O carro inteiramente autônomo, que roda completamente independente de motorista, pode estar muito mais perto de se tornar realidade do que se pensa. Todos os fabricantes de carros estão trabalhando no sentido de desenvolver um veículo cujos comandos sejam delegados a um computador a bordo. Isso sujeito a evoluções tecnológicas e regulamentares.
Esse tipo de carro voltou a ser abordado intensamente na imprensa francesa, por conta do salão de carros de Paris deste ano, o Mundial do Automóvel 2016, de 1 a 16 de outubro. O jornal francês Le Figaro publicou em 30 de setembro recente uma série de artigos sobre a tecnologia de ponta dos veículos dessa mostra, e o tema do carro autônomo esteve presente. Abordarei os principais pontos levantados pelo Le Figaro.
No artigo "Le développement inéluctable mais progressif vers la voiture autonome" ("O desenvolvimento inevitável mas progressivo rumo ao veículo autônomo"), de Emmanuel Égloff, menciona-se que esse é um assunto de que todo mundo fala. Os amantes dos belos carros esportivos receiam inevitavelmente ver desaparecer o prazer de dirigir. Os mais jovens, assim como os mais velhos, vêem nisso uma possibilidade de acesso a uma nova liberdade de movimento. Para a maioria dos atores do mundo do automobilismo, o caminho rumo ao veículo autônomo parece inevitável. Uma estatística lhes dá razão: 95% dos acidentes automobilísticos resultam de um erro humano. Eliminando-se esse fator, as vias de trânsito tornar-se-ão muito mais seguras. Os ganhos humanos e financeiros são de tal modo enormes, que justificam todos os esforços para desenvolver as tecnologias que tornarão possível essa proeza.
Antes de ser autorizado, o veículo autônomo deverá entretanto mostrar uma total confiabilidade. A polêmica em torno do acidente mortal de um carro Tesla rodando no modo "piloto automático", no início do verão, mostra bem a grande e lógica sensibilidade a essa questão. Na realidade, o fabricante (Tesla) havia equipado esse modelo com uma ajuda eletrônica à direção, mas o nome (Autopilot) que deu a esse sistema é enganador. E, visivelmente, induziu ao erro os clientes dessa marca californiana.
A maioria dos fabricantes de carros antecipam uma evolução progressiva até o veículo autônomo. Foram identificadas seis etapas:
☛ Nível 0 -- não há nenhum outro sistema além da segurança passiva (ABS). O motorista controla todos os aspectos da direção do veículo.
☛ Nível 1 (sem os pés) -- leva em conta os primeiros auxílios ativos, como a assistência ao estacionamento ou o regulador adaptativo de velocidade. Com este último, o veículo administra sua velocidade, acelerando ou freando para se ajustar ao limite fixado pelo motorista, que controla a direção do veículo. O regulador adaptativo de velocidade é largamente disseminado não só em marcas/modelos premium, mas igualmente em certas marcas/modelos genéricos.
☛ Nível 2 (sem as mãos) -- o motorista exerce um papel de controle/fiscalização. O veículo começa a administrar sozinho as ultrapassagens. Ele pode igualmente estacionar numa garagem sem intervenção humana.
☛ Nível 3 (sem os olhos) -- este nível representa um passo suplementar real. Com ele, a condução autônoma começa a se tornar uma realidade, mesmo que isso ocorra apenas em circunstâncias bem precisas. O motorista pode então começar a fazer outras coisas diferentes, sem dirigir. Ele poderá também enviar, com toda segurança, mensagens desde seu celular nos engarrafamentos. É preciso, entretanto, retomar a direção do veículo a qualquer momento.
☛ Nível 4 (sem o cérebro) -- aqui a autonomia torna-se quase completa. O sistema é capaz de assumir todas as condições de dirigir. O motorista se resume a ativar ou desativar o modo "autônomo".
☛ Nível 5 (sem motorista) -- aqui temos o veículo sem motorista, ou mesmo sem presença humana em seu interior. É a última etapa da condução autônoma. Certos especialistas trabalham para passar diretamente a esta etapa, que se assemelha a um enorme big bang para os usuários de veículos. É, por exemplo, o caso do Uber ou de seu concorrente americano Lyft. Para eles, a eliminação do motorista, que responde pela parcela maior dos seus custos, representaria uma vantagem evidente. A General Motors, muito ligada à Lyft, de cujo capital participa, trabalha nessa direção.
Atualmente, os fabricantes dominam o nível 1. A última versão da Mercedes Classe E pode mudar de pista sozinha, o que corresponde ao nível 2. Carlos Ghosn, CEO da Renault e da Nissan, prevê comercializar veículos assim equipados a partir de 2018. A versão autônoma final deve surgir dois anos depois.
"A regulamentação não autoriza ainda a condução autônoma"
Todos os obstáculos contra o carro autônomo não foram ainda eliminados. A tecnologia não está longe de ser alcançada. Carros de demonstração totalmente autônomos circulam em vias americanas, europeias e até francesas há vários anos. O Google Car acumulou vários milhões de quilômetros no modo autônomo. Os quatro carros de demonstração Citroën C4 Picasso, do grupo PSA, percorreram 60.000 quilômetros. É necessário doravante atingir uma confiabilidade total.
A dificuldade seguinte está na regulamentação. A Convenção de Viena, que regulamenta a circulação viária desde 1968, foi ligeiramente emendada em março de 2016. Ela autoriza a partir de então "os sistemas de condução automatizada, com a condição de que sejam conformes com os regulamentos das Nações Unidas". No momento, isso não permite que a Mercedes Classe E utilize todos os seus recursos em matéria de autonomia. A versão comercializada tem hoje restrições. Mas os poderes públicos estão conscientes da necessidade de se adaptarem. Os fabricantes estão confiantes.
O último problema será o preço desses veículos. Eles concentrarão numerosos sistemas e tecnologias de grande complexidade. Atualmente, os veículos que oferecem sistemas de ajuda à direção mais desenvolvidos são os de versões ou fabricantes premium. Esses serão igualmente os primeiros a propor a condução autônoma. Contudo, todos os fabricantes genéricos -- seja Renault ou PSA -- contam com uma oferta maciça. E não será senão graças a essa grande difusão que o objetivo de realmente baixar baixar o número de acidentes de trânsito será atingido.
Os problemas jurídicos a serem resolvidos antes da comercialização dos veículos autônomos
☛ A Convenção de Viena de 1968 foi emendada em março de 2016, mas ela proíbe ainda os sistemas de pilotagem automática em velocidade elevada.
☛ O sistema de proteção dos dados coletados pelas viaturas relativos ao motorista não está muito claro atualmente.
☛ Os fabricantes devem fazer uma escolha ética na programação do piloto autônomo: proteger o motorista ou os pedestres.
☛ Os fabricantes poderiam enfrentar processos no quadro legal atual.
☛ A responsabilidade dos fabricantes pode ser colocada em jogo no caso de acidente envolvendo um veículo autônomo.
Em entrevista publicada na revista L'Obs [Le Nouvel Observateur], Carlos Tavares, CEO do grupo PSA (Peugeot, Citroën e DS), afirma "venderemos em 2021 um veículo que rodará de maneira completamente autônoma". Segundo ele, o grupo PSA já está pronto para a produção de carros autônomos, porque seus dez modelos de teste (Picasso C4) já percorreram sem problemas 60.000 km em vias europeias, em condições reais. Em sua opinião, haverá sem dúvida dois tipos de veículos autônomos. Em primeiro lugar, um veículo que funcionará de modo completamente autônomo em todas as condições mas que será muito caro. Será um veículo elitista, acessível a poucas pessoas, a menos que se aceite compartilhá-lo.
Por outro lado, haverá veículos de condução assistida, mais baratos, que se deslocarão apenas em trechos de rotas protegidas. Não ofereceremos tais veículos enquanto a segurança não for totalmente garantida. Essa transformação se fará por etapas: o novo Peugeot 3008, que apresentaremos no Mundial do Automobilismo, dispõe já de elementos como a ajuda à condução, que lhe permite adaptar apenas a velocidade ou permanecer em sua via de circulação. Essa funções irão crescendo. Colocaremos à venda em 2021 nosso primeiro veículo totalmente autônomo.
O Google informou no dia 5 deste mês de outubro que seus carros autônomos atingiram a marca de 2 milhões de milhas rodadas [3.218.688 km], o que equivale aproximadamente a 300 anos de direção humana. Foram necessários dois anos para o Google atingir seu primeiro milhão de milhas e 16 meses para alcançar o segundo milhão. No período, seus carros autônomos se envolveram em 14 acidentes, 13 dos quais provocados por carros com motoristas.
Ver também:
◼︎ "Volvo e Uber entregarão carro completamente autônomo este ano" (em inglês)
◼︎ "Veículo autônomo: as empresas chinesas se colocam na linha de largada" (em francês)
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