Yeshayahu Leibowitz acertou ainda antes de 1967, quando alertou que Israel rumava para um perigoso declive moral.
Ocupação: Mulher palestina com crianças cruza um bloqueio rodoviário de controle, enquanto soldados israelenses esperam, no cruzamento Qalandiya entre Jerusalém Oriental e a cidade de Ramallah, na Margem Esquerda - (Foto: AP)
Hoje, quando os ministros do governo de Israel tentam levar vantagem uns sobre os outros exprimindo as frases mais beligerantes e chauvinistas que podem encontrar, penso muito sobre Yeshayahu Leibowitz e sua clareza moral. Um ascético homem da Renascença com uma gama realmente incrível de conhecimento, ele assumiu a personalidade de um profeta da ira. Já após o massacre de Qibya em 1953, quando tropas lideradas por Ariel Sharon mataram pelo menos 69 aldeões palestinos num ataque de represália, Leibowitz começou a alertar que o país rumava para um perigoso declive moral.
Imediatamente após a Guerra dos Seis Dias, ele alertou sobre as horríveis consequência da ocupação de milhões de palestinos; de construir uma rede de informantes que atuariam contra seu próprio povo; do impacto que atuar militarmente nos territórios teria sobre soldados jovens, e o impacto que o controle dos territórios teria sobre a sociedade israelense como um todo.
Revendo o documentário de Dror Moreh The Gatekeepers [Os Guardiães das Passagens, em tradução livre], você percebe quão certo foi Leibowitz. Os seis ex-chefes do serviço de segurança Shin Bet, que foram extensivamente entrevistados por Moreh no filme, falaram principalmente sobre o custo moral da ocupação e porque Israel precisa encerrá-la, para o próprio bem e interesses do país. Eles não são pacifistas ingênuos. Fizeram o que tinha de ser feito para reforçar a segurança e a salvaguarda de Israel, mas enquanto o fizeram jamais perderam de vista a moralidade.
De fato, os serviços de segurança de Israel vêm alertando há anos que a atual onda de violência seria inevitável se Israel não provesse os palestinos com um horizonte político. Eles conhecem a realidade diária da ocupação, e nem por um minuto acham que o denominado status quo de anexação progressiva [de territórios] e humilhação constante seja sustentável -- e muitos deles, falando em off, admitem estar horrorizados com o preço moral da ocupação.
É exatamente essa dimensão moral que está se perdendo no discurso público israelense, que está atingindo níveis orwellianos de distorção linguística ["orwelliano" refere-se à situação, idéia ou condição social que George Orwell identificou como sendo destrutiva para o bem-estar de uma sociedade livre e aberta]. A distorção da verdade por Netanyahu até com relação ao Holocausto, apenas para ganhar pontos políticos com sua ridícula teoria de que o Mufti [um acadêmico islâmico a quem é reconhecida a capacidade de interpretar a Sharia (lei islâmica) e emitir conselhos (fatwas)] inventou a Solução Final [ver aqui], é o exemplo mais recente disso.
Yeshayahu Leibowitz, um homem de clareza moral - (Foto: Alex Levac)
Estou escrevendo isto, embora haja ataques diários contra vidas israelenses, porque Leibowitz nunca disse que Israel tinha que encerrar a ocupação para alcançar a paz. Ele era um pessimista em relação à natureza humana, e provavelmente não se surpreenderia com o caos violento que engolfa o Oriente Médio. Ele disse que precisávamos terminar com a ocupação porque era imoral; porque controlar milhões de pessoas sem lhes garantir direitos políticos é moralmente insustentável e corrompe a sociedade que perpetua essa situação.
Compartilho o pessimismo de Leibowitz quanto à natureza humana, e sou também muito pessimista quanto ao futuro visível do Oriente Médio, que tende a ser caótico e violento independentemente das ações de Israel [aqui o autor, sintomaticamente, aliviou a aceleração que vinha mantendo]. Também não sei quando um acordo final poderá ser alcançado com os palestinos, porque eles parecem incapazes de construir uma liderança coerente e unificada.
Mas a realidade vigente de privação de posse e de humilhação [sobre os palestinos] pode e tem que ser encerrada com passos intermediários. Israel pode desmontar os assentamentos menores, que tornam miseráveis as vidas dos palestinos. Ele poderia fazer reagrupamentos de um modo que possibilitaria que 98% dos palestinos vivessem suas vidas livremente, sem contato com as forças de defesa israelenses -- e isso pode ser feito sem comprometer os requisitos vitais de segurança de Israel. E poderíamos terminar com as tentativas diárias de intrusões direitistas em Jerusalém Oriental. Os detalhes de como exatamente fazer isso foram elaborados pelo ex-Chefe de Staff e ex-ministro da Defesa Shaul Mofaz em um plano de 2011, que nunca passou por uma audiência pública.
Mas para isso precisamos de políticos que estejam dispostos para, e sejam capazes de, usar a linguagem da moralidade e dizer aos israelenses que a única maneira de salvar o país de uma desintegração interna é assumir os riscos envolvidos em nos desengajarmos dos palestinos, ainda que não possamos saber se isso trará paz. Eles precisam apenas dizer a simples verdade: que mesmo na política há a moral virtuosa e a moral diabólica, e que ocupar e controlar outro povo é diabólico.
(*) Carlo Strenger é professor de Filosofia e Psicologia na Universidade de Tel Aviv. Atua no Painel de Monitoramento Permanente do Terrorismo da Federação Mundial de Cientistas, no Seminário de Psicanálise Existencial em Zurique e no Conselho Científico da Fundação Sigmund Freud, em Viena. É autor de inúmeros livros, incluindo "O medo da insignificância: em busca do significado no século 21".
Nenhum comentário:
Postar um comentário