A reputação da Volkswagen está em frangalhos depois que foi revelado que a empresa, durante anos, fraudou intencionalmente regras sobre emissões - (Foto: Reuters)
A Volkswagen está lutando para aceitar e lidar com o vasto escândalo das emissões de carros de sua fabricação. Ações na justiça, inquéritos oficiais e um rebaixamento potencial de sua classificação: a empresa está frente a uma miríade de riscos. O preço final disso pode ser da ordem de dezenas de bilhões de euros.
Na terça-feira, 29/9, surgiram as primeiras boas notícias para a Volkswagen (VW) depois de um certo tempo. A diretoria da empresa estava em reunião, sob a liderança do recém-empossado CEO Matthias Müller, e técnicos da área de desenvolvimento estavam relatando como haviam planejado equipar 11 milhões de veículos com sistemas de filtragem de emissões conformes com a legislação pertinente.
Essa é a tarefa mais premente para a VW, no momento em que busca enfrentar o vasto escândalo das emissões que ela mesma gerou. A Agência Federal de Transportes Motorizados da Alemanha deu-lhe a data limite de 7 de outubro para a apresentação de planos sobre como ela propõe resolver seu problema com as emissões de seus veículos. Se ela não o fizer, os veículos envolvidos podem ser declarados inadequados para circular -- o que significaria que seus proprietários não poderão mais dirigi-los. Isso seria o maior desastre possível para essa empresa automobilística.
Mas, na terça-feira, os engenheiros da VW estavam otimistas pelo fato de mais da metade dos veículos questionados não necessitarem mais do que uma atualização de software, o que custaria meros 60 euros por veículo. Outros modelos exigiriam um esforço maior, com a modernização custando várias centenas de euros por veículo. No total, entretanto, resolver o problema poderia não ser tão caro como inicialmente se temia, disseram os especialistas da VW, para grande alívio dos diretores da companhia.
Desde 20 de setembro, quando o então CEO Martin Winterkorn admitiu que a VW havia durante anos fraudado os testes de emissão por meio de um software ilegal, a maior empresa automobilística da Europa entrou em crise. Os dirigentes da empresa não sabiam por onde começar. "É como se tivéssemos sido atingidos por um tsunami", disse um deles.
Soterrada por inquéritos
Os consultores jurídicos da empresa estavam assoberbados com inquéritos de autoridades nacionais de ambos os lados do Atlântico e por advogados que estavam notificando a companhia com ameaças de ações legais. Além disso, especialistas financeiros da VW tinham que elaborar planos para o caso de a empresa perder nível de classificação, o que aumentaria os custos de seus empréstimos. E os gerentes de vendas tinham que surgir com promoções para ajudar os vendedores de carros da empresa. Os modelos a diesel estão agora extremamente difíceis de sair do estoque sem descontos significativos.
E há ainda a investigação da companhia, que espera descobrir rapidamente como o escândalo pôde ocorrer, em primeiro lugar, e quem foi seu responsável. Como o desenvolvimento do motor diesel questionado começou lá em 2005, documentos, registros e emails dos últimos 10 anos terão que ser examinados.
Mas os envolvidos na investigação receberam também pistas da imprensa -- como, por exemplo, de que a Bosch, fornecedora da VW, alertou inicialmente a Volkswagen contra o uso do software questionado. Mas os investigadores da VW não conseguiram encontrar uma mensagem dessa natureza nos registros da empresa. A Bosch foi então contactada por eles, com a solicitação de que enviasse uma cópia da citada correspondência para a sede da VW em Wolfsburg.
Até agora, foram suspensos quatro dirigentes responsáveis pelo desenvolvimento de motores para veículos. O que ocorreu com eles foi semelhante à experiência vivida pelo diretor da Audi Ulrich Hackenberg, um confidente de longa data de Winterkorn e, até poucos dias atrás, um dos homens mais poderosos da VW. Ele foi informado de sua suspensão imediata pelo departamento de pessoal, foi solicitado a devolver seu celular da empresa e a deixar sua sala. Foi-lhe dito também para não por mais os pés nas instalações da empresa.
Wolfgang Hatz e Heinz-Jakob Neusser, chefes de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) da Volkswagen e da Porsche, respectivamente, tiveram destinos semelhantes. No caso de Neusser há uma causa provável: alega-se que um empregado da empresa ter-lhe-ia falado em 2011 sobre o uso do software de emissões proibido.
Essas medidas são vitais, no momento em que a companhia busca descobrir o que deu errado e começa o que promete ser um longo processo para restabelecer sua reputação. Alguns dos dirigentes suspensos, com certeza, retornarão a seus postos uma vez provado que não tiveram nada a ver com a implementação do software questionado. Mas, por ora, o desenvolvimento de novos modelos na VW e em suas afiliadas sofreu uma paralização estridente. Os velhos chefes se foram, novos chefes têm ainda que ser designados e projetos não podem avançar.
Ainda um outro risco
Isso, entretanto, é um preço baixo a pagar em comparação com o que provavelmente está por vir. Müller, o novo CEO da VW, que chefiava a Porsche antes de sua promoção, exigiu uma investigação "implacável e vigorosa". Mas, com a própria existência da empresa sob risco, mesmo isso pode não ser suficiente. Ninguém sabe o valor final da conta depois que os veículos afetados forem modificados, as ações legais de consumidores e acionistas forem decididas e as multas pagas. Pode ser 10 bilhões, 20 bilhões ou até 30 bilhões de euros, sem mencionar a perda potencial de vendas com uma fuga de compradores de veículos VW.
Raramente passa-se um dia sem o aparecimento de ainda outro risco. Na Alemanha, por exemplo, as manipulações das emissões podem resultar numa grande conta de impostos retroativa. "Não foram apenas os consumidores que foram enganados quanto à descarga de emissões", diz Thomas Kutschaty, secretário de Justiça do estado de Reno-Westfália do Norte. "O estado foi enganado também, quando se trata de taxas de registro de veículos". No código penal alemão, observa Kutschaty, existe algo como "atuação criminal", que se refere à perpetração de um crime por uma terceira parte -- tal como no caso de proprietários de veículos VW a diesel, que sem saber estavam violando as leis de emissões da Alemanha.
Proprietários de veículos registrados entre final de 2008 e meados de 2009 e que receberam uma classificação de emissões Euro 5 não eram devedores de quaisquer impostos durante certo tempo. Se se concluir que aquela classificação foi incorreta, isso pode significar que foram perdidos milhões de euros em receita potencial [de impostos]. Especialistas financeiros da VW contestam este argumento, mas a discussão serve para ilustrar como obscura está hoje a situação para a empresa.
Até agora, foram suspensos quatro dirigentes responsáveis pelo desenvolvimento de motores para veículos. O que ocorreu com eles foi semelhante à experiência vivida pelo diretor da Audi Ulrich Hackenberg, um confidente de longa data de Winterkorn e, até poucos dias atrás, um dos homens mais poderosos da VW. Ele foi informado de sua suspensão imediata pelo departamento de pessoal, foi solicitado a devolver seu celular da empresa e a deixar sua sala. Foi-lhe dito também para não por mais os pés nas instalações da empresa.
Wolfgang Hatz e Heinz-Jakob Neusser, chefes de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) da Volkswagen e da Porsche, respectivamente, tiveram destinos semelhantes. No caso de Neusser há uma causa provável: alega-se que um empregado da empresa ter-lhe-ia falado em 2011 sobre o uso do software de emissões proibido.
Essas medidas são vitais, no momento em que a companhia busca descobrir o que deu errado e começa o que promete ser um longo processo para restabelecer sua reputação. Alguns dos dirigentes suspensos, com certeza, retornarão a seus postos uma vez provado que não tiveram nada a ver com a implementação do software questionado. Mas, por ora, o desenvolvimento de novos modelos na VW e em suas afiliadas sofreu uma paralização estridente. Os velhos chefes se foram, novos chefes têm ainda que ser designados e projetos não podem avançar.
Ainda um outro risco
Isso, entretanto, é um preço baixo a pagar em comparação com o que provavelmente está por vir. Müller, o novo CEO da VW, que chefiava a Porsche antes de sua promoção, exigiu uma investigação "implacável e vigorosa". Mas, com a própria existência da empresa sob risco, mesmo isso pode não ser suficiente. Ninguém sabe o valor final da conta depois que os veículos afetados forem modificados, as ações legais de consumidores e acionistas forem decididas e as multas pagas. Pode ser 10 bilhões, 20 bilhões ou até 30 bilhões de euros, sem mencionar a perda potencial de vendas com uma fuga de compradores de veículos VW.
Raramente passa-se um dia sem o aparecimento de ainda outro risco. Na Alemanha, por exemplo, as manipulações das emissões podem resultar numa grande conta de impostos retroativa. "Não foram apenas os consumidores que foram enganados quanto à descarga de emissões", diz Thomas Kutschaty, secretário de Justiça do estado de Reno-Westfália do Norte. "O estado foi enganado também, quando se trata de taxas de registro de veículos". No código penal alemão, observa Kutschaty, existe algo como "atuação criminal", que se refere à perpetração de um crime por uma terceira parte -- tal como no caso de proprietários de veículos VW a diesel, que sem saber estavam violando as leis de emissões da Alemanha.
Proprietários de veículos registrados entre final de 2008 e meados de 2009 e que receberam uma classificação de emissões Euro 5 não eram devedores de quaisquer impostos durante certo tempo. Se se concluir que aquela classificação foi incorreta, isso pode significar que foram perdidos milhões de euros em receita potencial [de impostos]. Especialistas financeiros da VW contestam este argumento, mas a discussão serve para ilustrar como obscura está hoje a situação para a empresa.
O ex-CEO da Volkswagen Martin Winterkorn e o diretor financeiro da empresa Dieter Pötsch - (Foto:AFP)
A Volkswagen, diz o novo CEO Müller, está frente ao "maior teste da história da empresa".
Ainda assim, parece como se alguns dos mais importantes atores desse drama ainda têm que chegar a essa conclusão, Martin Winterkorn em particular. De início, ele se recusou a sair do cargo de CEO, mesmo estando claro que tinha que se responsabilizar pelo escândalo não importa quando ele tomou ciência disso pela primeira vez. O Conselho de Administração teve no final que forçar sua renúncia.
Dificuldade para tomar decisões
E então, quando finalmente renunciou, Winterkorn não deixou todos os cargos que ocupava na empresa. Ele pretende permanecer como presidente da Porsche Automobil Holding SE. "Ele é inaceitável nesse cargo", diz um diretor da Porsche. A Holding, afinal, controla 52% da VW que pertencem às famílias Porsche e Piëch e é assim responsável por pressionar para que avance a investigação do escândalo. Isto não é possível com Winterkorn no comando.
Mas Wolfgang Porsche, que preside o Conselho de Administração da Porsche Automobil Holding, tem dificuldades para tomar decisões. Ele é o segundo personagem neste drama que aparentemente não percebeu ainda que o mundo da VW foi fundamentalmente alterado com o escândalo das emissões.
Porsche, por exemplo, continua insistindo para colocar o chefe financeiro da VW Dieter Pötsch como o próximo presidente do Conselho de Administração. As famílias Porsche e Piëch aceitaram Pötsch apenas após longas discussões, e Wolfgang Porsche aparentemente não vê razão para mudar de curso agora.
Pötsch é bem respeitado, tanto por bancos como por investidores. Mas, a falta de transparência no lidar com o mercado é um dos miniescândalos dentro do escândalo maior das emissões. A VW foi honesta com a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em inglês) em 3 de setembro, admitindo que durante anos havia utilizado um software proibido para contornar as exigências relativas a emissões. Naquele dia, no mais tardar, deveria ter emitido uma informação pública sobre isso. Os regulamentos mobiliários alemães exigem uma "divulgação imediata" de informação que possa significativamente influenciar os preços das ações de uma companhia.
Esse é claramente o caso, quando se trata do escândalo das emissões. Mas o chefe financeiro da VW permaneceu em silêncio durante 17 dias. Durante este período, centenas de milhares de investidores compraram ações da VW. Quando o escândalo finalmente tornou-se público em 20 de setembro os preços das ações da VW afundaram em 40%, custando 35 bilhões de euros aos acionistas.
Papéis incompatíveis
Autoridades judiciárias dos EUA, em conjunto com a Autoridade Federal de Supervisão Financeira da Alemanha e com promotores públicos alemães, planejam interrogar Pötsch. É certamente possível que ele não soubesse de nada ou que tenha uma resposta satisfatória. De fato, um relatório aparentemente conclui que ele não podia ser responsabilizado. Mas o chefe financeiro ainda é uma figura central nesse imbróglio -- e como presidente do Conselho de Administração, ele seria responsável por liderar a investigação. Esses dois papéis são incompatíveis.
O estado da Baixa Saxônia é o segundo maior acionista da VW, detendo 20% de seu capital. Mas, ele também parece não estar à altura dos acontecimentos. Seu governador Stephan Weil reclamou que "era impossível ter informação sobre a estratégia da diretoria", acrescentando que apenas soube do escândalo ao ler seu jornal. "Estou extremamente irritado", disse ele -- como se não tivesse responsabilidade de se manter atento sobre a companhia de que seu estado é parcialmente dono.
E o que dizer de Martin Winterkorn? O chefe de longa data da VW está irritado, dizem aqueles que lhe são próximos. Ele se vê como a vítima de um grupo de desenvolvedores que instalou software ilegal secretamente, sem que ele soubesse. Ele se vê como a vítima de diretores da VW cuja arrogância hostilizou autoridades americanas. E ele se vê como vítima dos membros do Conselho de Administração que o forçaram a renunciar.
Agora, Winterkorn requer que lhe paguem 10 milhões de euros que ainda lhe são devidos de acordo com seu contrato, que expira no final de 2016 -- € 10 milhões que se somarão aos € 76 milhões que já ganhou nos últimos cinco anos como o executivo de mais alto salário da Alemanha.
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