terça-feira, 22 de março de 2016

"Está se esgotando o tempo para conseguirmos uma solução para os refugiados", diz ministro das Finanças alemão

A questão dos refugiados está sendo muito mais traumática e devastadora para a União Europeia (UE) do que a crise financeira, por violar conceitos básicos de democracia e de direitos humanos que se julgavam ser seus pilares fundamentais. O fluxo ininterrupto de pessoas escorraçadas de seus países por conflitos armados e perseguições pegou de surpresa os países da UE, que absolutamente não se entendem entre si sobre como resolver o problema. A última mensagem da UE para os refugiados é "fiquem em casa, não venham para a Europa", numa tentativa de evitar mais uma catástrofe humanitária.

Os inúmeros postos de controle instalados em diversas fronteiras para conter a onda de refugiados têm tido também um efeito danoso sobre o comércio interfronteiriço, tornando-o mais lento e dificultando o deslocamento de pessoas que trabalham num país vizinho ao seu. Problemas adicionais que contribuem para aumentar a reação contra os refugiados.

O movimento contra a entrada de refugiados em diversos países da UE evidenciou que união de princípios está longe de ser o forte desse grupo. A Áustria quer limitar em 37.500 a entrada de refugiados no país em 2016. O gráfico abaixo retrata a disparidade das reações dentro da UE quanto à prestação de ajuda aos refugiados. Observa-se que estão no leste europeu os países mais avessos a ajudá-los, com a Itália engrossando o grupo. Grécia, Itália e Turquia se tornaram pontos nevrálgicos e países-chaves no controle da entrada de refugiados na Europa, o que provocou uma carga brutal de problemas para esses países (principalmente à já combalida Grécia). A Turquia aproveitou a chance para impor à UE uma série de condições para fechar a "rota dos Balcãs" aos refugiados: quer 6 bilhões de euros para isso, a isenção de visto para cidadãos turcos entrarem no Espaço Schengen (UE) e o relançamento do processo de adesão do país à UE. Crise humanitária serve também para se fazer chantagem.


Parte visceral do problema dos refugiados, a concessão de asilo para eles na UE começa a provocar novas discussões e dissensões na Comunidade Europeia. Bruxelas já cogita centralizar e alterar as regras de asilo vigentes na UE ("Convenção de Dublin"), o que já provocou reação imediata do Reino Unido, que vê nisso mais uma usurpação de poder dos países pela UE, com repercussão direta no referendo que o país fará no dia 23 de junho vindouro para decidir se permanece ou não na UE.

Os países do leste europeu alegam que a solução da crise cabe primeiro aos países colonizadores, com o que concordo plenamente. Ver postagem anterior:

"A crise dos imigrantes ilegais e refugiados na Europa -- europeus colhem hoje o que semearam ontem".


A Europa acertou em 18 de março com a Turquia a mudança radical que vai aplicar a partir de agora para a crise de refugiados. Após dois dias quase ininterruptos de negociações em Bruxelas, os 28 países da UE e primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, fecharam um acordo que permite à Europa devolver à Turquia todos os imigrantes –inclusive os refugiados– que chegarem às ilhas gregas a partir de domingo. Em troca, a UE vai ativar um procedimento de recebimento de sírios mais amplo do que o atual. Com esse pacto polêmico, a UE espera fechar a rota migratória pelo mar Egeu.

Todo esse pano e fundo reforça a validade e a oportunidade da entrevista do ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, ao site Spiegel Online International sobre a questão dos refugiados na Europa, especialmente nos países da União Europeia (UE), que traduzo a seguir. O fluxo ininterrupto de milhares de refugiados à Europa transformou-se no pior pesadelo dos europeus na história recente do continente. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.

O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, diz que a Europa precisa investir tanto dinheiro quanto possa e tão prontamente quanto possível no Oriente Médio e na África, para reduzir a imigração oriunda dessas regiões - (Foto: Reuters)

Spiegel Online -- Ministro, o governo austríaco anunciou recentemente planos para estabelecer limites mais elevados para o número de refugiados que irá aceitar. O Sr. simpatiza com essa decisão?

Schäuble -- Tive que parar para respirar quando ouvi que não tínhamos sido consultados sobre essa decisão. Em meses recentes, a chanceler alemã fez sempre um esforço para estabelecer consultas com a Áustria. Mas, sabemos que as capacidades dos estados membros da União Europeia não são infinitas. Assim sendo, faz pouco sentido para nós criticarmos uns aos outros. Todos nós aceitamos a decisão da Suécia de também introduzir controles de fronteiras. E esse é um país que durante décadas foi o mais aberto à imigração.

Spiegel Online -- A Alemanha ficará cedo sozinha e isolada com suas políticas para refugiados?

Schäuble -- Não. Na Europa, reconhecemos que as pressões que provocam migração têm que ser reduzidas. Se o sistema Schengen (de deslocamento livre intrafronteiriço) for destruído, a Europa ficará em sério risco -- política e economicamente. Essa é a razão pela qual nós europeus temos que investir bilhões na Turquia, na Líbia, na Jordânia e em outros países na região tão rapidamente quanto possível -- todo mundo, na capacidade de cada um.

Spiegel Online -- Sua proposta de introduzir um imposto sobre combustíveis para financiar essa ajuda foi recentemente repelida. Não foi bem recebida nem mesmo entre seus aliados conservadores naAlemanha.

Schäuble -- No momento, estamos felizes por termos um superávit orçamentário e não precisarmos desse imposto. Mas a Alemanha não assumir essa tarefa por sua conta, isso está claro. é por isso que sugeri que países com finanças mais apertadas pensem a respeito desse imposto. Não temos no momento o tempo necessário para essa discussão. 

Spiegel Online -- Não seria mais fácil ganhar apoio para um sistema com quotas claras e definidas para compartilhar o ônus? Esse tipo de sistema já existe, quando se trata de ajuda financeira para países como a Grécia. 

Schäuble -- Nosso tempo está se esgotando para tais soluções. Donald Tusk, o presidente do Conselho da UE, disse que temos até fevereiro. Sempre tive a esperança de que a Comissão Europeia surgiria com um plano antes desse prazo. Mas, sei que o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, está fazendo tudo o que pode para isso. 

Spiegel Online --  Houve também carência de tempo quando do socorro aos bancos e a alguns membros da eurozona. Apesar disso, soluções provisórias foram logo substituídas por estruturas nas quais havia um claro compartilhamento do ônus. Esse não seria também o caso da crise dos refugiados?

Schäuble -- Sim, claro. Mas, ao contrário da crise do euro, alguns dos nossos parceiros na UE pensam que o problema não tem efeito sobre eles. Acho que estão errados, mas é isso o que pensam. 

Spiegel Online -- O Sr. recentemente separou 12 bilhões de euros do superávit orçamentário para cuidar dos custos associados com a crise dos refugiados. Para onde irá esse dinheiro?

Schäuble -- Cerca de metade disso já havia sido incluído no orçamento de 2016 -- para dar assistência a estados e municípios para que forneçam abrigos, por exemplo. E está claro para nós que teremos que ficaremos mais envolvidos na regiões vizinhas a nós, de modo que as pressões da migração não sejam tão altas para elas. É claro que as negociações orçamentárias serão difíceis, como sempre são. Acho que teremos que gastar mais em defesa, infraestrutura, para ampliação da rede de banda larga e também para segurança doméstica.  

Spiegel Online -- O Sr. acha que os ataques sexuais cometidos em Colônia na véspera do Ano Novo fazem com que seja mais urgente investir em segurança? 

Schäuble -- Ficou claro de um tempo para cá que temos que fazer mais pela segurança doméstica e externa. Estou preparado para isso. E estava preparado mesmo antes de Colônia.  

Spiegel Online -- Por duas vezes o Sr. conseguiu submeter um orçamento equilibrado. Quando ollha para a frente, para continuar essa tendência, o que o preocupa mais: os possíveis efeitos da crise da China sobre a Alemanha, ou o fim dos juros extremamente baixos, que têm permitido à Alemanha poupar bilhões?

Schäuble -- Na realidade, eu preferiria ter taxas de juros mais elevadas.

Spiegel Online -- Mas isso dificultaria equilibrar seu orçamento.

Schäuble -- Sim, mas nos níveis correntes as taxas de juros não estão cumprindo sua função econômica. Isso leva a flutuações extremas. No momento estamos enfrentando uma coleção completa de dificuldades para prever desdobramentos -- da situação na China à queda no preço do petróleo às preocupantes notícias de alguns bancos na Europa e nos EUA. Tudo isso está interligado: a dívida das empresas em nível mundial é elevada, e há muito dinheiro em circulação. É por isso que as reformas estruturais necessárias não estão sendo feitas. Não sei quantas resoluções do FMI e do G-20 já escrevemos dizendo que tais reformas são necessárias para um novo crescimento.

Spiegel Online -- A situação atual nos mercados faz lembrar o investidor americano George Soros da última crise financeira.

Schäuble -- Soros ganhou um bocado de dinheiro com tais rumores, ao longo de sua carreira.

Spiegel Online -- Então o Sr.não está preocupado com uma nova crise?

Schäuble -- Acabo de dizer que estamos enfrentando um conjunto completo de desenvolvimento do tipo crise, que temos de acompanhar bem de perto. Mas temos também de ser cuidadosos quanto ao que apontamos como indicadores de crise. Na China, sempre se disse uma taxa de crescimento de dois dígitos seria perigosa. Agora, o país tem uma taxa de crescimento de 6,9% e, de repente, pensa-se que isto é uma catástrofe para a economia global. O significativo colapso dos preços do petróleo mostra também que eram antes demasiado elevados. A política financeira tem de ser cautelosa, para não provocar constantemente tais exageros. Nosso orçamento equilibrado tem uma função psicológica importante. É um sinal de que não podemos continuar a constantemente assumir dívidas.

[É instrutivo e importante comparar o conceito de orçamento equilibrado dos alemães e os orçamentos fajutos de Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saia). Primeiro, ela enviou um orçamento ao Congresso um orçamento com um enorme déficit explícito, o que provocou imediatamente o rebaixamento do Brasil por duas das três principais agências de classificação de riscos. Depois, com a ajuda pilantra de suas vacas de presépio na Comissão Mista do Orçamento (CMO) do Congresso, a madame propôs um orçamento para 2016 que conta com receita fictícia, que não existe ainda e dificilmente existirá, como é o caso da CPMF (a velha história do ovo dentro da galinha) -- ou seja, na realidade o orçamento continua deficitário, no valor correspondente à receita "oriunda" da CPMF. Enquanto Angela Merkel propõe, na Alemanha, um orçamento realista e equilibrado, nossa (govern)anta apresenta um orçamento fictício, fecal e chantagista.]

Um comentário:

  1. Está bem claro para mim (que concordei com a invasão do Iraque) que foi um grande erro as ações nesse pais, na Libia e na Siria. São países que se mantem unuficados enquanto controlado por um ditador, as custas dos direitos humanos. Depois de Tito, a Iuguslavia se desmantelou e hoje parece que as coisas vão se normalizando. Mas em se tratando de arabes a coisa muda de figura.

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