[O texto traduzido a seguir é de um editorial que foi publicado em 29/10 pelo BMJ - British Medical Journal. É recomendável ler atentamente as ressalvas do texto quanto ao caráter preliminar dos resultados e à necessidade de estudos mais detalhados para uma diretriz mais segura quanto ao hábito de beber leite e suas possíveis consequências. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade. ]
Ingestão elevada de leite associada com índices mais altos de fratura e mortalidade
BMJ - 20/10/2014
Uma elevada ingestão de leite por homens e mulheres não é acompanhada por uma redução no risco de fraturas e, em vez disso, pode ser associada a uma taxa mais alta de mortalidade, sugere uma pesquisa de observação (observational research) publicada no BMJ nesta semana. [Pesquisa de observaçã0 -- observational research -- é um termo usado em epidemiologia e estatística para designar um estudo que gera inferências sobre o possível efeito de um tratamento em indivíduos, no qual a indicação ou destinação de indivíduos em um grupo sob tratamento versus um grupo de controle está fora do controle do pesquisador. Isso contrasta com as experiências, tais como tentativas randomicamente controladas, nas quais cada indivíduo é randomicamente assinalado/destinado para um grupo sob tratamento ou para um grupo de controle.]
Isso pode talvez ser explicado pelos altos níveis de lactose e galactose (tipos de açúcar) existentes no leite, que têm se mostrado atuantes no aumento do estresse oxidante e de inflamações crônicas em estudos com animais, dizem os pesquisadores. Entretanto,esses pesquisadores assinalam que seu estudo pode apenas mostrar uma associação e não pode provar uma relação de causa e efeito. Eles dizem que os resultados "devem ser interpretados com cautela", e estudos adicionais se fazem necessários antes que se tirem quaisquer conclusões firmes e que recomendações dietéticas possam ser feitas.
Uma dieta rica em produtos lácteos tem sido estimulada para reduzir a probabilidade de fraturas por osteoporose, mas pesquisas prévias direcionadas para avaliar a importância do leite na prevenção de fraturas e sua influência nas taxas de mortalidade mostram resultados conflitantes.
Em função disso, uma equipe de pesquisas sueca liderada pelo Prof. Karl Michaëlsson se estruturou para verificar se uma alta ingestão de leite pode aumentar o estresse oxidante, o que, por sua vez, afeta os riscos de mortalidade e de fratura.
Dois grandes grupos de 61.433 mulheres (entre 39 e 74 anos, no período 1987 a 1990) e 45.339 homens (entre 45 e 79 anos, em 1997) na Suécia responderam a questionários sobre frequência alimentar envolvendo 96 alimentos comuns, incluindo leite, iogurte e queijo. Dados sobre estilo de vida, peso e altura foram cuidadosamente analisados e comparados, e foram levadas também em conta informações tais como nível de educação e status conjugal.
As mulheres foram acompanhadas por um período de 20 anos, durante o qual 15.541 morreram e 17.252 sofrearam uma fratura e, dessas, 4.259 sofrearam uma fratura de quadril. Nas mulheres, não se observou nenhuma redução no risco de fratura por ingestão mais alta de leite. Além disso, mulheres que bebiam mais de três copos de leite por dia (uma média de 680 ml) tiveram risco de morte mais alto do que mulheres que bebiam menos de um copo de leite por dia (cerca de 60 ml).
Os homens foram acompanhados por um período médio de 11 anos, durante o qual 10.112 morreram e 5.066 sofreram uma fratura, com 1.166 casos de fratura de quadril. Eles tiveram um risco de morte mais elevado com um consumo maior de leite, embora de maneira menos pronunciada que nas mulheres.
Análises adicionais mostraram uma associação positiva entre ingestão de leite e biomarcadores de estresse oxidante e inflamação [ver aqui uma definição de biomarcadores]. Contrariamente, uma alta ingestão de produtos com leite fermentado com baixo teor de lactose (incluindo iogurte e queijo) foi associada com taxas reduzidas de mortalidade e fratura, especialmente entre as mulheres.
Os pesquisadores concluíram que um consumo mais elevado de leite em homens e mulheres não é acompanhado por um risco mais baixo de fraturas e, em vez disso, pode ser associado a uma taxa mais alta de mortes. Consequentemente, pode haver uma conexão entre o risco e o conteúdo de lactose e galactose no leite, embora a questão da causalidade tenha que ser investigada.
"Nossos resultados podem questionar a validade de recomendações de maior consumo de leite para evitar fraturas", disseram os pesquisadores. "Entretanto, os resultados devem ser interpretados cautelosamente, dado o caráter de observação do nosso estudo. As conclusões devem ser replicadas de maneira independente, antes que possam ser usadas para recomendações dietéticas.
Michaëlsson e sua equipe levantaram uma fascinante possibilidade sobre os danos potenciais do leite, disse a professora Mary Scholling, da City University de Nova Iorque, em outro editorial. Entretanto, ela enfatiza que dieta é algo difícil de avaliar e determinar de maneira precisa, e reforça a mensagem de que as conclusões da pesquisa sueca devem ser interpretadas com cautela.
Pesquisa: Milk intake and risk of mortality and fractures in women and men: cohort studies
Editorial: Leite e mortalidade
_____________
[Em decorrência da pesquisa relatada acima, o site espanhol BBC Mundo publicou em 05/11 um artigo com o título "5 coisas que talvez você não saiba sobre o leite", que traduzo a seguir.]
O leite é um alimento adorado por muitos e odiado por outros, e ao seu redor há uma infinidade de mitos. Se tomado em excesso pode trazer problemas de saúde, se não for tomado se debilitam os ossos -- são dois desses mitos.
Um estudo publicado na semana passada pelo British Medical Journal sinalizou que uma alta ingestão de leite por homens e mulheres não é acompanhada por um risco menor de fraturas. Isso reabriu o debate sobre o consumo de leite.
BBC Mundo conversou sobre 5 mitos do leite com Jesús Román, presidente do Comitê Científico da Sociedade Espanhola de Dietética e Ciências daAlimentação.
1. O homem é a única espécie que bebe leite na idade adulta
Segundo Román, o ser humano toma lácteos porque se acostumou a isso em umaevolução de milhares de anos.
O homem começou a tomar leite de vaca quando abandonou sua vida nômade e começou a cultivar a terra para alimentar-se e alimentar seus animais.
Como ser racional, o homem é a única espécie que tem domínio sobre o que come, e escolhe comer de acordo com o que necessitar. No caso do leite, o homem decidiu tomá-lo porque encontrou nele um alimento completo.
2. O consumo de leite produz cáries
Na opinião do especialista espanhol, essa afirmação é "absurda". "O interesse sobre a presença de lácteos na dieta do ser humano reside precisamente em sua riqueza em cálcio, um dos elementos fundamentais para a formação óssea e do leite também".
"Na realidade, sabemos que alguns lácteos -- como os queijos, por exemplo -- quando mastigados após as refeições, como sobremesa, reduzem a incidência de cáries", acrescentou. "Esse mito não apenas não é verdadeiro, como está equivocado", concluiu Román.
Além disso, a Organização Mundial da Saúde reconhece o papel específico dos lácteos na prevenção de cáries.
3. Crianças menores de um ano devem evitar beber leite de vaca
É verdade que os pediatras recomendam que as crianças menores de 1 ano não bebam leite de vaca, porque as proteínas e a gordura desse leite são mais difíceis de absorver pela criança. Segundo a Organização das NaçõesUnidas para aAlimentação e a Agricultura (FAO, na sigla inglesa), o leite de vaca não contém ferro e ácido fólico suficientes para satisfazer as necessidades dos bebês.
De acordo com Jesús Román, "o desejável, até os seis meses, é o leite materno e a partir daí um leite adaptado. Em épocas de fome, crianças muito pequenas tomaram o que havia, leite de vaca, de cabra, de ovelha ou o que estivesse disponível mas, desde já, esses tipos de leite não estão adaptados para o aparelho digestivo das crianças e pode provocar-lhes alterações digestivas".
4. O leite ajuda a combater a osteoporose
A osteoporose é uma doença que torna os ossos mais frágeis e suscetíveis a fraturas. Uma dieta bem equilibrada, incorporando minerais e vitaminas de diferentes grupos alimentícios é fundamental para que se tenha ossos saudáveis.
"Alcançar os níveis suficientes de cálcio em nossa dieta continua sendo um elemento básico para reduzir a incidência de osteoporose", disse Román.
"Não podemos dizer às pessoas que não tomem uma fonte de cálcio tão boa como são os produtos lácteos em geral, não apenas o leite, porque estaríamos reduzindo a maneira de enfrentar a osteoporose, que é um problema cada vez mais grave porque as pessoas estão vivendo mais", acrescentou ele.
Segundo Román, o índice de mortalidade por osteoporose nas mulheres de maior idade supera o de câncer de mama, razão pela qual "não podemos recomendar que não se utilize uma fonte como os lácteos que, sabemos, favorecem a calcificação dos ossos". [É no mínimo estranho que o especialista espanhol sequer mencione aqui o estudo sueco reportado pelo BMJ.]
5. O leite engorda
"No mundo nada engorda, exceto quando usado em excesso", disse categoricamente o especialista espanhol. "Uma pessoa necessita de algumas calorias diárias. Se estas forem ultrapassadas, se armazenam sob a forma de gordura -- dá no mesmo se isso ocorre através do leite ou de qualquer outro alimento", disse ele.
Segundo Román, "uma dieta normal, com as quantidades adequadas de calorias, não engorda nem emagrece".
O fato de uma pessoa engordar "dependerá do que ela coma e se movimente -- não se pode jogar a culpa no leite, que em geral tem pouco valor calórico", concluiu ele.
Segundo aFAO, os produtos lácteos podem ser importantes na diversificação da dieta. São ricos em nutrientes e fornecem proteínas de alta qualidade e micronutrientes de fácil absorção, que podem beneficiar tanto as pessoas vulneráveis nutricionalmente quanto as pessoas saudáveis quando consumidos em quantidades adequadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário