sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Discurso de Putin na ONU mostra quem está no comando

[A paúra e a indefinição do Ocidente na questão síria deram mais uma chance de ouro para Wladimir Putin mostrar ao mundo qué muito mais sagaz e oportunista que Barak Obama, ditando as cartas em área vital do Oriente Médio. A reportagem traduzida abaixo, de Anshel Pfeffer, é do jornal israelense Haaretz. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]


Wladimir Putin fala na Assembleia-Geral da ONU em 28/9/2015 - (Foto: AP)

A última vez que o presidente russo Wladimir Putin falou na Assembleia-Geral da ONU, há exatos 10 anos atrás, ele se saiu com um discurso de 5 minutos exaltando as virtudes da ONU. Na segunda-feira, dia 28/9, o que se viu foi um Putin diferente, muito mais agressivo. Ele falou durante 20 minutos e apresentou uma clara e vigorosa política externa para seu país.

Putin escolheu uma maneira muito evocativa para começar sua fala, lembrando aos delegados presentes a cúpula dos líderes dos aliados, líderes dos países "que derrotaram o nazismo", que se realizou "em nosso país -- na Crimeia, em Yalta". 

Sim, a Crimeia que a Rússia invadiu e anexou no ano passado em resposta à revolução pró-Ocidente na Ucrânia. A Crimeia, disse Putin, permanecerá como parte da Rússia, não importa se o Ocidente não a reconheça como tal. Ele pode concordar em ser um pouco mais flexível com relação a outras áreas do leste da Ucrânia, onde separatistas pró-Rússia estão operando, junto com soldados russos que a Rússia nega que lá estejam. 

A menção à guerra contra o nazismo não foi fortuita, e nunca será. Apenas algumas horas antes do discurso de Putin, o embaixador russo na Polônia expressou seu "pesar" pela irritação causada por suas palavras na semana passada quando disse que a "Polônia havia impedido a criação de uma coalizão antinazista" e, portanto, era corresponsável pela deflagração da Segunda Guerra Mundial.



Essa surpreendente nova versão da História, eliminando-se da existência o pacto Molotov-Ribbentrop da União Soviética com a Alemanha nazista, está em sintonia com a tese de Putin sobre a criação de uma coalizão contra o EI (Estado Islâmico), um bloco que incluiria a Síria de Assad e que "atuaria como a aliança anti-Hitler". 

Entretanto, por tudo que Putin falou, os caças Sukhoi que foram deslocados nas últimas semanas para a região de Latakia, na Síria, ainda têm que mostrar alguma participação significativa na campanha internacional de bombardeio contra o EI. Mas eles estão servindo para provar outro ponto. Apenas o presidente russo decidirá se, como e quando seu aliado local, o presidente sírio Bashar Assad terminará seu reinado sanguinolento. 

Esse é o Putin da Assembleia-Geral da ONU de 2015. O líder do país que reivindica o mérito de ter derrotado Hitler na Grande Guerra Patriótica (que, de acordo com livros de História russos oficiais, começou apenas em 1941). Segundo Putin, a Rússia não repetirá o erro que cometeu em seus anos de debilidade que  se seguiram à desintegração da União Soviética, quando permitiu que a OTAN estendesse a aliança ocidental a países como a Polônia e as nações bálticas, que se apressaram a se proteger sob o guarda-chuva americano. 

Dois dias antes de Putin se dirigir para a assembleia da ONU, a Rússia participou de uma troca de espiões em que foi libertado um agente de inteligência estoniano que havia sido raptado um ano atrás em um incidente de fronteira encenado. Alguns observadores interpretaram a libertação de Eston Kohver como uma tentativa de apaziguar o Ocidente antes de pedir sua cooperação em relação à Síria. Outros acharam que a Rússia estava deliberadamente recriando uma cena tão evocativa das velhas trocas de espiões no Checkpoint Charlie [em Berlim] durante a Guerra Fria. 

Kohver foi sequestrado um ano atrás, dois dias depois que o presidente Barak Obama visitou a capital da Estônia para prometer que a OTAN ficaria do lado de seus aliados no Báltico. Agora, a Rússia fala de ampliar sua presença militar na vizinha Belarus e no enclave de Kalinigrado. Se o reforço incluir baterias antiaéreas, isto fará com que fique muito mais difícil para a OTAN ir em socorro dos países bálticos, casos eles sejam ameaçados. 

Isso provavelmente não acontecerá logo. A Rússia ainda está instável por conta de um rublo fraco, da queda dos preços do petróleo e das sanções do Ocidente por causa da Ucrânia. Este não e o momento para mais aventuras militares, não quando as forças armadas russas estão sendo estressadas para cobrir tanto o leste da Ucrânia quanto o novo posto avançado na Síria. Caixões vindo para cada saindo da Síria poderiam despertar novamente os traumas da Chechênia e do Afeganistão, e colocar em risco a popularidade doméstica de Putin. Mas ele está delineando e estabelecendo suas linhas vermelhas, que podem também ser os limites de seu poder.

A impotência da administração Obama e seu fracasso, junto com o resto do Ocidente, em conseguir qualquer tipo de solução para a guerra civil na Síria ou de restringir de maneira significativa a atuação do EI abriram caminho para Putin tomar a iniciativa. Obama e outro líder importante do Ocidente, a chanceler alemão Angela Merkel, já estão se mostrando flexíveis quanto à exigência de que Bashar Assad tenha que deixar o governo como parte de uma solução para a Síria. Obama em seu discurso na ONU falou de uma "transição administrada". O primeiro-ministra britânico David Cameron também está mudando de posição, e apenas o presidente francês François Hollande mantém-se firme em suas convicções. O secretário-geral da ONU Ban Ki-moon mencionou a Rússia como a primeira das cinco nações que "detêm as chaves para o futuro da Síria, juntamente com os EUA, a Turquia, o Irã e a Arabia Saudita. A coalizão está pronta e está sendo liderada por Putin. 

Parece que o primeiro-ministro [israelense] Benjamin Netanyahu foi o primeiro a reconhecer a nova realidade, ao correr para Moscou na semana passada para discutir procedimentos/métodos de coordenação para permitir que as forças israelense continuem a operar na Síria, juntamente com a nova presença russa. Por enquanto, Putin está no comando. 

[As fisionomias tensas de Obama e Putin em seu encontros bilaterais na ONU e os olhares gélidos trocados por eles em certos momentos desses encontros, como mostram as fotos abaixo, demonstram o clima reinante entre os dois líderes.]


Foto: Getty

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Foto: ONU

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