quarta-feira, 16 de março de 2016

A luta desigual entre passageiros e o tamanho dos assentos dos aviões

[Ocorre hoje em dia um fenômeno estranho e inexplicável (em termos): as pessoas tendem a aumentar de tamanho e peso, e as poltronas dos aviões comerciais continuam encolhendo e ficando cada vez desconfortáveis. É evidente que há um desrespeito das empresas aéreas e das agências que deveriam regulá-las em relação aos passageiros, com a ganância das transportadoras prevalecendo sobre o conforto e até a segurança dos passageiros -- assentos menores e com menor afastamento entre poltronas à frente e atrás certamente contribuem para por em risco a integridade física dos passageiros em caso de acidente. Traduzo a seguir artigo de Stephanie Rosenbloom sobre isso publicado no International New York Times. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]



As poltronas dos aviões podem tornar-se ainda menores? Aqueles entre nós que preferem não verificar isso ficaram animados quando um projeto de lei que limitaria o tamanho mínimo dos assentos em linhas aéreas comerciais foi apresentado no início de fevereiro pelo deputado Steve Cohen, democrata pelo Tennessee. "Mais recentemente, o tema atraiu atenção quando o senador Chuck Schumer, democrata de Nova Iorque, disse que também queria fixar padrões para o tamanho desses assentos.

"As pessoas tornaram-se maiores desde que os assentos foram encolhidos", disse Cohen durante um debate sobre sua proposta de emenda  ao Ato de Reautorização/Recertificação da Administração Federal de Aviação [FAA, na sigla inglesa].

Os assentos tinham 18 polegadas (cerca de 45,7 cm) de largura antes da desregulamentação aérea nos anos 1970 e, desde então, tem sido gradualmente reduzido até chegar a 16,5 polegadas (cerca de 41,9 cm), disse Cohen, enquanto o pitch dos assentos [o espaço entre um ponto em um assento e o mesmo ponto no assento à sua frente] costumava ser de 35 polegadas (cerca de 88,9 cm) e foi reduzido para cerca de 31 polegadas (cerca de 78,7 cm). No mesmo período, um homem médio [americano] tornou-se 30 libras (cerca de 13,6 kg) mais pesado do que era em 1960 (passando de 75,3 kg para 88,9 kg), enquanto a mulher média [americana] tornou-se cerca de 11,8 kg mais pesada (de 63,5 kg para 75,3 kg), disse Cohen, citando estatísticas dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla inglesa). Ter assentos menores e passageiros maiores significa que os aviões podem não ser capazes de fazer uma evacuação rápida de seus passageiros no caso de uma emergência, disse ele. "Isso afeta a segurança e a saúde dos passageiros".

[No Brasil, a Azul informa que tem 22 assentos com espaçamento de 86 cm entre poltronas, pelos quais os passageiros pagam a partir de R$ 25 a mais na passagem -- esse grupo de poltronas representa de 20% a 18% dos assentos nos aviões Embraer E195 (dependendo da configuração) e de 22% a 19% nos Embraer E190. Ou seja, cerca de 80% dos passageiros da Azul nessas aeronaves são submetidos ao desconforto de assentos com pitch menor. A TAM não informa o espaço extra oferecido aos passageiros que pagarem R$ 30 a mais na passagem para seu "Espaço+", nem diz quantos são esses assentos por aeronave. Não encontrei no site da Gol informações sobre isso. O mesmo aconteceu no site da Avianca, mas me lembro de no ano passado ter voado para São Paulo com ela e de ter gostado muito do espaço bem folgado em relação à poltrona à minha frente.]

A deputada Janice Hahn, democrata da Califórnia, co-autora do projeto de lei sobre tamanho mínimo de assentos em aviões comerciais, acrescentou que passageiros em aviões de espaços limitados estavam recebendo ofertas de produtos como o Protetor de Joelhos (a US$22), composto de controvertidos grampos ou presilhas projetados para serem fixados nas laterais da bandeja do assento e que impedem o passageiro à sua frente de reclinar sua poltrona (possivelmente gerando ou estimulando uma discussão com ele, embora você possa sempre oferecer-lhe um Cartão de Cortesia de Proteção de Joelho, no qual está registrado que você "entende que isso pode ser um inconveniente"). [Esses americanos são inacreditáveis!]

Durante o debate, o deputado Rick Nolan, democrata de Minnesota, um dos que votaram a favor da emenda, lembrou-se de ter visto um homem espremendo-se para sentar-se em sua poltrona e, inadvertidamente, ter puxado o cabelo da mulher que se sentava à sua frente. "E ela estava gritando com ele porque ele havia puxado seu cabelo, e ele gritava com ela porque ela estava gritando com ele -- ou seja, a coisa está saindo dos limites".

Infelizmente, o Comitê de Transporte e Infraestrutura da Câmara dos Deputados [EUA] votou contra o projeto de lei do deputado Steve Cohen em 11 de fevereiro passado (33 a 26), mas ainda há esperança. Cohen planeja reapresentá-lo como uma emenda se ou quando a reautorização/recertificação da FAA chegar à Câmara para apreciação. Posteriormente, o senador Schumer disse que apresentaria uma emenda ao projeto de recertificação da FAA que exigiria a fixação de padrões para as dimensões das poltronas de aviões comerciais. "O passageiro médio se sente como estivesse sendo tratado como uma sardinha", disse ele numa entrevista à imprensa. "Imprensado e imprensado, e imprensado".

Aconteça o que acontecer, o projeto de lei do deputado Cohen levanta questões importantes. Assentos menores são indiscutivelmente desconfortáveis e injustos para passageiros que sejam especialmente altos ou gordos. Mas, eles são também inseguros?

Há duas preocupações principais enfocadas pela seção Seat Egress [Saída de Assento, em tradução direta] no Ato de Viagem Aérea (Air Travel Act): a "síndrome da classe econômica" (a condição experimentada por viajantes que desenvolvem trombose venosa profunda, a formação de coágulo ou coágulos no sangue, após voos de longas distâncias) e a capacidade dos passageiros para abandonar um avião de forma segura quando, na melhor das circunstâncias, mal podem sentar-se em suas poltronas.

O risco de desenvolver uma trombose venosa profunda ou uma embolia pulmonar -- uma condição potencialmente letal quando um coágulo ou parte dele se desloca para os pulmões -- como uma consequência de voar distâncias longas parece ser real, embora seja pequeno. em média, um passageiro em 6.000 terá trombose venosa profunda ou uma embolia pulmonar após voos longos, de acordo com um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O Colégio Americano de Médicos do Tórax afirmou, em suas diretrizes mais recentes sobre o tema, que desenvolver trombose venosa profunda ou embolia pulmonar como resultado de voos longos é improvável para a maioria dos passageiros, mas certos fatores podem aumentar esse risco. Foram incluídos entre tais  fatores: já ter sofrido isso antes, ter câncer, ter passado por cirurgia ou trauma recentes, imobilidade, idade avançada, usar estrogênio, estar grávida, estar/ser obeso, e estar sentado em uma poltrona de janela (porque pode limitar a mobilidade).

Vale notar que trombose venosa profunda não se restringe a viagens aéreas. "Qualquer um viajando por mais de quatro horas, seja de avião, carro, ônibus ou trem, pode correr o risco de ter coágulo(s) no sangue", de acordo com os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla inglesa). Para ajudar a evitar coágulos, o CDC sugere que você movimente suas pernas frequentemente e exercite os músculos da barriga  da perna.

A outra preocupação importante levantada pelo deputado Cohen é a capacidade dos passageiros de abandonar uma aeronave no caso de uma emergência. "A FAA exige que as aeronaves sejam capazes de efetuar uma evacuação rápida em caso de emergência", disse ele em um comunicado depois que seu projeto de lei foi rejeitado, "entretanto a FAA não realizou ainda testes de evacuação de emergência em todos os assentos menores de hoje. Isto é inaceitável".

Em discussão, disse Cohen, está o fato de que a FAA não efetuou testes de evacuação de emergência em linhas aéreas com menos de 73,66 cm de distância entre as filas de assentos. E a Câmara dos Deputados não estabelece normas de segurança para a largura e o pitch dos assentos das aeronaves comerciais. O grupo de defesa dos direitos do consumidor FlyersRights.org disse no final de fevereiro que "já se passaram anos desde que as empresas aéreas foram demandadas a fazer esses testes, e então elas os fizeram utilizando empregados jovens e fisicamente "enxutos".

Qualquer aeronave que tiver subsequentemente reduzido a largura ou o pitch dos assentos, ou acrescentado assentos por fila de poltronas, deve ser requerida a a ser recertificada  para o padrão de 90 segundos de evacuação para essa nova configuração, utilizando voluntários recrutados na população em geral, conformes com padrões demográficos, sem treinamento prévio em evacuação de aeronave, e com esses testes supervisionados pela FAA".

Desde sua apresentação, o projeto de lei do deputado Cohen tem granjeado alguns apoios a mais entre os deputados democratas. O deputado republicano de Columbia, Adam Kinzinger, também assinou como co-autor do projeto de lei: "Espero ver esse projeto ser aprovado na Câmara com um apoio bipartidário", disse ele num comunicado. Assim esperam milhares de viajantes aéreos de ambos os lados do corredor.

[Sou um rato de notícias impressas e virtuais, e não me lembro de antes já ter visto divulgadas no Brasil notícias e dados semelhantes quanto à correlação segurança dos passageiros x dimensões de assentos em aeronaves comerciais. De parte da Câmara dos Deputados, então, muito menos. Pesquisando agora na internet, encontrei no site da Anac - Agência Nacional de Aviação Civil uma matéria sobre esse assunto, datada de 20/8/2009. 

O texto da Anac informa: "A proposta da Agência é criar cinco categorias, de A a E, considerando a distância entre as poltronas (o chamado pitch) de no mínimo 66 cm (26 polegadas) até as superiores a 76 cm (30 polegadas). As companhias aéreas que aderirem ao Selo ANAC irão afixar as etiquetas nas aeronaves, além de publicá-las na Internet nos sistemas de compra e reservas de passagens". Aqui, o espantoso: o pitch máximo previsto pela Anac é 4,5% menor que o pitch mínimo americano! Ou seja, passageiro brasileiro, ou no Brasil, é visto como sardinha pelo órgão regulador do nosso setor aéreo.

O texto da Anac afirma que, com relação à largura do encosto do assento, o padrão utilizado pelas companhias aéreas brasileiras era de 45 cm, enquanto 70% dos passageiros por ela pesquisados têm medidas maiores de largura entre os ombros. Não consegui descobrir que fim teve esse texto em termos de documento regulatório. Em 2007, houve um projeto de lei do deputado Alex Canziani que estabelecia que pelo menos 10% dos assentos de aeronaves registradas no Brasil deveriam ter dimensões especiais para acomodar passageiros obesos ou com estatura elevada, e fixava as dimensões mínimas dessas poltronas. Não descobri se isso virou lei. 

Para o Idec - Instituto de Defesa do Consumidor, é abusiva a cobrança a mais feita pelas empresas para assentos mais espaçosos.]

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