sexta-feira, 4 de julho de 2014

Ministério da Cultura financia deturpação de texto de Machado de Assis

[Ao ler que a escritora Nélida Piñon dedicou a Machado de Assis seu livro a ser publicado, lembrei-me de uma coluna de Lya Luft na Veja sobre um atentado que o governo Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saias) está financiando contra esse nosso escritor maior. Nunca fui entusiasta da escritora Lya Luft. Nunca li um livro seu e leio pouco sua coluna na Veja, acho seu texto muitas vezes um misto de pieguice e muita água com açúcar e, às vezes, até meio deprê. Mas, gostei de sua coluna na Veja da semana de 17 a 23/5 e por isso reproduzo-a a seguir -- ele, infelizmente, não está disponível no site da revista, só para os assinantes da versão impressa.

Lya manifesta-se contra a iniciativa de uma escritora (?) Patricia Secco de lançar versões "adaptadas" do conto 'O Alienista", de Machado de Assis, e do romance 'A Pata da Gazela' de José de Alencar, com o objetivo de "tornar clássicos da literatura brasileira mais acessíveis para quem não tem o hábito de ler". Estou com Lya. Acho essa ideia uma idiotice requintada, não importam suas boas intenções. A tal "adaptadora" irá reescrever trechos e substituir palavras da época por dizeres e termos de hoje. Num debate que vi na TV sobre isso, havia um professor de literatura da UFRJ, se não me engano, furibundo com a iniciativa e citando como exemplo que a palavra "sagacidade" do original machadiano seria substituída por "esperteza" no texto "adaptado" da Patricia. Como bem dizia ele, quem dá a "sagacidade" o sinônimo de "esperteza" -- especialmente nos tempos atuais, em que esperteza é bem outra coisa -- não está adaptando nada, está é deformando e deturpando um texto clássico da nossa literatura. E o pior é que o Ministério da Cultura financia parte desse monstrengo. Isso prova, à soberba, que de um ministério comandado por Marta 'Botox' Suplicy -- autora do famoso "relaxa e goza" -- só se pode esperar mesmo adubo orgânico, de cheiro que ofende nosso olfato.

Palavras da época em desuso hoje não foram eliminadas dos bons dicionários -- eis uma bela oportunidade de introduzir os órfãos de leitura no mundo maravilhoso de um dicionário. Aí vai o texto de Lya Luft. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Aulas de mediocridade

Lya Luft -- Veja (17 a 23/5)

A velha história: a gente pensa que viu tudo, mas novamente um desses choques que me fazem pensar num engano, não pode ser, vou ler de novo. Era verdade: um projeto já em execução, financiado em parte pelo Ministério da Cultura, banca a edição de centenas de milhares de livros de autores clássicos brasileiros "facilitados", começando com Machado de Assis. Facilitados para quem? Para o leitor ignorante, é claro, despossuído da inteligência necessária ou da necessária educação para ler esse autor, o primeiro a sofrer tão abominável mutilação. Troca de vocábulos e talvez frases inteiras, em suma, reescrevem Machado; portanto, o que for lido não será ele. Inútil trabalho, gasto inútil, logro do leitor, o livro não será de Machado de Assis.

Volto, pois, ao meu velho tema: a mediocrização paulatina e permanente de tantos setores do Brasil. Desta vez, em lugar de elevar o nível do nosso ensino, em todos os graus, há um triste esforço para reduzir tudo ao mais elementar, ao mais primário. Alunos saem das primeiras séries muitas vezes sem saber ler nem escrever direito; assim passam pelo 2° grau, em que é preciso esforço para ser reprovado. Acho que nem se usa mais esse termo, para não traumatizar os alunos com bobagens como essa; aliás, eliminam-se punições inclusive nos casos mais sérios, reprovações, até mesmo notas. Tudo transcorre de mansinho, com alunos iludidos, pais e professores perplexos, e a ideia de que a vida deve ser um jardim de infância.

Alguns chegam à universidade via Enem, sempre confuso, via cotas de toda sorte que considero humilhantes e irreais, pois reforçam o preconceito: você tem preferência não por ter estudado, por ter preparo, mas por sua raça, sua origem, seu nível econômico. Por ter lido um falso autor brasileiro clássico?

Jovens universitários não conhecem ortografia, e pior: não conseguem exprimir com simplicidade e correção seus pensamentos porque em geral nem os têm. Desabituados à argumentação e ao questionamento, ao esforço por aprender, a horas e horas em cima dos livros (desabituados de livros, aliás) ou de reais pesquisas na internet quando têm computador (não se iludam quanto à posse generalizada de notebooks), jovens entram e saem da universidade com quase igual despreparo. Os bons alunos se queixam do baixo nível, da falta de professores, de material, de instalações adequadas. Os outros, sem culpa alguma pelos erros do sistema, acabam exercendo sua profissão do jeito que conseguem. Doentes mal diagnosticados e erradamente tratados, construções rachadas e erodidas, estradas mal asfaltadas, pesquisas frustradas, e frustração dos outros que, por esforço e muito estiudo, procuram níveis de excelência para si e para o país.

É impossível uma pessoa simples ouvir e apreciar um concerto de música clássica? Engano. Pode não conhecer a biografia do compositor, o uso dos instrumentos, a elaboração das partituras, mas a música a atingirá porque os simples têm emoções,delicadeza,sentimento e gosto pelo belo. Pessoas simples, ou jovens, até crianças, conseguem de maneira surpreendente curtir bons quadros e esculturas,mesmo sem ser especialistas em artes. Não é preciso conhecer teoria para enxergar beleza, harmonia ou qualquer sugestão de um objeto de arte: a arte pode ser democrática sem ser distorcida ou facilitada. Para ler um romance de Machado, não é preciso ser um gênio nem é necessário traduszir os termos ou frases mais difíceis para um linguajar coloquial: basta colocar no fim do livro, como já vi ser feito, um conjunto de verbetes explicando os termos menos usados, como num minúsculo dicionário. O leitor aprende, cresce, instrui-se, e, mesmo que não vire leitor dos clássicos. terá uma ideia do que o país já produziu nesse sentido.

Mas não damos ao nosso aluno esse privilégio: se for possível, se tal projeto já aprovado e financiado pelo Ministério da Cultura se afirmar, o culto à mediocridade, que impera, vai ter feito mais um gol de vitória. Mas, afinal, é a Copa.

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[Já que o tema é Machado de Assis, uma das vítimas escolhidas pela predadora Patricia Secco em seu projeto de esculhambar e deturpar clássicos da literatura brasileira, recomendo fortemente a leitura de "Papéis avulsos", de Machado de Assis, em excelente edição da Penguin & Companhia das Letras (2010). Entre histórias de primeiro quilate do autor, o livro contém o genial "O alienista", a primeira vítima machadiana do assassinato literário planejado por Patricia.]

Um comentário:

  1. Tivesse o povo sido adequadamente alfabetizado e não haveria problemas em ler Machado ou Alencar. O próprio fato de usarem vocabulário extenso faz parte do jogo do aprendizado. Mesmo sendo boa a presença de um glossário, o ato de consultar rotineiramente um dicionário deve ser incentivado. E, mais que vocabulário, seria importante haver notas sobre a época, seus costumes, etc..
    E certamente é tudo uma asneira. Qualquer "simplificação" de tais textos só tende a torna-lo de pior qualidade. Este tipo de asneira foi praticado na Inglaterra e era adotado, por exemplo, ma Cultura Inglesa, aqui no Brasil.Se eu não fosse já chegado às leituras, jamais teria usufruído da fantástica literatura de língua inglesa.

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