sexta-feira, 24 de junho de 2016

Agora é que o Reino Unido vai ver o que é bom pra tosse

[Os britânicos optaram por sair da União Europeia, em mais uma demonstração do preocupante ressurgimento do ultranacionalismo no mundo. Tenho para mim que votaram mais com o coração e o fígado do que com o cérebro. Ninguém, entre vencedores e vencidos, tem noção exata do que isso significa em aspectos mais amplos possíveis para o Reino Unido (RU) em termos políticos, econômicos, financeiros e sociais. Muito menos em termos do que isso tudo poderá ou não afetar negativamente o prestígio e o poder do país no cenário internacional. Do lado da União Europeia tampouco há certezas absolutas sobre qual o impacto final e total da saída do RU da comunidade. Quem pagou pra ver nessa história toda não tem a menor noção do tamanho exato do que isso lhe custará. 

O resto do mundo está tão perdido nesse tiroteio quanto os protagonistas desse bangue-bangue.

A libra esterlina caiu para seu valor mais baixo em relação ao dólar nos últimos 30 anos logo após a confirmação do Brexit.

O próprio Reino Unido se vê ameaçado de ruptura interna. A Escócia e a Irlanda do Norte votaram pela permanência na UE, o que pode reavivar o separatismo nesses dois países em relação ao RU.

As implicações econômico-financeiras dessa decisão do Reino Unido estão amplamente abordadas na mídia internacional. Ver por exemplo (em inglês):

☛ "O custo do Brexit - Porque o Brexit é uma notícia sombria para a economia mundial" - The Economist, 24/6/2016
☛ "Ações de bancos afundam depois que os britânicos decidiram por sair da UE" - Financial Times, 24/6/2016

Quanto ao lado político da questão, traduzo a seguir o artigo de Lord John Browne (presidente da L1 Energy e CEO da BP - British Petroleum de 1995 a 2007) publicado em 20/6/2016 na versão impressa do The Wall Street Journal (para assinantes do jornal o texto pode ser acessado na internet). É importante observar que o artigo foi escrito antes e às vésperas do referendo.]

Um voto para sair da Europa significa um Reino Unido menor

John Browne -  The Wall Street Journal, 20/6/2016

O referendo "Brexit" desta semana tem a Grã-Bretanha -- e de fato a União Europeia (UE) -- balançando à beira do desastre. Há um ano, de acordo com a pesquisadora britânica de opinião pública Ipsos MORI, 66% dos britânicos queriam permanecer na UE, com apenas 22% a favor da saída. Entretanto, uma pesquisa da mesma Ipsos MORI feita este mês mostrou a campanha pelo Brexit assumindo a liderança por dois pontos (51% a 49%). Essa mudança de sentimento é extraordinária -- e motivo de grande preocupação.

Os pesquisadores de opinião britânicos erraram antes, como ocorreu recentemente. Durante a campanha para a eleição geral do ano passado, nenhuma das 92 pesquisas realizadas previu com precisão a vitória que os conservadores teriam. A maioria das pesquisas deu aos trabalhistas uma pequena liderança.

Mas o fato de que este referendo está tão próximo o faz o mais preocupante momento para o Reino Unido desde a Segunda Grande Guerra. Nasci em 1948, assim minha visão pessoal da Europa foi fortemente influenciada pelas experiências de meus pais da guerra e nas consequências imediatas dela. Minha mãe, uma sobrevivente de Auschwitz, viveu realmente o pior de uma Europa dividida. Mas foi quando o continente estava sendo reconstruído que ela conheceu meu pai, um oficial do exército britânico servindo na Alemanha.

Ao longo dos meus 50 anos de negócios, a maior parte como CEO da BP, aprendi -- algumas vezes pelo caminho difícil -- que introspecção e isolamento são um caminho certo para perder influência na Europa e no mundo. O mesmo se aplica ao Reino Unido (RU).

Sair da União Europeia nos deixaria diminuídos no cenário mundial. Onde já fomos um líder mundial em comércio e diplomacia global, um voto pela saída da UE veria o RU reduzido ao nível de uma nação de segundo ou terceiro nível. É claro que esta não é uma perspectiva atraente ou agradável para o RU, mas ela é também uma má notícia para o resto do mundo.

O presidente Obama deixou claro que se o RU deixar a UE ele irá para o "fim da fila" para um acordo comercial com os Estados Unidos (EUA). Compreensivelmente, os EUA têm pouco interesse em negociar com um país comparativamente com um impactante acordo com um bloco muito maior. Podemos supor que o mesmo comportamento se aplicará a outros acordos.

Domesticamente, é pura fantasia a ideia de que o RU pode renegociar um acordo com a UE melhor do que qualquer outro não-membro do bloco. Uma vez fora da união, quase certamente teremos que aceitar certas barganhas intragáveis com nossos parceiros europeus rejeitados para manter acesso a um mercado de 500 milhões de consumidores.

Em abril, citando uma análise do governo, o ministro do Tesouro George Osborne disse que o RU seria "permanentemente mais pobre" se deixasse a UE, com um PIB 6% menor em 2030 do que se permanecesse no bloco. O presidente do Banco da Inglaterra Mark Carney alertou em maio que um voto pró-saída da UE levaria a economia a uma "recessão técnica".

O Brexit custaria aos britânicos a prosperidade que conseguimos após duros esforços desde a crise financeira global de 2008. Custaria às empresas internacionais a forte base que estabeleceram no RU quando buscarem comerciar com a UE. E traria custos ao comércio mundial, com o RU não fazendo parte de um bloco maior e mais atraente.

Uma saída do RU pode também desestabilizar a política europeia. A unidade que a UE promoveu e construiu no último meio-século pode entrar em colapso, em um efeito dominó deflagrado pelo Brexit. Pensemos seriamente no estímulo que isso representará para o sentimento anti-UE que fermenta em grupos separatistas de extrema direita, desde a Frente Nacional da França ao Partido da Liberdade na Áustria.

Corretamente, o RU se orgulha de atuar acima de seu peso na área internacional. Ocupamos no mundo um lugar invejável. Os defensores do Brexit não entendem ou não se preocupam com o fato de que o poder global do RU, que é substancial, é ampliado pela participação na UE.

Sem um assento na UE e o poder que isso acarreta, o RU provavelmente perderá seu assento na mesa principal nas discussões internacionais. E talvez certamente assim: seremos provavelmente governados pela mesma classe de oportunistas que iludiram o público ao longo desta campanha.

O RU gosta de se culpar. Os populistas a favor da saída da UE estão trabalhando para explorar essas inseguranças na campanha. Mas, se sairmos, o mundo perderia uma cabeça calma e confiável -- o verdadeiro "britanismo" com o qual os defensores do Brexit são obcecados. Minha experiência pessoal e o peso da opinião de especialista me convencem de que temos que votar pela permanência na UE. No dia 23 estarei ansioso na expectativa. E assim deve estar todo aquele que se preocupa profundamente com o lugar e o papel do RU no mundo.




2 comentários:

  1. Recebido por email de Amaury Frossard Ribeiro:

    Os britânicos tradicionalmente arrogantes não esperavam por tal resultado.
    Acharam que poderiam continuar a tirar proveito de seu poderio a seu bel prazer.
    Será que não dispõem de bom sistema de avaliação de tendência popular?
    Não é sintomático que uma londrina revelou que estava arrependida de seu voto?
    Agora, estão querendo fazer nova enquete para tentar remendar a burrada.
    Coisa pra inglês ver.
    A.Frossard

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  2. Recebido por email de Uriel Villas Boas:

    Uma posição atrasada dos reacionários de sempre.

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