O artigo que reproduzo abaixo, traduzido de reportagem publicada ontem pelo New York Times, me foi enviado pelo dileto amigo Ednardo, a quem agradeço.
No momento em que os EUA
recorrem cada vez mais a forças de Operações Especiais para enfrentar ameaças que se desenvolvem espalhadas mundo afora, o militar que ocupa o topo da hierarquia no comando dessas Operações, um membro dos temidos
Seals da Marinha americana que supervisionou o ataque que matou Osama Bin Laden, está à busca de um novo tipo de autoridade que lhe permita deslocar seus comandos mais rapidamente e fora dos canais normais do Pentágono para esse tipo de operação.
O oficial militar, almirante William H. McRaven, que chefia o
Comando de Forças Especiais, está pressionando por um papel mais amplo para suas forças de elite, que têm operado tradicionalmente nos cantos escuros da política externa americana. Seu plano lhe daria mais autonomia para posicionar suas forças e seu equipamento bélico onde os serviços de inteligência e os acontecimentos globais indicarem que elas sejam mais necessárias. O plano permitiria também que as forças de Operações Especiais expandissem sua presença em regiões onde não operaram significativamente na década passada, especialmente na Ásia, na África e na América Latina.
[Digna de atenção e reflexão a inclusão da América Latina nessa "cesta básica" do Comando de Forças Especiais americano. É bom lembrar que, ainda que como "balão de ensaio", surgiu recentemente nos meios acadêmicos americanos a ideia da criação de uma "Bacia do Atlântico" que "eliminaria" a separação entre os oceanos Atlântico Sul e Norte, o que "justificaria" a presença militar americana por estas bandas como uma "extensão" natural da área de atuação da OTAN.]
Enquanto Obama
e seus líderes no Pentágono têm, cada vez mais, feito das forças de Operações Especiais sua arma militar preferida, planos semelhantes a esse fracassaram no passado devido à oposição de comandantes regionais e do Departamento de Estado. Os comandantes militares regionais têm tido o receio de perda de autoridade, e alguns embaixadores em zonas de crise têm expressado suas preocupações quanto ao fato de que os comandos possam efetuar missões que sejam vistas como uma ofensa à soberania de um país anfitrião (
host country), como o estremecimento nas relações com o Paquistão em seguida ao ataque a Bin Laden.
Autoridades da administração federal, militares e autoridades do Congresso dizem que o Comando de Operações Especiais se engajou em uma campanha de
lobby para ver aprovada sua iniciativa. Autoridades do Pentágono e do governo observam que, enquanto é certo que esse Comando terá um aumento de orçamento e de pessoal quando o novo plano de gastos do Departamento de Defesa for anunciado amanhã, nenhuma decisão foi tomada quanto à ampliação da autoridade do almirante McRaven. Ontem, a Casa Branca e o Departamento de Estado declinaram de comentar a proposta deste militar.
As propostas são apresentadas como um novo modelo de estratégia de combate, numa época de redução dos orçamentos do Pentágono, diminuição do número de militares, e de um declínio do interesse popular em grandes guerras de ocupação, de acordo com autoridades do Pentágono, oficiais militares e empreiteiros civis abordados para comentar o plano [de McRaven]. Todos eles falaram sob condição de anonimato, porque as decisões ainda não foram tomadas.
Pelos novos conceitos, um número significativo de forças de Operações Especiais -- projetadas em 12.000 -- permaneceriam estacionadas à volta do mundo. Enquanto equipes de comandos estariam de prontidão para atacar alvos terrorista e resgatar reféns, igualmente significativo seria o ampliado número desses efetivos voltado para missões de treinamento e ligação, e para coletar informações que melhor subsidiem o Comando a melhor avaliar os riscos à segurança nacional. Autoridades e oficiais enfatizaram que, em quase todos os casos, as forças de Operações Especiais seriam ainda assim convocadas pelo comandante regional de quatro estrelas apenas para missões específicas.
"Não se trata realmente de se ter o Socom [sigla inglesa para Comando de Operações Especiais] comandando a guerra global ao terrorismo", disse McRaven em uma breve entrevista na semana passada, referindo-se ao Comando de Operações Especiais. "Não acho que estamos prontos para fazer isso. Trata-se de definir como posso dar um apoio melhor" aos comandantes regionais de combate.
Na década passada, mais de 80% das forças de Operações Especiais dos EUA foram comissionadas no Oriente Médio. Com as forças militares convencionais voltando para casa depois de se retirarem totalmente do Iraque, o almirante McRaven quer ter autoridade para espalhar suas equipes de comandos em regiões em que se tornaram rarefeitas para suprir forças para operações de guerra após o 11 de setembro.
Mais ainda, o almirante McRaven quer ter autoridade para deslocar rapidamente suas unidades para locais de tensão, sem passar pelo procedimento padrão do Pentágono que regula o deslocamento de tropas no exterior. Historicamente, o deslocamento de tropas dos EUA no estrangeiro começa com o pedido de um comandante de combate global, que passa pelo Estado Maior Conjunto e, depois, é submetido ao secretário de Defesa para aprovação, num processo deliberadamente cauteloso.
O deslocamento de ameaças à segurança nacional pode ser um argumento a favor dos planos do almirante McRaven. Com as forças de Operações Especiais concentradas no Oriente Médio e no Sudoeste da Ásia ao longo da década passada, comandantes em outras regiões têm buscado ter mais a presença dessas unidades em suas áreas.
Autoridades do Departamento de Estado dizem que ainda não foram abordados sobre essas propostas. No passado, embaixadores em zonas de tensão se opuseram a deslocamentos ampliados de unidades de Operações Especiais, e exigiram garantias de que os chefes de missões diplomáticas estariam inteiramente envolvidos nos planos e missões dessas unidades.
Comandantes sêniors de Operações Especiais prometeram que seus esforços seriam coordenados com o representante diplomático sênior em cada país. Esses oficiais descreveram também como as novas autoridades enfatizariam o trabalho com as forças de segurança locais, sempre que possível. Haveria exceção quando um governo local fosse incapaz de cooperar -- ou não quisesse fazê-lo -- com uma missão americana autorizada, ou se não houver governo responsável com que trabalhar.
Os planos do almirante McRaven gerararam preocupações mesmo dentro da comunidade de Operações Especiais. Dois consultores do Pentágono disseram que conversaram com oficiais sêniors de Operações Especiais que se mostram preocupados com a possibilidade de que suas unidades fiquem demasiado sobrecarregadas. Eles se preocupam também com a possibilidade de que as forças de Operações Especiais -- que são ainda menos de 2% de todo o contingente militar americano -- se tornem de tal maneira uma espécie de "pau p'ra toda obra", que passem a ser solicitadas a executar missões acima de sua capacidade.
[...] O Comando de Operações Especiais (COE) conta agora com um pouco menos de 66.000 pessoas -- contando tanto o pessoal militar, quantos os civis do Departamento de Estado --, o dobro em relação a 2001. Seu orçamento alcançou o valor de US$ 10,5 bilhões, partindo de US$ 4,5 bilhões em 2001 (após o devido ajuste inflacionário).
Ao longo da década passada, efetivos do Comando de Operações Especiais foram deslocados para operações, exercícios, e treinamento de combate, e outras missões de ligação em mais de 70 países. Desde a invasão do Iraque em 2003, o Comando de Operações Especiais manteve deslocamentos de tropas no exterior de mais de 12.000 soldados por dia, com 80% desse pessoal comissionado no Oriente Médio.
Mesmo enquanto o Pentágono reduz sua força convencional, com um novo foco na região Ásia-Pacífico e cortes na Europa, o COE diz que precisa manter em caráter permanente no exterior aquela força de 12.000 homens espalhada ao redor do mundo -- com as tropas que saíram do Iraque sendo distribuídas em regiões que não tinham tido muito desse tipo de presença ao longo da década passada.
Segundo os planos em evolução do almirante McRaven -- que ele denomina de Aliança Global FOE
[FOE = Forças de Operações Especiais] --, as forças de Operações Especiais se moveriam ao redor do mundo sob sua direção, para reforçar as forças disponíveis para o principal oficial de Operações Especiais responsável por cada teatro de operações. O aumento de contingente de tropas de Operações Especiais nesses outros lugares permitiria aos EUA estar pronto para responder mais rapidamente a uma gama mais ampla de ameaças.
As diretrizes atuais permitem ao Comando de Operações Especiais executar missões por conta própria para tipos de operações muito específicos, embora isso raramente isso tenha sido feito, e oficiais envolvidos no atual debate digam que isso continuará sendo um evento raro. "Ele [McRaven] está tentando fornecer uma agilidade global", disse um ex-oficial militar que foi abordado sobre aqueles planos. "Se sua rede não for elástica, não será tão ágil como o inimigo", acrescentou.
Almirante William H. McRaven (56 anos), o militar por trás do ataque que matou Osama Bin Laden - (Foto: Wikipedia).