sábado, 30 de abril de 2016

Álcool, drogas, suicídios -- os americanos brancos de 45 a 54 anos estão sendo dizimados

[Traduzo a seguir a análise do livro "Rising morbidity and mortality in midlife among white non-Hispanic Americans in the 21st century" ("Morbidez e mortalidade crescentes na meia-idade entre americanos brancos não-hispânicos no século 21") - Angus Deaton (Prêmio Nobel de Economia 2015) et al, Proceedings of the National Academy of Sciences (USA), Novembro 2015, feita por Jean-Pierre Robin no jornal francês Le Figaro de 16/11/2015. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.] 

Angus Deaton, Prêmio Nobel de Economia 2015 - (Foto: Jewel Samad/AFP)

A epidemia de Aids, que custou a vida de 650.000 americanos depois dos anos 1980, está hoje sob controle. Mas, uma outra hecatombe, ligada desta vez ao álcool, às drogas e aos suicídios, está grassando nos EUA com uma amplitude comparável. É nestes termos que Angus Deaton apresenta suas descobertas publicadas em novembro de 2015 pela Academia Nacional de Ciências dos EUA. 

Não se pode acusar o Prêmio Nobel de Economia de 2015 de tirar proveito de sua aura internacional para "se promover"-- a divulgação do estudo, realizado com sua esposa Anne Case, economista em Princeton, estava programada de longa data. Os autores demonstram que após duas décadas de diminuição de 2% ao ano, a mortalidade dos "americanos brancos não-hispânicos de 45 a 54 anos" recomeçou a crescer em 0,5% a cada ano a partir de 1999 e até 2013 ("Morbidez e mortalidade crescentes na meia-idade entre americanos brancos não-hispânicos no século 21").

A formulação de estatísticas étnicas americanas surpreende à primeira vista um francês. Mas, no caso, ela é essencial nas análises do casal Case-Deaton: o aumento de mortalidade que observaram refere-se exclusivamente aos "brancos não-hispânicos" de idade madura. Essa taxa de mortalidade passou de 371,5 (por 100.000) em 1998 para 415,4 em 2013. Ao contrário, a mortalidade dos hispânicos de mesma idade de mesma idade diminuiu (de 333,2 para 269,6). A queda é ainda mais pronunciada para os negros (796,7 em 1998 para 581,9 em 2013).

Essa sobremortalidade recente atinge indiferentemente homens e mulheres. Ela surpreende ainda mais por ser a única entre os países "ricos". Os dois economistas registram que nos seis países analisados (Austrália, Canadá, Alemanha, França, Reino Unido e Suécia) a mortalidade na faixa etária de 45 a 54 anos continuou a diminuir. Na França, ela passou de 420 mortos (por 100.000) em 1999 para 375 em 2013.

[Eis o gráfico correspondente, no estudo Case-Deaton

Fig. 1 - Mortalidade por todas as causas, na faixa etária de 45-54 anos, para Americanos Brancos Não-Hispânicos (USW), Americanos Hispânicos (USH), e seis países comparativos: França (FRA), Alemanha (GER), Reino Unido (UK), Canadá (CAN), Austrália (AUS) e Suécia (SWE).]

A "epidemia" que dizima os "americanos brancos" após uma quinzena de anos não tem precedentes no outro lado do Atlântico. No máximo, "havia sido observada uma pausa na redução na redução da mortalidade durante os anos 1960, grandemente explicável pela mudanças históricas no tabagismo", lembram os autores. Eles excluem um possível "efeito de geração": "Os americanos nascidos entre 1945 e 1965 não haviam apresentado taxas de mortalidade particularmente elevadas antes de chegar à meia-idade". O corte  entre os decênios 1978-1998, de um lado, e os quinze anos seguintes é incrível. Se a tendência anterior tivesse se prolongado, "488.500 mortes teriam sido evitadas, das quais 54.000 em 2013", calcularam os autores. A hecatombe atual é da mesma ordem que as 650.000 mortes ligadas à Aids que castigou os americanos entre 1981 e 2015, acrescentam eles. 

Os autores frisam que são os primeiros a expor a sobremortalidade dos "americanos brancos não-hispânicos de 45 a 54 anos", sob o risco de irritar seu público com essa denominação refinada. Mas, todo o valor de sua descoberta vem desse luxo de precisão! Assim, os CDC -- os centros de controle e de prevenção de doenças que estabelecem as estatísticas de mortalidade nos EUA, não identificaram o fenômeno "porque sua explicação exige uma decomposição das cifras segundo a idade e a raça"(sic). Desculpem, mas o Nobel de 2015 usa essa expressão! 

"Saúde mental ruim"

Os três males que castigam hoje o americano branco não-hispânico são perfeitamente identificáveis: álcool, drogas, suicídios. Quanto às suas progressões maléficas, elas são igualmente mensuráveis. O casal Case-Deaton chegou a uma estatística macabra -- drogas: 30,1 mortos por 100.000; suicídios: 25,5; álcool: 21,1. Para cada uma dessas três "causas externas" de morte, a maioria branca dos americanos de idade madura exibe de agora em diante resultados mais desfavoráveis que as "minorias" (sic). Ocorria o inverso há quinze anos. Há que se observar entretanto dois fatores de melhora, os óbitos por câncer de pulmão decresceram assim como as mortes ligadas a meios de transporte. Quanto à obesidade, frequentemente apresentada como o flagelo da classe média: "ela não se constituiu em uma ameaça crescente na história recente", avaliam os autores.

Por outro lado, o aumento da mortalidade afeta especificamente as categorias de menor nível de educação, aumentando em 20% em quinze anos  para os americanos que, no melhor dos casos, tem um diploma do curso secundário. Ao contrário, para os diplomados de curso superior sua taxa de mortalidade continuou a diminuir.

Além disso, os americanos estão completamente conscientes de que sua saúde se deteriora: as pessoas de 45-54 anos são quatro vezes mais numerosas a se queixar, nas pesquisas, "de sua saúde mental ruim", e os que se declaram "incapazes de trabalhar" dobraram após quinze anos.

Apesar da riqueza de seu diagnóstico, os autores avaliam "que a deterioração da morbidez e da mortalidade dos americanos brancos não-hispânicos de meia-idade foi apenas parcialmente elucidada". Como explicar os abusos de drogas? O consumo de heroína avançou em 63% por causa do endurecimento no controle dos analgésicos à base de morfina? Da mesma forma, os dois economistas assinalam a degradação debilitante da renda da classe média a partir de 1990, ou a fragilização das aposentadorias ligada às incertezas dos mercados financeiros. Se se abstêm de concluir, eles não falam menos de "geração perdida" a propósito desses americanos de idade madura.

"Habitualmente, quando surge uma nova tendência nos EUA isso é frequentemente (mas não sempre) um presságio do que ocorrerá 10 ou 15 anos mais tarde nas outras economias desenvolvidas. Toda "Schadenfreude" [alegria com a desgraça alheia] seria inoportuna", adverte Eric Chaney, economista-chefe do grupo Axa. Não nos alegremos com os problemasda sociedade americana!

[PS - Quando é que veremos publicado algo pelo menos parecido sobre nossa sociedade?!]


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