Um policial alemão interroga uma cigana - (Foto: Arquivos Federais Alemães)
A tragédia de milhões de não-judeus vítimas dos nazistas merece ser lembrada e reconhecida, como apontam os autores de um livro recente. Entretanto, embora sua iniciativa seja digna de louvor, ela não atingiu seu objetivo.
Nos anos 1970, surgiu uma discussão violenta entre o caçador de nazistas Simon Wiesenthal e dois destacados historiadores do Holocausto, Yehuda Bauer e Michael Marrus. O tema da discussão: Quem deve ser classificado como uma vítima do Holocausto? Wiesenthal insistia em que o número total de vítimas foi de 11 milhões -- seis milhões de judeus e outros cinco milhões de vítimas de outros países, entre eles os ciganos e os poloneses. Os dois historiadores judeus discordaram veementemente e argumentaram que Wiesenthal não podia fornecer nenhuma prova concreta daquele número: cinco milhões de vítimas a mais do genocídio nazista.
Essa, entretanto, não era uma discussão sobre o número de vítimas; talvez fosse uma discussão numerológica. A discordância referia-se à identidade das vítimas nazistas. "Os seis milhões" era uma expressão de significado quase místico, que havia deitado raízes no consciente coletivo e na memória do Holocausto sustentada em vítimas e manipulada em Israel e no mundo judaico. Trata-se de um tabu intocável, e violá-lo com a inclusão de outras vítimas ameaça a crença pseudorreligiosa na unicidade/singularidade do Holocausto, que é uma componente fundamental da identidade da sociedade israelense.
Quebrar o tabu acarretaria lidar com uma memória coletiva diferente, assim como reconhecer que o nazismo era muito mais do que o inimigo tão somente dos judeus -- que ele era o inimigo de toda a humanidade. Além dos judeus, os nazistas assassinaram milhões de outras pessoas apenas porque pertenciam a um grupo que o nazismo decretou como não merecendo existir. Cada um desses grupos tinha sua própria história específica. E a tragédia de cada um deles merece ser lembrada como parte de um amplo mosaico de memórias, no qual um espaço igualitário é concedido a todas as vítimas do nazismo e às vítimas de outros genocídios.
O livro modesto editado por Yair Auron e Sarit Zaoibert tenta cumprir essa missão, que é de importância histórica crucial, mas o que consegue é principalmente transmitir uma crucial mensagem humana. É uma missão quase impossível no Israel violento, racista e protofascista de 2016. A característica dos artigos do livro e o material de algumas de suas fontes sugerem que ele está direcionado a alunos do curso secundário ou ao leitor genérico, que quer ampliar seu conhecimento sobre um assunto em relação ao qual quase não há textos disponíveis em hebraico. E embora a iniciativa dos editores seja bem-vinda, o resultado é decepcionante e até mesmo piegas.
A coletânea consiste de um grupo de artigos sobre vítimas não-judaicas do nazismo: ciganos, Testemunhas de Jeová, vítimas de eutanásia, homossexuais e outros prisioneiros de campos de concentração. Há também um texto genérico sobre a política de melhoria racial perseguida pela Alemanha nazista. Adicionalmente, matérias de várias fontes são anexadas aos artigos, embora não compartilhem um denominador comum. Elas consistem de testemunhos e memórias, trechos da autobiografia de Gunter Grass "Peeling the Onion" ("Descascando a Cebola"), passagens literárias, uma seção de uma peça sobre homossexuais nos campos de concentração, passagens sobre locais celebrativos (memoriais). [Gunter Grass (Danzig, 16 de outubro de 1927 – Lübeck, 13 de abril de 2015) foi um autor, romancista, dramaturgo, poeta, intelectual, e artista plástico alemão. Sua obra alternou a atividade literária com a escultura, enquanto participava de forma ativa da vida pública de seu país. Recebeu o Nobel de Literatura de 1999. Também é reconhecido como um dos principais representantes do teatro do absurdo da Alemanha. Seu nome é por vezes grafado Günter Graß].
Se o objetivo era tornar acessível material que sensibiliza o público mais jovem, os editores deveriam ter sido melhor assessorados para dedicar tempo e esforço para incluir testemunhos importantes de sobreviventes dos vários grupos de vítimas cobertos pelo livro. Numerosos testemunhos desse gênero estão atualmente disponíveis, com exceção dos infelizes que foram assassinados no programa de eutanásia, dos quais obviamente não há sobreviventes. Até no caso dos homossexuais -- um grupo cujo destino não foi investigado durante muitos anos, por causa da relutância dos sobreviventes em ver suas histórias tornadas públicas -- há hoje material básico disponível muito mais importante do que o fornecido pelo livro.
As pesquisas históricas que constituem a espinha dorsal do livro não são de uma qualidade uniforme. Em contraste com vários artigos que apresentam uma explicação ordenada e adequada de seus temas, como o artigo de Moshe Zimmerman sobre homossexuais e sobre os chamados elementos "associais", e o artigo de Nira Feldman sobre as vítimas de eutanásia, os outros artigos são superficiais e desatualizados e até errados ou incorretos na interpretação que apresentam.
Um exemplo é o artigo de Yehuda Bauer sobre os ciganos. Indubitavelmente, apesar de ser ele um celebrado pesquisador do Holocausto, o trabalho acadêmico de Bauer não está identificado com o genocídio de ciganos. Sua contribuição no livro é o abstrato ou resumo de de um artigo que escreveu há um tempo atrás sobre o assunto. Estudos importantes sobre o tema foram escritos desde então por pesquisadores alemães e americanos, e eles deveriam ter sido citados. Na realidade, os ciganos deveriam ter recebido um tratamento mais exaustivo e completo no livro, porque são um grupo étnico cuja perseguição e assassinato derivaram da mesma visão racista global subjacente à perseguição e ao assassinato dos judeus.
Ainda mais confusa é a pesquisa feita pelo historiador Gideon Greif sobre os prisioneiros dos campos de concentração no período inicial, até a deflagração da Segunda Guerra Mundial em 1939. O objetivo declarado do livro ora analisado é tratar das vítimas não-judaicas do nazismo. Ainda assim, Greif tenta de todas as maneiras possíveis incluir os judeus -- um grupo pequeno e não particularmente central entre os prisioneiros dos campos até o "Massacre de novembro" em 1938 -- e mesmo então, apenas por um curto período. Nenhuma menção é feita, por exemplo, ao fato de que a rede de campos de concentração não foi criada ou direcionada para servir à política antijudaica nazista nos anos 1930.
Em vários pontos, Greif quase se desculpa pelo fato de não haver judeus entre os prisioneiros que foram mandados para os campos de concentração antes do rompimento da guerra. A razão é que eles, judeus, não eram classificados como opositores políticos sujeitos a perseguição, ou que nenhum judeu se encaixava na definição vaga de pessoas "associais". No entanto, quando Greif efetivamente apresenta um testemunho, ele é de um prisioneiro judeu.
Erros corriqueiros aparecem também na pesquisa não convincente de Greif. Por exemplo, ele sustenta que não havia lei nos campos e que a violência dos nazistas era arbitrária e administrada segundo leis não escritas, especificadas pela S.S. [S.S. = Schutzstafel = Tropa de Proteção]. Na realidade, esse foi o período em que as operações nos campos de concentração eram moldadas por seu primeiro comandante, Theodor Eicke. O código de gestão desses campos que Eicke escreveu era um documento vinculante, e as regras que estabeleceu eram obedecidas por seus subordinados. Isto não quer dizer que os prisioneiros não sofreram violência, mas esta não pode ser classificada de arbitrária porque era precisamente isto que Eicke buscou evitar.
Outro artigo altamente problemático é o do acadêmico Isaac Lubelsky, sobre racismo e melhoria racial na Alemanha nazista. Lubelsky começa com uma pesquisa apressada e desatenta sobre o desenvolvimento do conceito de Darwinismo Social no século 19 e sua influência no modo de pensar de Hitler. Ele então propõe que a ideia evolucionária, que vê uma conexão entre a existência ambiental de um grupo humano específico e seu desenvolvimento mental, cognitivo e fisiológico prevalecia não apenas entre pensadores e cientistas durante a era do racismo no século 20, mas era aceita também por muitas pessoas de boa índole que não podiam ser suspeitas de abrigar tendências racistas. Por exemplo, o poeta Saul Tchernichovsky, que escreveu que o "homem é moldado pela paisagem de sua terra natal".
De fato, se adotarmos a interpretação dada a essa obra poética pelo acadêmico de literatura Dan Miron, o que ocorre é exatamente o oposto. A ideia aqui, explica Miron, é que o homem é feito segundo um certo modelo, esquema , paradigma que supõe uma dimensão concreta no molde da paisagem de sua terra natal. Em outras palavras, as matérias de que uma pessoa é feita criam o molde ou modelagem da paisagem de sua terra natal -- e não o contrário. A influência do Darwinismo Social aqui não é prontamente visível.
Esses são apenas uns poucos exemplos dos problemas que marcam esse livro. Grupos importantes de vítimas estão nele completamente ausentes. Entre eles estão os prisioneiros de guerra soviéticos, o segundo maior grupo de vítimas (mais de três milhões) aniquiladas pelos nazistas. Também ausentes estão os poloneses, que sofreram um violento ataque combinado de limpeza étnica e assassinato em massa.
Em resumo, o livro se constitui em uma oportunidade perdida. Uma coleção séria de artigos em hebraico sobre vítimas não-judaicas do genocídio nazista seria de enorme importância. Se essa tentativa inicial infeliz estimular a publicação de um livro desse tipo, o livro de Auron e Zaibert terá atingido seu objetivo.
Do jeito que as coisas se comportam por aqui, sou levado a crer qud se o PT tivesse conseguido implantar o bolivarianismo (o comunismo latino americano) entre nós, muita gente iria para o pardón, como em Cuba. É o instinto assassino (os mortos do ABC) do homem com menos dedos.
ResponderExcluir"Bolivarianismo" é apenas um charlatanismo inventado por Hugo Chavez para se manter no poder. Nada a ver com comunismo. Sem querer ofender ou me fazer de sabido,é melhor ler mais, se me desculpa a franqueza.Demonizar Lula ou qualquer outra pessoa é ignorância.
ExcluirHolocausto não é sinônimo unicamente de judeus como vítimas
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