O artigo que tentei resumir abaixo, um longo texto do The Washington Post, aborda um assunto interessante e polêmico que, acredito, não demorará muito a ensaiar seus primeiros passos por aqui: o do ensino virtual para crianças em suas próprias casas. É curioso observar que toda a argumentação apresentada contra tais escolas, nos EUA, resume-se à eficiência desse tipo de ensino e a razoabilidade ou não de seu custo, mas ninguém se preocupou com a perda de nível de socialização que esse tipo de educação acarreta para as crianças que o adotam.
Uma companhia da Virginia (EUA) que lidera um movimento nacional para substituir salas de aula por computadores -- em que crianças de até 5 anos podem aprender em casa às custas do contribuinte --
está enfrentando uma forte reação de críticos, que estão questionando seu financiamento, sua qualidade, e seus equívocos.
K12 Inc. of Herndon tornou-se o maior provedor no país de escolas virtuais de tempo integral, subvertendo o tradicional conceito americano de que aprendizado se faz na escola, onde os estudantes compartilham experiência. Nas escolas da K12, o aprendizado é basicamente solitário, com aulas dadas online para uma criança que progride na sua própria velocidade.
Concebida como uma maneira de ensinar a um pequeno segmento dos que
têm a escola em casa, e de outros que necessitam de uma escolarização flexível, a educação virtual tem evoluído para tornar-se uma alternativa a escolas públicas tradicionais para uma faixa crescentemente mais ampla de estudantes -- altamente bem sucedidos, batalhadores, desligados [de escolas], pais de adolescentes, e vítimas de perseguição (
bullying), entre eles.
"Para muitas crianças, a escola local não funciona", disse Ronald J. Packard, principal executivo e fundador da K12. "E agora, a tecnologia nos permite dar uma opção a essas crianças. Trata-se de liberdade educacional". Packard e outros empreendedores da educação dizem que estão tirando proveito da tecnologia para fornecer educação de qualidade para qualquer criança, onde quer que ela esteja.
É uma proposta atraente, que tem angariado apoio de assembleias legislativas estaduais, inclusive na de Virginia. Mas, em um dos mais aguerridos fronts de política pública, há um
crescente coro de críticos, que argumenta que o aprendizado virtual de tempo integral não educa efetivamente as crianças.
"Crianças de jardins de infância aprendendo em frente a um monitor -- isto simplesmente está errado", disse Maryelen Calderwood, um membro eleito de um comitê escolar em Greenfield, Mass., que tentou sem êxito fazer com que a K12 parasse de contratar gente na sua comunidade para criar a primeira escola pública virtual da Nova Inglaterra no ano passado. "É absolutamente impressionante como as pessoas podem aceitar isso tão facilmente", disse ela.
Pessoas de ambos os lados concordam em que a estrutura que provê educação pública não está projetada para manejar com escolas virtuais. Como, por exemplo, você paga por uma escola que "flutua" no ciberespaço, quando as fórmulas de financiamento da educação têm suas raízes na geografia de impostos de propriedade? Como você supervisiona e controla a qualidade de uma educação virtual?
"Há um completo desencontro", disse Chester E. Finn Jr., presidente do Instituto Thomas B. Fordham [uma "usina de ideias" (
think tank) conservadora], que atuou no comitê de administração da K12 até 2007. "Temos um edicício do século 19 tentando abrigar um sistema do século 21".
Apesar das divergências, as escolas virtuais de tempo integral estão proliferando. Nos últimos dois anos, mais de uma dúzia de estados aprovaram leis e removeram obstáculos para encorajar as escolas virtuais. E provedores de educação virtual têm defendido sua casa em sedes estaduais de governo pelo país afora.
A K12 contratou lobistas de Boise [capital do Estado de Idaho, no NO dos EUA] a Boston [capital do Estado de Massachusetts, no leste dos EUA], e apoiou políticos que apoiam a escolha de escola em geral e a educação virtual em particular. De 2004 a 2009, a K12 doou cerca de 500.000 dólares a políticos estaduais através do país, com 75% disso destinados aos republicanos, de acordo com o Instituto Nacional sobre Dinheiro em Política Estadual (
National Institute on Money in State Politics).
Cerca de 250.000 estudantes estão matriculados em escolas virtuais de tempo integral em 30 Estados, de acordo com Susan Patrick, da Associação Internacional de Aprendizado Online da K12, uma associação de comércio. Embora isso seja apenas uma fração dos 50 milhões de crianças escolares do país, os números estão crescendo rapidamente, disse Patrick.
O negócio da K12 é promissor. No ano fiscal passado, ela ganhou 522 milhões de dólares, um aumento de 36% em relação ao ano anterior. Sua receita líquida, após uma série de aquisições, foi de 12,8 milhões de dólares. Packard ganhou 2,6 milhões de dólares em compensações totais.
Para Tyler Hirata, de 8 anos, ir para a escola significava acordar às 6 da manhã e montar num ônibus escolar. Agora, ele estica o sono até o meio da manhã e desce para o seu computador em sua casa em Dumfries, na Escócia. "É fantástico", diz Tyler, que estudava na escola do condado de Príncipe William e neste outono matriculou-se na Academia Virtual da Virginia -- uma instituição pública administrada pela K12 e aberta a qualquer estudante da comunidade britânica. Tyler diz que a melhor coisa de fazer o terceiro grau online é que lhe exige menos de três horas por dia. Sua mãe está entusiasmada com o fato de que ele, pela primeira vez, está lendo com desembaraço por iniciativa própria.
Professores monitoram o progresso do aluno, dão nota ao seu trabalho e respondem a perguntas por e-mail ou telefone. Eles trabalham em casa, normalmente não são sindicalizados, e ganham até 35% menos que seus equivalentes em escolas notmais, de acordo com entrevistas com ex-professores da K12.
As escolas virtuais continuam a expandir-se, mas sua eficiência no entanto não é clara, cristalina. "Não temos evidência real, palpável, num sentido ou no outro", disse Tom Loveless, um especialista da Brookings Institution que atuou como um consultor remunerado da K12 nos primeiros anos desta. Uma análise feita em 2009 pelo Departamento de Educação dos EUA concluiu que não havia pesquisa suficiente para tirar conclusões sobre como o programa oferecido para estudantes dos ciclos elementar/primário e secundário das escolas virtuais é comparável com o das salas de aula.
Com base em avaliações largamente utilizadas para julgar as escolas públicas, tais como resultados de exames e taxas de graduação [finalização dos estudos] estaduais, as escolas virtuais -- geralmente administradas como as escolas fretadas -- tendem a ter um desempenho pior que as suas equivalentes de tijolo e argamassa. Na Academia Virtual do Colorado, que é administrada pela K12 e tem mais de 5.000 alunos, a chamada taxa de conclusão de estudos "on-time" foi de 12% em 2010 contra 72% no âmbito estadual. No mesmo ano, a mesma avaliação feita com a Academia Virtual de Ohio da K12 (com 9.000 alunos) resultou em 30% contra 78%, respectivamente.
Mesmo alguns apoiadores das escolas virtuais questionam se os operadores online estão cobrando adequada e razoavelmente dos contribuintes. "Elas não têm trabalho tentando cobrar tanto quanto as escolas de tijolo e argamassa, pelo menos ao longo do tempo", disse Finn, do Fordham Institute, que encomendou um estudo sobre o custo das escolas virtuais. "Uma vez que você tenha conseguido o material que usará para a matemática do quarto grau, por exemplo, você realmente não necessita fazer muito com ele -- e ele deveria ser mais barato".
As companhias de educação online dizem que não são diferentes das editoras de livros didáticos, e de outros ramos de negócios que lucram com as vendas para as escolas.
Gennifer Hirata,de 10 anos -- fotografada com sua mãe Michele -- e seu irmão Tyler Hirata, de 8, estão matriculados na Academia Virtual da Virginia, uma escola pública de tempo integral na qual os alunos têm todas as suas aulas online - (Foto: Dayna Smith/The Washington Post).