sábado, 13 de dezembro de 2014

Comissão Nacional da Verdade Parcial

O país está ainda sob o impacto do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV). O nome dessa Comissão já é algo maroto, porque a "Verdade" de seu nome só indicia e pune um dos lados, embora o pano de fundo dos fatos analisados envolvesse um conflito armado de ambos os lados. E o lado omitido no relatório não foi absolutamente passivo, muito menos inofensivo. No seu acervo há igualmente crimes inteira e perfeitamente tipificados no nosso Código Penal, incluindo assaltos a bancos e outras instituições, sequestros e assassinatos. E entre suas vítimas não estavam apenas militares -- que a Comissão acabou transformando em vítimas que mereceram ser mortas ou justificáveis, porque seus assassinos sequer foram indiciados como tais -- mas também civis inocentes. Okay, guerra é guerra para todos os fins e consequências -- mas para todos os combatentes, não apenas para um dos lados.

O que o Estado fez, através dos militares, foi de uma violência e de uma barbárie absurdas e inadmissíveis e tem que, certamente, ser exemplarmente punido com o máximo rigor permitido na legislação pertinente. Isso é indubitável. O silêncio absoluto dos ministros militares com relação aos reiterados crimes contra a humanidade perpretados por parte de suas tropas na ditadura é uma afronta ao país. 

Igualmente inadmissível, porém, é a santificação do lado guerrilheiro, que sob a ótica da tal Comissão passou a ser composto apenas de anjinhos e inocentes, que pretendiam "salvar" a pátria e dar-lhe um destino que oscilava -- na melhor das hipóteses -- entre algo bastante questionável, até pela pouca maturidade dos salvadores da pátria, e opção(ões) absolutamente inaceitável(is) em termos de ideologia e democracia.

Entre os crimes dos guerrilheiros urbanos no país consta, por exemplo, o assassinato de três guardas do sistema de segurança da Casa de Saúde Doutor Eiras, em Botafogo, em 02/9/1971 por membros da Aliança Libertadora Nacional (ALN), que tentavam assaltar 0 carro-forte que levava o pagamento dos empregados. O que de especialmente atenuante tem esse crime para não merecer sequer a investigação pela CNV? Esse tipo de assassinato é aceitável porque feito sem tortura?! E as vítimas, são cidadãos inferiores aos guerrilheiros protegidos pela CNV?! O fato da presidente ser ex-guerrilheira e de seu governo contar com ex-guerrilheiros deita sombrias suspeitas sobre esse tratamento diferenciado a esse pessoal.

O governo, por vias diretas e indiretas -- e aí se inclui a CNV -- resolveu não apenas proteger os guerrilheiros contra qualquer investigação, como se fossem seres puros e etéreos, como também resolveu premiar vários deles pecuniariamente, em alguns casos régia e absurdamente. José Genoíno recebeu R$ 100.000,00 (cem mil reais) de "indenização" (?!) do governo, uma merreca comparada com vários outros "mártires", que combateram com armas ou com canetas -- como Ziraldo e Jaguar, cada um agraciado com R$ 1 milhão. A lista dos 10 mais da anistia mostra cidadãos que ganharam mais que o dobro disso, como o advogado José Carlos da Silva Arouca que foi agraciado com R$ 2.978.185,15 de indenização e recebe R$ 15,6 mil de pensão mensal.

Como o governo e a CNV explicam essas aberrações?! Por que guerrilheiros que sequestraram, assaltaram e mataram são absolutamente poupados de qualquer investigação e, ainda por cima, recebem polpudas "indenizações"?! "Indenização" a troco de quê?! Porque resolveram brincar de bangue-bangue, "num arroubo da juventude"?! Porque tinham carta branca, dada não se sabe por quem -- a posteriori -- para assaltar, sequestrar e matar?!

Membros das forças armadas -- excluídos os torturadores -- foram mortos por guerrilheiros. É facílimo entender a revolta de seus familiares, vendo os guerrilheiros poupados até de simples investigações e vários sendo fartamente recompensados financeiramente, enquanto aqueles que os combatiam por força de ofício e hierarquia são execrados pelo governo, pela CNV e por parte da opinião pública. A mesma revolta é perfeitamente compreensível e justificável nas famílias das três vítimas civis assassinadas por membros da ALN, citadas acima.

Ninguém me convence de que a Lei da Anistia não é um cacareco, uma espécie de Macunaíma de nossa legislação, um peixe cheio de espinhas empurrado pelas Forças Armadas goela adentro do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal). Ela é basicamente um cala-boca imposto pelos militares. Quem quiser saber um pouco mais sobre ela, veja postagem anterior. Com ela, e por causa dela, militares reconhecida e comprovadamente responsáveis por crimes contra a humanidade, imprescritíveis aqui e na Conchinchina, são oficialmente declarados e reconhecidos como impunes. Uma aberração, p'ra dizer o mínimo.

As loas feitas ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV) mostram que o povo brasileiro continua adorando ser enganado e é fissurado em meias-solas. É inaceitável que uma Comissão com esse nome - e que custou dinheiro ao país -- queira oficializar a farsa de que o período da ditadura e das guerrilhas urbana e rural foi protagonizado, do ponto de vista do desapego à vida humana de terceiros, exclusivamente por militares e que do lado guerrilheiro só tinha seres puros e inocentes. Uma das (péssimas) lições que o governo e a CNV nos deixam é que o dinheiro do contribuinte foi e tem sido abusivamente utilizado para criar estereótipos de bandidos e mocinhos, com total desprezo e omissão à história no que diz respeito aos "mocinhos". 

A única coisa que o governo conseguiu foi confirmar como mercenários ex-guerrilheiros que até então eram considerados idealistas -- e aceitando propinas disfarçadas de "indenizações" esses falsos mocinhos jogaram fora suas máscaras de idealistas e democratas e escancararam seu verdadeiro perfil. Mas deixar seus crimes longe do braço da lei é um segundo absurdo inadmissível. Que a CNV faça um serviço completo e investigue, com o mesmo afinco e a mesma profundidade com que apurou os crimes dos militares, os abusos contra pessoas cometidos pelos guerrilheiros.
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PS -- Em sua coluna de 13/12 no Globo ("Começar de novo"), Merval Pereira reproduz comentário que lhe foi enviado pelo professor Nelson Franco Jobim, especialista em política internacional: 

“A verdadeira Comissão da Verdade e da Reconciliação Nacional foi a da África do Sul, onde os dois lados foram ouvidos, inclusive o presidente Nelson Mandela, interrogado pelo arcebispo Desmond Tutu.

Para ter direito a anistia, quem cometeu crimes teve de confessá-los e de pedir perdão às vítimas e seus descendentes e à sociedade sul-africana. Houve declarações como "eu acreditava que meu povo, minha cultura e modo de vida estavam ameaçados, por isso ataquei uma escola para crianças negras" ou "eu estava certo de que a libertação do meu povo exigia a morte dos brancos", seguidas de pedidos de desculpas.
No Brasil, com raras exceções, ninguém se arrependeu de nada, cada lado ainda hoje convencido de que agiu corretamente".



Os responsáveis pela engenhoca da nossa Lei de Anistia, fardados e civis, certamente não analisaram o exemplo da Comissão da Verdade sul-africana -- ou então o fizeram, e se lixaram.

3 comentários:

  1. Recebido por email de César Cantu em 14/12:

    Meu caro,

    Parece que está havendo alguma confusão com relação ao papel da Comissão da Verdade.
    Essas comissões, com nomes diferenciados, existem em todo o mundo com base em dispositivo dos Direitos Humanos da ONU, e visam identificar, investigar os crimes contra a humanidade praticados por agentes do estado, julgá-los e condená-los, ou inocentá-los. Os crimes cometidos pelos cidadãos comuns em cada estado estão sujeitos ao sistema jurídico do próprio estado, e não às comissões de verdade. Todos os cidadãos “criminosos” que atuaram contra a ditadura foram presos, julgados e condenados (ou mortos) pelo STM – Supremo Tribunal Militar. Os que escaparam, foram anistiados pela Lei da Anistia, já que não tinham cometidos crimes contra a humanidade (A lei da anistia não tem poder para anistiar crimes contra a humanidade).
    A “Comissão da Verdade” mais antiga e famosa, e que ainda está ativa, é a que foi constituída para tratar dos casos de crimes contra a humanidade contra os judeus. Na América Latina, elas existiram em todos os países que passaram por ditaduras, os criminosos contra a humanidade foram julgados e condenados. O único país que não condenou foi o Brasil.

    César

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  2. Comentário e César Cantu recebido por email em 14/12:

    Os meus comentários abaixo foram em cima dos seus. Não sei se ficou claro, os crimes cometidos pelos cidadãos “criminosos” que se insurgiram contra a ditadura, foram julgados pelo STM. Os que não foram, foram anistiados, já que os crimes cometidos por eles não se enquadravam em crimes contra a humanidade. Os que cometeram crimes contra a humanidade, os militares, não haviam sido julgados e, por isso, estavam sujeitos à Comissão da Verdade.

    Um tema muito recorrente relacionado, e que poderia ser tratado no seu blog, é o “direito à resistência” – previsto nos ordenamentos jurídicos internacionais. Vale a pena divulgar mais essa questão, objetivamente pouco divulgada.

    César

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  3. O único julgamento dos terroristas que vi até agora foi conceder-lhes uma baita indenização e uma bela aposentadoria por terem pegado em armas a revelia do povo brasileiro, e no seu único e exclusivo interesse (implantar uma ditadura do proletário), o que ocasionou prolongar a duração do regime militar para poder combate-los..

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