em números excessivos, podem enfraquecer ou destruir outra forte tradição americana: o controle civil de militares apolíticos.

Trump frequentemente desdenhou de líderes militares durante sua campanha eleitoral. Gabava-se de saber mais que os generais sobre como combater o Estado Islâmico. Repetidamente, criticou-os por anunciarem suas estratégias de ataques antes que estes ocorressem. Disse que tinham sido "reduzido a entulho" no governo Obama, e ameaçou até remover alguns de seus cargos quando assumisse a presidência.

Ainda assim, compreende-se porque ele os abraçaria agora. Os militares desfrutam da mais alta taxa de aprovação de qualquer instituição na sociedade americana. E contratar ex-generais é um modo seguro de ganhar legitimidade -- quer o presidente seja um senador por Illinois em primeiro mandato buscando cobertura, ou uma estrela de reality show de TV e magnata de cassinos que perdeu no voto popular e tem a reputação de ser um neófito em política externa.

É claro que as escolhas de Trump têm implicações além do teatro político. E legitimidade percebida não deve ser confundida com possibilidade de êxito em altos cargos civis.

Como quaisquer empregados em perspectiva, veteranos devem ser julgados com base em seus méritos mais além de seu posto militar ou de seu serviço militar. O registro histórico mostra que veteranos com status e qualificações semelhantes podem desempenhar-se de maneira muito diferente, quando nomeados para altos cargos. Consideremos os casos do general-de-divisão da reserva da Força Aérea Brent Scrowcroft, que foi assessor de segurança nacional dos governos Gerald Ford e George W. Bush, e o general-de-exército Alexander Haig, que foi secretário de Estado de Ronald Reagan. Cada um deles veio para seu cargo com credenciais militares impecáveis e considerável experiência em Washington. Scowcroft saiu-se brilhantemente, conduzindo um Conselho de Segurança Nacional eficiente que administrou a política externa americana quando a Guerra Fria acabou, a União Soviética se dissolveu e os EUA lutaram a Guerra do Golfo Pérsico. Haig teve um desempenho ruim, provocando (ou quase isso) várias crises entre civis e militares com sua militaresca afirmação de que estava no comando [do país] após a tentativa de assassinato de Reagan, e sua diplomacia altamente arrogante em relação à União Soviética. Haig demitiu-se um ano e meio depois de assumir o cargo.

É impossível saber se os veteranos de Trump serão mais parecidos com Scowcroft ou mais semelhantes a Haig.

Mattis, o monge guerreiro [pessoa que combina características de um monge -- profunda devoção religiosa e vida ascética -- com as de um guerreiro treinado para se envolver em conflitos violentos], mostrou seu gênio estratégico e operacional como general da marinha, mas lidar com e controlar a burocracia do Departamento de Defesa é outra coisa. (...) "Você não pode tocar o Pentágono como faz com a Primeira Divisão Naval".

Flynn é um iconoclasta cuja liderança apoiada em estratégia de terra arrasada no Comando Conjunto de Operações Especiais e na Agência de Inteligência da Defesa não permite prever bem como ele administrará o Conselho de Segurança Nacional, ou fará com que agências rivais trabalhem em conjunto. (...)

Petraeus personifica o líder militar moderno americano, mas seu estilo de liderança não encaixa bem com a CIA e seria provavelmente ainda um figurino pior para o Departamento de Estado ou outra agência governamental. [Esse "líder militar moderno americano" teve que renunciar ao cargo de diretor da CIA  em 2012, quando o FBI descobriu que ele mantinha um caso extraconjugal com Paula Broadwell, que ele escolhera para ser sua biógrafa.]

(...) E há uma dimensão social nas relações entre civis e militares que pode sofrer com a nomeação de líderes militares aposentados para  altos argos. A parcela de veteranos na sociedade está em declínio, como resultado de forças militares menores, a falta de alistamento militar, e uma população em crescimento. Sobram preocupações sobre como militares e civis se dividirão, e sobre como os militares se relacionarão com a sociedade quando uma decrescente porcentagem de americanos serve uniformizada ou tem relacionamento pessoal com quem o faz. Líderes militares seniores passaram todas sua vidas adultas dentro da bolha militar -- vivendo nas comunidades confinadas mais exclusivas da América, numa sociedade insular que tem seu próprio código legal, sua própria linguagem e seus próprios costumes. Nossos militares são ao mesmo tempo uma parte da América e apartados dela. Generais e almirantes emersos desse ambiente podem ser líderes e militares profissionais estelares, mas constituem-se em embaixadores improváveis para fazer a  ponte com os civis.

(...) O maior risco apresentado pela corrida de Trump para cortejar as altas patentes militares é a extensão em que nossa liderança militar pode tornar-se, em realidade ou percepção, uma instituição politizada. Isso poderia, como Dempsey [general da reserva Martin Dempsey] conjecturou, levar "administrações futuras a determinar quais líderes seniores militares seriam mais prováveis de concordar com eles, antes de colocá-los em postos de liderança sênior". No curto prazo, Trump pode estar satisfeito com militares politizados que parecem mais receptivos a ele. No longo prazo, entretanto, tanto o governo Trump quanto nossa segurança nacional sofrerão se essas nomeações solaparem a integridade institucional dos militares e corromperem sua liderança a serviço de fins políticos.

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Trump nomeia um terceiro general, gerando preocupações sobre forte influência militar

Philip Rucker e Mike DeBonis - The Washington Post, 7/12/2016


Presidente eleito Donald Trump encontrou-se com o general da reserva do Corpo de Fuzileiros Navais em 20 de novembro em Bedminster Township, NJ - (Foto: Drew Angerer/Getty Images)


O presidente eleito Donald Trump escolheu o general da reserva dos Fuzileiros John F. Kelly como secretário de Segurança Interna, recrutando assim um terceiro membro das altas patentes militares para servir nos níveis mais altos de sua administração.

A escolha de Kelly por Trump -- e suas continuadas deliberações sobre escolher ainda mais dois militares para outros cargos -- aumentou as preocupações entre alguns membros do Congresso e especialistas em segurança nacional de que as políticas da nova administração possam ser desproporcionalmente moldadas por comandantes militares.

"Estou preocupado", disse o senador Chris Murphy (democrata - Connecticut), um membro do Comitê de Relações Exteriores. "Cada uma dessas pessoas pode ter grande mérito pessoal, mas  o que aprendemos ao longo dos últimos 15 anos é que quando olhamos os problemas no mundo sob a ótica militar, cometemos grandes erros".

Apesar de, regularmente, fazer comentários desrespeitosos sobre os generais do país na campanha eleitoral, Trump tem de longa data mostrado uma afinidade por eles. Ao moldar seu governo, Trump tem priorizado pessoas do tipo que um assessor descreveu como "capaz e desejoso de fazer, sem besteiras", que o presidente eleito vê como um contraste deliberado com as escolhas pessoais que Obama fez.

Se confirmados, Kelly e o candidato a secretário de Defesa James Mattis, um general da reserva dos Fuzileiros apelidado de "Cão Raivoso", se juntariam ao general-de-divisão de reserva do Exército Michael T. Flynn, escolhido por Trump para ser o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca. Enquanto isso, o general da reserva do Exército David H. Petraeus está sendo considerado para ser secretário de Estado e o almirante Michael S. Rogers está na disputa pelo cargo de diretor da inteligência nacional.

Outras figuras com experiência militar estão povoando também a administração Trump, incluindo o deputado republicano Mike Romeo (Kansas), graduado pela academia militar de West Point e que serviu no Exército na Guerra do Golfo, indicado por Trump para dirigir a CIA, enquanto Stephen K. Bannon, um ex-oficial da Marina, será o estrategista-chefe e conselheiro sênior de Trump na Ala Oeste da Casa Branca.

Trump, que teve múltiplos adiamentos de recrutamento e não tem experiência militar além de seus anos em um internato militar (military boarding school), é tido como ter atração por generais pelo ar insolente e arrogante destes e ficar maravilhado com suas histórias dos campos de batalha.

Muitos daqueles que Trump vem entrevistando e consultando passaram grande parte da última década e meia intimamente envolvidos na guerra dos EUA contra o terrorismo global. As escolhas de Trump são também surpreendentes, considerando-se sua postura não-intervencionista na campanha eleitoral e suas críticas violentas contra a guerra no Iraque e outras aventuras militares.

(...) A forte confiança em, e dependência de, líderes militares por parte de Trump marcam um desvio de sua administração das administrações dos três presidentes que o antecederam, que escolheram poucos generais para os cargos mais altos, com altos e baixos nos resultados, e se apoiaram grandemente em pessoas que passaram décadas prestando serviços como civis -- políticos, acadêmicos ou advogados.

(...) Nas redes sociais houve nesta semana alguns comentários sarcásticos, dizendo que o gabinete que Trump está montando parece uma "junta militar". (...)

A maioria dos oficiais militares passou toda sua carreira dentro de organizações estruturadas, com equipes grandes e uma clara cadeia de comando. Algumas vezes eles se debatem com dificuldade no mundo ilimitado da política e de estratégias -- sem mencionar o que se espera sem um ambiente imprevisível na Casa Branca de Donald Trump.

"Grandes generais nem sempre são grandes funcionários de gabinetes", disse Phil Carter, um veterano da Guerra do Iraque e membro sênior do Centro para uma Nova Segurança Americana.

Ver também:

☛ "O que Trump pode não saber sobre os generais que tem em mira para altos cargos" (em inglês)

☛ "Assessor de segurança nacional de Trump disse que está pronto para se engajar em uma nova guerra mundial" (em inglês)




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