segunda-feira, 18 de março de 2013

Comércio externo: Brasil continua levando a pior com a Argentina

[Um mistério médico ronda as relações entre os dois principais membros do Mercosul: por que o Brasil não teve ainda uma indigestão de tanto engolir sapos da Argentina?! - Ver postagem anterior sobre nosso relacionamento com a Argentina.]

A queda nas exportações para a Argentina e no superávit comercial com o país foi maior para o Brasil que para todas as outras nações que têm forte comércio com os argentinos. As importações argentinas de produtos brasileiros diminuíram 18% em relação a 2012 e o saldo comercial, 65%, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com dados da consultoria argentina Abeceb.com.

Entre os cinco maiores sócios comerciais da Argentina, todos os outros tiveram melhoria em seu saldo - de 52% para a Alemanha, 29% para os EUA e 14% para a China. A Argentina, enquanto reduzia compras do Brasil, aumentou em 160% as da Holanda, 9% as dos EUA, 7% as do Japão e 2% as da Alemanha. Só as exportações provenientes do Canadá tiveram um tombo proporcionalmente semelhante ao do Brasil.

O aumento das compras de energia elétrica e os altos e baixos dos influentes mercados de automóveis e bens de capital explicam boa parte do mau desempenho do Brasil. A magnitude das quedas, porém, levanta desconfiança de excesso de proteção [contra o Brasil]. O resultado é que a Argentina leva governos e empresários vizinhos a cair na tentação de rever as bases do acordo que criou o Mercosul como união aduaneira - onde, na teoria, bens e serviços circulariam sem limitações. Na semana passada, o presidente do Uruguai, José Mujica, repetiu um velho cantochão uruguaio e declarou aos jornais que os sócios do Mercosul estariam melhor sem o voto de obediência ao bloco.

Empresários brasileiros se queixam de que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que atravessar as alfândegas platinas com certas mercadorias. Em 2004, menos de 4% das vendas brasileiras à Argentina sofriam algum tipo de restrição. Em 2008, eram 13% e em 2011, 20%. Em 2012, chegou-se ao inferno dos 100%, com a imposição de um verdadeiro purgatório burocrático.  Nos preparativos para o encontro marcado entre presidentes, que foi adiado após a morte do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, as autoridades brasileiras pediram que a Argentina eliminasse, pelo menos para sócios do Mercosul, a famigerada Declaração Juramentada Antecipada de Informações (Djai), exigida de todos os produtos que cruzam a fronteira. Os negociadores argentinos lavaram as mãos.
 
Criada no ano passado, como parte do esforço argentino para garantir folga nas contas externas, a Djai é o principal mecanismo heterodoxo de controle sobre importações. Atrasando ou simplesmente brecando a emissão das Djai, o governo argentino administra sua balança comercial, que, em 2012, teve um saldo comercial de quase US$ 12,7 bilhões, graças, principalmente, ao calvário imposto aos importadores no país. As exportações argentinas, aliás, caíram 7% em 2012.

A rejeição do pedido brasileiro confirma a suspeita de que o controle informal das importações incorporou-se definitivamente ao credo argentino em matéria de comércio. O Observatório de Defesa Comercial da CNI definiu o ano de 2012, como um "ponto de inflexão" nas heresias comerciais do vizinho, pelo volume de medidas: além da Djai, a Argentina, em 2012, criou uma "Djas", para os serviços; passou a atrasar a emissão de licenças de importação (medida suavizada nos últimos meses, após queixas dos principais parceiros comerciais); criou "valores-critério", preços mínimos para produtos importados; e os planos "uno por uno", em que, para liberar os papéis de importação, o governo passou a exigir que se exportassem mercadorias no mesmo valor.

Consideradas blasfêmia grave no sistema multilateral, essas iniciativas argentinas foram contestadas na Organização Mundial do Comércio (OMC), onde União Europeia, Japão e Estados Unidos abriram painéis contra as medidas do governo Cristina Kirchner. O México ameaçou, mas abandonou a disputa em troca de cotas de exportação de carros na Argentina - que, como o Brasil, havia decidido rever o comércio administrado com os mexicanos.
 
Para o economista Dante Sica, da consultoria Abeceb.com, a balança comercial será o principal impulso para a economia argentina, com a benção da melhoria no cenário externo, de maiores preços de commodities e melhores condições econômicas nos maiores mercados. No campo da relação bilateral, o comércio Brasil-Argentina tem pouco espaço para melhorar, mas é nos investimentos de um país no outro que estão as principais oportunidades de preparar os sócios do Mercosul para um relacionamento maduro com a região da Ásia e do Pacífico, que promete ser o polo mais dinâmico da economia mundial nos próximos anos, avalia Sica.

Há consenso entre os dois governos de que é preciso seguir esse caminho e incentivar a integração produtiva entre os sócios do Mercosul. Cabe aí, porém, um velho chavão: o diabo está nos detalhes. O futuro dessas difíceis conversas sobre integração dependerá da sinalização emitida pelos países aos potenciais investidores - como, por exemplo, a forma como o governo argentino administrar a recente decisão da Vale de suspender seus investimentos no bilionário projeto Rio Colorado, de extração de potássio no país. Por enquanto, o governo Kirchner proibiu demissões, ameaçou confiscar a mina onde a Vale enterrou US$ 2,2 bilhões e trata a questão como uma afronta nacional.



Um comentário: