O primeiro impacto me veio com a leitura da coluna de Marcelo Leite publicada neste domingo 01/6 na Folha de S. Paulo, com o título "O melhor amigo da próstata". O autor começa abordando o fenômeno do faro dos cães, cujos focinhos possuem 220 milhões de células olfativas, contra os 50 milhões do nariz humano -- por isso, há muito são utilizados em missões de busca e resgate. Em seguida, para atestar essa incrível capacidade olfativa dos cães, ele menciona uma reportagem do site Bloomberg de 19/5 que informa que o focinho de cães treinados tem farejado câncer com uma precisão de mais de 90%.
O site americano menciona o caso da cadela Tsunami, um pastor alemão. Pesquisadores da Universidade da Pennsylvania afirmam que ela tem mais de 90% de precisão na detecção do cheiro de câncer ovariano em amostras de tecidos, abrindo uma nova perspectiva para uma doença para a qual não existe exame eficiente para deteção precoce e que mata 14.500 americanas por ano. O caso de Tsunami está na esteira de um conjunto crescente de evidências que dão suporte ao possível uso de cães por médicos. O maior estudo já feito sobre cães farejadores de câncer verificou que eles podem detectar câncer de próstata com 98% de precisão, cheirando amostras de urina. Pelo menos uma aplicação está aguardando aprovação dos EUA para um kit que usa amostra da respiração para detetar câncer de mama.
O cão detector de câncer McBaine é treinado para farejar os odores que identificam que uma mulher tem câncer de ovário, uma doença que não dispõe de exame eficiente para sua detecção precoce. - (Foto: Escola de Veterinária da Universidade da Pennsylvania).
"Nosso estudo demonstra que o uso de cães pode representar no futuro uma oportunidade clínica real, se feito em conjunto com ferramentas de diagnóstico comuns", disse Gian Luigi Taverna, o autor da pesquisa de câncer de próstata apresentada em 18/5 na Associação Urológica Americana, em Boston.
Enquanto estudos menores têm mostrado há tempo que cães podem farejar várias doenças, tem despertado ceticismo a questão de seu uso em larga escala na detecção de doenças. Há questionamentos pendentes sobre se há uma raça de cão melhor que outra para esse fim, como sistematizar seu uso e a viabilidade financeira de qualquer sistema como esse. Como consequência, a maior parte das pesquisas em andamento busca como copiar e reproduzir a capacidade canina de farejar doenças, seja através de um equipamento ou de um teste químico.
"Método reproduzível"
"Nosso método padrão é reproduzível, é de baixo custo e não é invasivo nem para os pacientes nem para os cães", disse por email Taverna, chefe de patologia urológica do Instituto Clínico Humanitas em Rozzano, Itália.
Taverna testou a capacidade de dois cães treinados profissionalmente para a detecção de explosivos, Zoe e Liu, em 677 casos para avaliar sua precisão, de acordo com seu paper. O próximo passo, de acordo com Taverna, será estender a pesquisa a subgrupos de câncer de próstata e outras malignidades urológicas.
Taverna disse que os resultados podem um dia ser utilizados para ajudar a desenvolver um nariz eletrônico que replique o dom da natureza no focinho dos cães. A descoberta de Taverna surge num momento em que o exame de PSA para diagnóstico de câncer de próstata tem sido questionado como não suficientemente preciso, com falsos positivos gerando tratamento desnecessário.
Em 2012, a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA -- que se reporta ao Congresso americano para assuntos médicos -- recomendou que homens saudáveis não deveriam ser examinados para câncer de próstata usando o exame de PSA, depois que uma pesquisa mostrou que a taxa de falsos positivos em homens assim examinados pode chegar a 80%. O exame mede a quantidade de uma proteína produzida pelas células da próstata chamada antígeno prostático específico (PSA, na sigla inglesa).
Compostos voláteis
Quando farejam à busca de câncer, os cães estão detectando os produtos químicos emitidos por um tumor. Esses produtos são denominados compostos orgânicos voláteis (VOC, na sigla inglesa) e têm sido encontrados na respiração de pacientes com câncer de pulmão e câncer de cólon, assim como na urina de portadores de câncer de próstata. As descobertas mais recentes têm gerado um interesse cada vez maior em pesquisas sobre detecção de câncer por cães, incluindo esforços para desenvolver dispositivos que possam imitar o
sofisticado sistema olfativo dos cães.
Dina Zaphiris, uma treinadora de cães reconhecida nacionalmente nos EUA que trabalha com esses animais em estudos financiados pelo governo federal para a detecção precoce de câncer em seres humanos, está liderando a pressão para que a Administração para Alimentos e Medicamentos dos EUA (a FDA) libere para atendimentos de saúde um sistema que usaria o talento olfativo único dos cães. Em 2009 Zaphiris, uma treinadora de cães com 25 anos de experiência com curso em biologia e uma extensa lista de celebriudades como clientes, criou a Fundação In Situ, uma organização sem fins lucrativos que treina cães farejadores de câncer e realiza pesquisas nessa área.
"Alerta precoce"
A organização de Zaphiris está no processo de submeter à FDA um requerimento de aprovação de um kit de detecção canina de odores médicos. No seu método, pacientes exalam através de um tubo sobre um tecido que captura moléculas, ou VOCs, de uma malignidade. Cães treinados farejariam então o tecido para detetar sua presença.
O farejo pelo cão seria um "teste de alerta precoce", disse ela, possivelmente usado em conjunto com uma mamografia para revisão de resultados antes de realizar uma biópsia. "Vocês deveriam ver", disse Zaphiris, "a quantidade de emails que recebo dizendo "tenho uma uma mamografia que não está muito clara e não sei se quero fazer uma biópsia, poderia então ter cães farejando minha respiração?".
O interesse de Zaphiris pelo tema começou em 2003, quando trabalhou com um grupo de pesquisas para detecção de câncer de mama e de pulmão. Um artigo sobre esse estudo, publicado em 2006 no Journal of Integrative Cancer Therapies, verificou que cães poderiam detetar tumores pulmonares com 99% de sensibilidade e 99% de especificidade; para tumores de mama os resultados foram 88% e 98%, respectivamente.
Período de treinamento
Agora, Zaphiris está trabalhando com Jeffrey Marks, um professor-assistente de cirurgia e patologia na Duke University para treinar cães para detetar câncer de mama, disse ela. São necessárias cerca de seis semanas para treinar um cão para um estudo, e Zaphiris diz que usualmente treina um novo grupo de cães para cada estudo em suas instalações de 3 acres [pouco mais de 12.000 m²] em West Hills, Califórnia.
Zaphiris não está sozinha em sua busca pelo envolvimento de cães em atendimento médico. Na Escola de Medicina Veterinária da Universidade da Pennsylvania, pesquisadores estudam se cães podem detetar câncer de ovário em amostras de tecidos e sangue. Se isso for possível, será um avanço para uma doença difícil. "Estamos tentando uma abordagem multifacetada", incluindo os cães e trabalhos de laboratório, "para verificar se existe algum aspecto específico (uma "assinatura") no sangue de mulheres portadoras de câncer de ovário, de modo que possamos desenvolver um sistema de detecção", disse Cindy Otto, diretora do Centro de Trabalho Veterinário com Cães da universidade, em Filadélfia. "Estamos usandocães porque sabemos que eles são muito mais sensíveis do que qualquer de nossas técnicas químicas".
O objetivo da pesquisa é, um dia, produzir um novo sistema de diagnóstico ou de sensor eletrônico que possa detetar a assinatura do odor do câncer de ovário, disse Cindy.
Amostras de sangue
O projeto, que começou no ano passado, está focado agora no treinamento de cães usando amostras de tecido tanto de ovários com câncer quanto de ovários com doença benigna. Embora os três cães da pesquisa tenham aprendido a reconhecer amostras cancerosas, os pesquisadores recentemente se voltaram para estudar a reação dos cães a amostras de sangue, por causa da falta de tecido.
A pastora alemã Tsunami, que recebeu este nome devido à sua tendência de vir feliz ao encontro da gente quando menos se espera, tem sido particularmente exitosa desde cedo em seu treinamento, segundo Cindy. Quando está trabalhando, ela se transforma em um animal quieto e pensativo. Ela trabalha muito devagar, rodeando uma roda contendo blocos de amostras. Ela fareja, para e pensa, diz Cindy. Quando ela identifica câncer, ela se senta -- esse é o sinal. "Ela é muito séria com relação a isso tudo", diz Cindy.
Nariz eletrônico
O trabalho de pesquisa na universidade é uma cooperação entre químicos, médicos e físicos, com foco básico no desenvolvimento de um "nariz eletrônico" que repita a capacidade de um cão para detetar doenças. Cindy disse que não acha que seja prático usar cães em uma instalação clínica. "O desafio é a despesa", disse ela. "Se você estiver pensando em examinar cada mulher dos 25 aos 90, isso representa um bocado de amostras".
Zaphiris disse que o sistema médico não deveria ficar esperando pelo desenvolvimento de uma tecnologia que possa detetar câncer com a precisão de um cão. O objetivo dela é abrir centros de detecção de odores por cães, que tornarão seus cães disponíveis para além de seu uso apenas para pesquisas. "Se houver uma máquina tão precisa quanto um cão, eu digo use-a", disse Zaphiris. "Não é nada prático esperar até que as máquinas cheguem a esse ponto".
Para contatar a repórter sobre esta história: Angela em Boston em azimm@bloomberg.net
Para contatar os editores responsáveis por esta história: Reg Gale em azimm@bloomberg.net
O primeiro impacto me veio com a coluna de Marcelo Leite na Folha de S. Paulo deste domingo 01/6, com o título "O melhor amigo da próstata". O autor começa comentando o fenômeno do faro dos cães, cujos focinho
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