domingo, 17 de março de 2013

Se as ideias dos EUA e de outros países prevalecerem, viajar de avião pode virar um pesadelo ou até mesmo ser impossível para muita gente

[É preocupante e até certo pronto assustador verificar o que se está tramando às nossas costas para questionar ou até mesmo impedir nosso direito de ir e vir.]

Governos e a indústria de viagens estariam avançando para um sistema de triagem de passageiros baseado em um conceito de segurança diferenciado, segundo nos informa o International Herald Tribune (a edição internacional do The New York Times) do dia 11 deste mês.  Mas, à medida que vão surgindo detalhes de como governos e empresas aéreas pretendem fazer a distinção entre "passageiros confiáveis", qualificados para uma triagem mais leve, e passageiros que receberão tratamento mais severo, grupos preocupados com liberdades civis e alguns reguladores europeus estão questionando o uso de massas de dados pessoais para decidir que passageiros serão examinados mais detalhadamente ou mesmo impedidos completamente de voar.

No cerne da nova abordagem estão a coleta e o compartilhamento de informações sobre os passageiros. Nessas informações que governos utilizam para vetar passageiros estão incluídos dados que pessoas forneceram voluntariamente para se candidatarem a viajantes confiáveis, assim como informações coletadas de listas de vigilância contra terroristas, de controles de antecedentes criminais e de avaliações de postos de controles de fronteiras. A abordagem baseada no risco se estende também aos itens proibidos a bordo, revisados recentemente pela Administração de Segurança em Transporte dos EUA (TSA, em inglês) para permitir pequenos canivetes de bolso.

À medida que o foco se volta mais para a identificação de passageiros suspeitos, e não apenas de itens suspeitos, o governo americano está analisando também os dados que as companhias aéreas e as agências de viagens coletaram sobre seus clientes tais como datas de nascimento, números de passaportes, detalhes potencialmente confidenciais ostensivos em itinerários de viagens (como uma viagem ao Paquistão, por exemplo) e códigos para descontos em viagens em grupos (para participar de uma conferência, por exemplo). Para passageiros de voos internacionais muitas dessas informações  desses "registros de nomes de passageiros" já são compartilhadas com o Departamento de Segurança Doméstica dos EUA. Isso pode incluir até preferências alimentares dos viajantes -- kosher (judeu) e halal (muçulmano), por exemplo -- indicadoras potenciais da religião dos passageiros.

Mas, a perspectiva de usar dados de passageiros não apenas para controles de fronteiras mas também para dar suporte a decisões de triagem em aeroportos expôs uma fissura entre autoridades europeias, mais orientadas à preservação da privacidade, e suas contrapartes americanas. Peter Schaar, o comissário federal para a proteção de dados e liberdade de informação na Alemanha, falando em um painel de uma conferência sobre segurança aérea em Nova Iorque na semana anterior, disse que qualquer sistema que use dados dos passageiros para avaliar o risco de segurança apresentado por uma pessoa precisa satisfazer três critérios: i) tem que provar que é eficaz na identificação de terroristas; - ii) tem que ser proporcional a esse objetivo, sem violar direitos privados; - iii) tem que evitar efeitos colaterais negativos, como discriminação por exemplo. "Duvido que essas propostas satisfaçam pelo menos um desses critérios", disse ele.

Enquanto empresas aéreas e fabricantes de equipamentos buscam por procedimentos de segurança similares em escala global, o compartilhamento de dados [de passageiros] além fronteiras -- que já acontece em certo grau -- apresenta desafios mais complexos. Governos estão debatendo quando e como reconhecer os "viajantes confiáveis" de outro país, e como reagir se países como a China começarem a solicitar o mesmo nível de informação de passageiros demandado pelos EUA. O debate deve tornar-se mais quente à medida que grupos de liberdades civis e passageiros -- ambos não representados na conferência [de Nova Iorque] -- tenham uma noção mais clara de para onde se direcionam esses programas de viajantes confiáveis. "É muito problemática a noção de que o governo esteja em qualquer posição e condição, a seu bel prazer, de julgar quem é confiável e quem apresenta risco", disse Jay Stanley, um analista sênior de políticas na União Americana de Liberdades Civis. "Ataques terroristas em linhas aéreas são, basicamente, eventos insólitos e, afortunadamente, extremamente raros. Assim, qualquer tentativa de predizer quem é capaz de se envolver nesse tipo de coisa inevitavelmente irá eliminar muita gente inocente".

Esse tem sido o caso com o programa Global Entry do governo americano [ver aqui], uma iniciativa voltada para viajantes confiáveis que permite que seus membros, que passaram por avaliações de antecedentes, usem uma área específica e diferenciada para controle alfandegário. Seus membros têm também direito de acesso a vias de pré-checagem para triagem expedita de segurança em alguns aeroportos. A TSA tem encorajado passageiros a aderir ao Global Entry, como um meio de expandir o acesso à pré-checagem, mas alguns desses passageiros estão descobrindo que inscrever-se no programa pode resultar em ser rotulado como "não confiável".  Por exemplo, uma mulher que não quis se identificar para manter sua privacidade disse que quando adolescente foi detida pela polícia para interrogatório, mas nunca foi acusada de qualquer crime. Por causa desse incidente, ela foi rejeitada pelo Global Entry. Outros viajantes relataram frustrações semelhantes com a falta de transparência do programa -- algumas pessoas dizem não ter ideia da causa pela qual foram rejeitadas, enquanto outras não conseguiram registrar-se devido a problemas menores com a lei há anos atrás.

Um em cada quatro adultos americanos tem algum tipo de registro criminal -- significando uma prisão ou uma condenação, de acordo com o Departamento de Justiça e o Projeto de Lei Nacional de Emprego. Isso pode excluir milhões de pessoas do pool de viajantes confiáveis e complicar o objetivo do governo de incluir na categoria dos confiáveis metade de todos os passageiros aéreos.  Passageiros que tiverem sido colocados na lista de desclassificação para pré-checagem da TSA podem também ser excluídos. Em uma nota publicada no Federal Register [imprensa oficial, equivalente ao nosso Diário Oficial] em novembro, a agência descreveu essa relação como "uma lista de vigilância/alerta de cidadãos que estão desqualificados para a pré-checagem da TSA, temporária ou permanentemente, porque estiveram envolvidos em violações de regulamentos de segurança de suficiente severidade ou frequência". A nota indicou que essa lista seria gerada pelo Sistema de Informações de Atuação e Resultados da TSA, que mantém registros relativos a investigações ou processos de violação de leis federais, estaduais, locais ou internacionais". [Mais totalitário e Big Brother, impossível!]

As violações citadas na nota da TSA podem variar do ato de ser apanhado com uma arma carregada em um local de controle, à desobediência de regulamentos de segurança aérea no aeroporto ou a bordo de um avião. David Castelveter, um porta-voz da TSA, disse que a lista [dessas violações] pode incluir discussões/altercações entre passageiros e membros da tripulação que acabem envolvendo agentes federais de segurança aérea [os "xerifes aéreos", inventados pelos americanos] ou outros representantes da agência.  "Por questões de segurança, não falamos sobre como você entra ou não entra em certas listas", disse ele.

Um passageiro de nome Sal Bevivino, disse que se envolveu em um incidente desse tipo em abril passado quando pediu um refrigerante a um tripulante da Virgin America e este lhe disse que ele deveria ter feito o pedido através do sistema específico para isso no assento da aeronave. Por alguma razão desconhecida por Bevivino, isso terminou gerando um relatório ao comandante. Depois da aterrissagem no aeroporto de São Francisco, Bevivino foi detido para interrogatório por vários policiais, que acionaram também o FBI e um empregado da TSA. Embora o relatório policial sobre o incidente registrasse que o comandante do voo havia informado que "em momento algum ele ou sua tripulação se sentiram ameaçados por esse passageiro", o relatório agora faz parte dos antecedentes de Bevivino. "Minha maior preocupação é que alguém na aeronave tenha o poder de mentir aberta e completamente sobre um incidente e possa me envolver em todos os tipos de problemas", disse ele. "Os direitos civis foram jogados no lixo".

[É bom lembrar que toda essa maluquice aí em cima nasceu e está germinando naquela que é considerada uma das principais democracias do mundo.]



Um comentário:

  1. OK! Tudo isso se aplica aos voos internacionais. Mas todos os voos aqui no Brasil (domésticos e internacionais) já se tornaram um pesadelo há muito tempo, por toda bagunça nos aeroportos, descaso das companhias aéreas e da agência (des)reguladora. Nos casos em que há conexão para voos internacionais, ninguém tem certeza absoluta de que tudo correrá como programado. Ah... com o Moreira Franco (aquele que tem cara de MAIOR Abandonado) a frente do ministério, tudo vai piorar, eu aposto!

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