quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

As Belas Artes na Medicina (III) -- a doença na pintura de Munch

[Ver postagem anterior. Me parece que o título mais condizente com esta série de postagens seria "A Medicina nas Belas Artes", mas decidi manter o título acima, que é praticamente o mesmo do livro que como referência para as postagens. Segundo seu autor, o médico Armando J. C. Bezerra" Este livro surgiu da necessidade de fazer jovens médicos entenderem que Arte e Medicina jorram de uma mesma fonte. A Medicina por si só já é uma obra de arte”.]

Edvar Munch (1863-1944) - (Foto: Google) - Obs.: esta foto não consta do livro usado como referência para esta postagem (ver postagem anterior)

As doenças moldaram a maneira de Edvar Munch (1863-1944) ver o mundo e, obviamente, influenciaram a evolução artística do pintor nascido em Oslo, Noruega. São dele, entre outras, as obras Melancolia (1895) e O Leito da Morte (1895).

De todas as doenças com as quais conviveu, nitidamente a que mais marcou Munch foi a tuberculose pulmonar, que matou sua irmã Sophie, em 1877, quando ela tinha apenas 15 anos de idade e ele, 14. O fato em si já é dramático para qualquer pessoa, mas no caso de Munch havia um precedente: sua mãe, Laura Cathrine, fora vítima da mesma doença em 1868, quando ele tinha cinco anos de idade. Munch percebeu então quão devastadora e frequente era aquela doença.

A expressão artística do sofrimento de Munch diante do falecimento de Sophie deu-se por meio de uma tela intitulada A Criança Doente (1886). [A Criança Doente é uma série de seis pinturas e outros desenhos feitos por Edvard Munch entre 1885 e 1926 . Todas as obras referidas recordam o momento antes da morte da sua irmã mais velha, Johanne Sophie.]


Edvar Munch (1863-1944) -- A Criança Doente (1886), óleo sobre tela, 119,5  x 118,5 cm

O enorme travesseiro no qual ela se recosta foi uma repetição dos travesseiros pintados pelo seu mestre Christian Krohg, o mais importante pintor norueguês até Munch. Esse detalhe pode ser confirmado nas obras A Criança Doente  (1881) e A Mãe à Cabeceira da Criança Doente  (1884). É interessante registar que Krohg, nesses dois quadros, também pintou a doença mortal da sua própria irmã.

Christian Krohg (1852-1925) -- A Criança Doente (1881), óleo sobre tela, 102 x 58 cm. Galeria Nacional (Oslo) - (Foto: Google)

O travesseiro no quadro de Munch, propositadamente branco, forma uma moldura em torno da cabeça de Sophie, lembrando um halo quadrilátero de pureza. Pode-se dizer que essa imagem lembra a porta que emoldura a cabeça do Cristo na obra A Última Ceia (1497), de Leonardo da Vinci.

Enquanto a irmã de Krohg se despede da vida olhando para o espectador e retirando as pétalas de uma flor, como se a vida estivesse aos poucos a  extinguir-se, Sophie dá um último olhar contemplativo para a sua tia e mãe adoptivas. Sabe-se que, em algumas versões dessa tela, Munch usou a amiga Betzy Nielsen como modelo para Sophie.

O quadro suscitou debates e discussões aquando da sua apresentação na Exposição de Artes de Oslo, cidade então chamada Christiania: o quadro mais parecia um esboço do que uma obra concluída. Isso porque Munch usou a tinta bastante diluída. Apesar - ou por causa - da polémica, o quadro tornou-se um sucesso, o que levou Munch, a partir de 1901, a deliberadamente usar a tinta diluída como modo de se expressar em pintura.

Em 1889, convalescendo de uma debilitante enfermidade, ele pintou a tela Primavera, obra autobiográfica onde Munch recorda a doença da irmã. Esse quadro teve como inspiração a pintura já citada A Mãe à Cabeceira da Criança Doente. Munch estava então com 26 anos, ou seja, tinham-se passado 12 anos desde o falecimento de Sophie, e o medo da morte  motivou-o a relembrar aquele triste episódio. O travesseiro agora é iluminado pelo sol que invade a janela açoitada pelo vento.

Edvar Munch (1863-1944) -- Primavera (1889), óleo sobre tela, 169 x 263,5 cm. Galeria Nacional(Oslo) - (Foto: Google)

Em 1893, Munch  pinta o quadro Madona e o exibe pela primeira vez ao público usando uma moldura decorada com espermatozóides e fetos abortados, pintados e entalhados, simbolizando a concepção e a morte.

Edvar Munch (1863-1944) -- Madona (1893), litografia, 60,6 x 44,4 cm. Ohara Museum of Art (Kurashiki, Japão) - (Foto: Google) - Obs.: embora citado, este quadro não é reproduzido no livro que usei como referência ("As Belas Artes da Medicina", Armando J.C. Bezerra, Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Brasília, DF - Março de 2003)

A moldura, chocante e polêmica, foi retirada do quadro e até hoje não se sabe de seu paradeiro. Ainda em 1893, ele pinta seu quadro mais famoso, O Grito, que originou aproximadamente cinquenta versões. A obra reflete o sofrimento mental pelo qual estava passando Munch em consequência de sua vida marcada pelas doenças.

Edvar Munch (1863-1944) -- O Grito (1893), óleo, têmpera, pastel e crayon sobre papelão, 91 x 73,5 cm. National Gallery, Oslo - (Foto: Google) 

Ainda traumatizado pela polêmica surgida com o episódio da moldura que enquadrava a Madona, em 1895 Munch fez seu autorretrato usando a técnica da litografia e o denominou Autorretrato com Esqueleto do Braço. Aqui, os ossos do antebraço e da mão são dispostos de modo a lembrar a parte inferior da moldura censurada em 1893.

Edvar Munch (1863-1944) -- Autorretrato com Esqueleto de Braço (1895), litografia, 60 x 20 cm. Museu Munch, Oslo - (Foto: Google)

Em Morte no Quarto da Doente (1895, o pintor procura chamar a atenção para o aspecto torturante e claustrofóbico do quarto onde se encontra uma doente grave. 

Edvar Munch (1863-1944) -- Morte no Quarto da Doente (1895), óleo sobre tela, 150 x 167,5 cm. Galeria Nacional, Oslo - (Foto: Google)


As duas irmãs de Munch, Inger, que aparece de pé, e Laura Munch, sentada, são claramente reconhecíveis no primeiro plano. O artista está virado de costas para a paciente, como a renegar a tragédia que se faz presente. O pai, Christian, e a tia Karen estão de pé junto à cadeira próxima à cama. A personagem masculina de costas para quem olha o quadro, e que está de frente para a cama, é provavelmente Andreas, o irmão de Munch. 

Talvez a cena seja uma lembrança  da morte da irmã, mas com as pessoas de sua família retratadas na idade adulta. A pessoa à beira da morte está sentada na cadeira de vime, cujo espaldar alto, junto com o travesseiro, impede que ela seja identificada.

Trinta e um anos depois do falecimento da mãe, Munch pinta A Mãe Morta e a Criança (1899). 

Edvar Munch (1863-1944) -- A Mãe Morta e a Criança (1899), óleo sobre tela, 104,5 x 179,5 cm. Museu Munch, Oslo - (Foto: Google)

De um lado da cama estão os membros adultos de sua família, impotentes em face da morte; no primeiro plano diante da cama encontra-se Sophie, tapando os ouvidos com as mãos para não ouvir o  grito silencioso da morte chamando-a. A irmã repete o gesto imortalizado na tela O Grito, e que aparece novamente na obra A Mãe Morta e a Criança, de 1900.

Edvar Munch (1863-1944) -- A Mãe Morta e a Criança (1900), óleo sobre tela, 100 x 90 cm. Museu Kunsthalle, Bremen (Alemanha) - (Foto: Google)


Em 1919, convalescente da gripe espanhola, Munch decide registrar aquele momento pintando o Autorretrato depois da Gripe Espanhola. Nesse autorretrato é visível a semelhança com a fisionomia retratada em O Grito.


















Edvar Munch (1863-1944) -- Autorretrato depois da Gripe Espanhola (1919), óleo sobre tela, 105,5 x 131 cm. Galeria Nacional, Oslo - (Foto: Google)


Perto de morrer, Munch sentencia: "A vida representa uma vitória temporária sobre a força da gravidade; mantemo-nos erguidos de pé, mas um dia temos de nos deitar para morrer".

O grande pintor norueguês parou de pintar em 1936, por causa de uma grave enfermidade ocular.

[Outras obras de Munch



Christian Munch na poltrona (1881) - Museu Munch, Oslo (Noruega) - (Foto: Museu Munch) [retrato do pai de Munch]




Vista de Vestre Aker (1881) - Museu Munch, Oslo (Noruega) - (Foto: Museu Munch)




À volta da lâmpada de parafina (1883) - Museu Nacional de Arte, Arquitetura e Design, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Noite em Saint-Cloud (1890) - Museu Nacional de Arte, Arquitetura e Design, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Rua Lafayette (1891) - Galeria Nacional, Noruega - (Foto: Google)




Separação (1896) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




A dança da vida (1899) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)





Vermelho e Branco (1899-1900) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Gólgota (1900) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




A floresta do conto de fadas (1901-1902) - Museu Nacional de Arte, Arquitetura e Design, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Duas garotas com aventais azuis (1904-1905) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




A assassina (1906) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Google)





Cupido e Psiquê (1907) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Jappe Nilsen (1909) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Os pesquisadores (1910-1911) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Mulher em pé com braços cruzados (1913-1914) - Coleção Sternesen/Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)





Operários a caminho de casa (1913-1914) . Museu Munch - (Foto: Google)




Homem em campo de repolhos (1916) - Museu Nacional de Arte, Arquitetura e Design, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Modelo se despindo (1920-1924) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Dois seres humanos. Os solitários (1933-1935) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)




Autorretrato entre o relógio e a cama (1940-1943) - Museu Munch, Oslo - (Foto: Museu Munch)]





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