domingo, 21 de dezembro de 2014

Empresas americanas vão deitar e rolar com o porto de Mariel em Cuba, construído com financiamento sigiloso do Brasil

A notícia pegou todo mundo de surpresa: EUA e Cuba anunciaram o reatamento de suas relações diplomáticas. Por essa ninguém esperava. As implicações disso são enormes, política e economicamente falando, e as perspectivas para o Brasil não são cor-de-rosa.

Um ponto fundamental na análise dessa mudança de atitudes é o prazo em que se desenrolaram as negociações: americanos e cubanos negociaram durante 18 meses a normalização de suas relações. Ou seja, os dois lados conversam sobre isso desde junho do ano passado.

A partir de agora, Cuba deixa de ser território proibido para as empresas americanas e paraíso exclusivo para empresas espanholas, chinesas, brasileiras, etc. O estado americano da Flórida está a apenas cerca de 160 km de Cuba. Com um PIB de cerca de US$ 800 bilhões -- mais de um terço do PIB brasileiro -- a Flórida é uma potência econômica, maior que países como Turquia, Holanda, Arábia Saudita, Suécia, Irã e outros. Em 2014, o PIB da Flórida cresceu mais que o PIB americano

Cuba é para a Flórida um mercado mais próximo que a grossa maioria dos demais estados americanos. Os benefícios do moderníssimo porto de Mariel para os EUA em geral, e para a Flórida em particular, são incomensuráveis. Orçado em US$ 957 milhões, dos quais US$ 682 milhões (71%) financiados em termos sigilosos pelo BNDES, Mariel vem sendo construído pela Oderbrecht desde 2010 e teve sua primeira fase inaugurada em janeiro deste ano de 2014. Os americanos ficarão superagradecidos ao Brasil. As empresas americanas certamente serão imbatíveis em preços para o mercado cubano, e o porto de Mariel será importantíssimo para isso. Só no arroz por exemplo, cuja qualidade é semelhante à do nosso, o frete médio dos EUA para Cuba é 60% inferior ao do Brasil para a ilha.

Vejamos agora a cronologia dos fatos. Seis meses antes da inauguração da primeira fase do porto de Mariel os cubanos iniciaram sua negociações de reatamento com os americanos, sabendo portanto desde então do aumento enorme da importância estratégica do porto de Mariel nesse contexto. Como praticamente todo mundo, o Brasil foi deixado à margem desses entendimentos. 

A publicação Carta Capital, de Mino Carta,  divulga uma leitura peculiar do financiamento do porto de Mariel pelo Brasil feita pela FGV (Fundação Getulio Vargas). Diz ela que "O polêmico projeto do Porto de Mariel, em Cuba, indica que o Brasil estava prevendo o fim do isolamento imposto pelos Estados Unidos à ilha comunista e o relaxamento do embargo econômico, afirmaram especialistas ouvidos pela DW Brasil no início deste ano". (...) "O Porto de Mariel é visto como uma maneira de se antecipar aos investidores americanos", disse Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV, na ocasião da inauguração do porto, em janeiro. O megaprojeto contou com financiamento do BNDES, e a presidente brasileira, Dilma Rousseff, foi à Cuba para a abertura da primeira parte do empreendimento".

Como as condições do financiamento do BNDES tornaram-se secretas, por determinação de Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saia), ninguém fora dos governos cubano e brasileiro sabe em que condições isso foi feito e quais são efetivamente os compromissos assumidos pelo governo cubano e os direitos do lado brasileiro. O sigilo imposto ao contrato impede também que se saiba, fora dos círculos restritos citados, se Cuba estará honrando ou não tais compromissos.  

Ninguém tem, portanto, a mínima condição de afirmar que o financiamento e a construção de Mariel foram ou são vantajosos para o Brasil. Isso de "antecipar-se aos investimentos americanos" não vale nada, a menos que se divulguem abertamente as eventuais vantagens que o Brasil terá no uso do porto por tê-lo financiado com dinheiro público em nível tão elevado. O fato inconteste é que nossos concorrentes americanos, comprovadamente muitíssimo mais eficientes que nós, terão um porto moderníssimo "made by Brazil" à sua disposição, a 160 km de sua costa, para desovar tudo de bom de que os cubanos mais necessitam. Com a enorme presença cubana em solo americano, nem toda ela de inimigos do regime cubano, tudo conspira para que os americanos façam uma enorme "American Pie" no fogão verde-amarelo de Mariel. Se o Brasil conseguir algumas migalhas, poderá ser um milagre.

Vejam um quadro resumo do comércio Brasil - Cuba feito pelo jornal gaúcho Zero Hora [daí a inclusão do Rio Grande do Sul (RS) nas estatísticas] - clique na imagem se quiser ampliá-la. Vê-se que, mesmo com o embargo americano, a importação cubana dos EUA vale quase 81% da correspondente do Brasil. Observa-se também a grande importância da China e da Espanha para Cuba hoje. O fato de um país europeu em dificuldades como a Espanha exportar para Cuba 66% mais que o Brasil demonstra nossa incompetência também no mercado cubano. Em 50 anos de embargo americano não soubemos conquistar um mercado cativo em Cuba, e a nossa pauta de exportações para os cubanos resume-se a commodities.



Obama enfrentará sérias dificuldades em 2015 para ter esse reatamento de relações plenamente aprovado pelo Congresso americano, que terá as duas Casas amplamente dominada pelos republicanos. Mas, creio que prevalecerá o pragmatismo dos americanos. O reatamento, além dos enormes dividendos políticos na região, trará inequívocos benefícios econômicos para a indústria e a agricultura americanas.

O The New York Times, o respeitável e respeitado formador de opinião nos EUA, já em outubro passado (11/10) defendia em editorial o fim do embargo sobre Cuba e afirmava que, pela primeira vez em 50 anos mudanças políticas nos EUA e mudanças de atitudes em Cuba, se tornava politicamente viável restabelecer relações diplomáticas formais entre os dois países e o término do embargo desprovido de sentido. Após a histórica decisão de Obama, o mesmo jornal em 17 de dezembro voltou a defender enfaticamente a decisão democrata.

Ainda é cedo para se ter uma ideia da real dimensão e extensão do impacto do reatamento EUA-Cuba na América Latina, em termos geopolíticos e econômicos, mas seria prudente o Brasil pensar seriamente sobre isso porque nada será mais como antes em Cuba.





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