domingo, 18 de agosto de 2013

Só agora o Cade julga uma delação de cartel de 2006

[Em 17/12/2012 fiz uma postagem ("Infelizmente, nossa esperança é a delação, premiada ou não") em que disse que "Há duas fontes clássicas de delação: mulher contrariada (não importa se parenta, esposa ou concubina) e marginal desesperado". (...) A Justiça não dá a mínima nem para a gênese, nem para a eugenia da delação, desde que ela se materialize de acordo com o figurino legal".

Recentissimamente, a multinacional Siemens delatou a existência de cartel nas concorrências do metrô de S. Paulo, que fraudou o governo paulista em centenas de milhões de reais. A rigor, a Siemens não se enquadra em nenhum dos dois casos acima, embora seu comportamento tenha sido manifestamente o de um marginal. Não acredito nem um mínimo em arrependimento da Siemens, houve forças maiores envolvidas, possivelmente uma pressão do governo e/ou da legislação alemães. Corrupção e suborno fazem parte de seu currículo -- em 15/12/2008 ela se declarou culpada por corrupção e suborno e pagou multas de US$ 800 milhões nos EUA e US$ 395 milhões na Alemanha, além de multa anterior de US$ 274 milhões. Detalhe: antes de 1999, era legalmente admitido que empresas alemãs subornassem autoridades estrangeiras.  Agora, surge nova história de delação de cartel e, por estranha coincidência, de outra empresa alemã -- a Lufthansa --, o que parece reforçar a tese da pressão externa na própria Alemanha. Detalhe: ocorrida em 2006, só agora entra na pauta de julgamento do Cade. É a velha paquidermia dos nossos órgãos reguladores, que contribui fortemente para estimular e consolidar a corrupção no país. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

A participação de nove companhias aéreas na formação de um suposto cartel no transporte de cargas está na pauta de julgamento da próxima sessão do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), no dia 28. Segundo apurou a Folha, a tendência é de condenação de cinco delas. O caso começou a ser investigado em 2006 após delação da alemã Lufthansa, de acordo com fontes próximas às investigações -- o Cade mantém sob sigilo a identidade da empresa [como assim -- houve outra delatora além da Lufthansa?].
Entenda como agem os cartéis e qual a punição prevista

A companhia confessou que fazia parte de um conluio com brasileiras e estrangeiras, que combinavam entre si o valor de um item chamado adicional de combustível, que compõe o preço do frete cobrado dos clientes.

Com esse acordo, em vez de concorrerem entre si -- o que tenderia a baixar o preço do frete --, as empresas ofereciam tarifas mais altas aos clientes. Segundo a denúncia da Lufthansa, as empresas trocavam informações para elevar o adicional de combustível até o limite permitido pelo governo e definiam quando ele seria reajustado. A taxa, que começou a ser cobrada em 1997, foi proibida pela Agência Nacional de Aviação Civil em 2010.

A Lufthansa se comprometeu a cooperar com as investigações em troca de imunidade administrativa e criminal -no chamado acordo de leniência. A empresa alemã já havia delatado o mesmo esquema na Europa e nos EUA.

O cartel das aéreas (clique na imagem para ampliá-la). (*A lei antiga, em vigor no momento da infração, previa multas de até 30% do faturamento das empresas). - (Ilustração: Editoria de Arte/Folhapress). 

No Brasil, foram investigadas também Air France, KLM (atual Air France-KLM), ABSA Aerolíneas Brasileiras (atual TAM Cargo), Swiss, Alitalia, American Airlines, United Airlines e Varig Log. Quatro delas foram alvo de uma operação de busca e apreensão de documentos em 2007.

As acusações da delatora foram confirmadas pelas investigações conduzidas pela SDE (Secretaria de Defesa Econômica), órgão hoje incorporado ao Cade. 

Em seu parecer, concluído em dezembro de 2009, a secretaria recomendou a condenação de todas as envolvidas com exceção da Lufthansa, beneficiada pelo acordo de leniência, e da suíça Swiss, adquirida pela companhia alemã um ano antes da delação. O órgão indicou ainda que deveriam ser condenados 10 dos 15 executivos suspeitos de envolvimento. O mesmo entendimento teve a Procuradoria do Cade. 

Em fevereiro deste ano, Air France e KLM firmaram um acordo com o Cade, no qual assumem seu envolvimento e se comprometem a pagar R$ 14 milhões como compensação. Por isso, ficaram livres de condenação.  As demais companhias, contudo, não devem ser poupadas. A lei prevê pena de 0,1% a 20% do faturamento no ramo de carga -- no caso da Varig Log, por exemplo, a multa pode ser de R$ 760 mil até R$ 228 milhões. Já os executivos terão multas de R$ 50 mil no mínimo. 

Segundo envolvidos ouvidos pela Folha, a expectativa é de condenação ampla.

A chilena Lan Airlines, sócia da TAM, em documento enviado à CVM no ano passado, classificou o caso como "possível" perda. A maior dúvida é sobre a United Arlines: o Ministério Público Federal argumentou pela absolvição [logo uma empresa do Big Brother?!...]

Outro lado

Procuradas pela Folha, a maioria das empresas não quis se manifestar.  Apenas a United Airlines disse que "cumpre rigorosamente todas as leis de concorrência e que vai continuar se defendendo vigorosamente nessa matéria". 

A TAM Cargo afirmou, por meio de nota, que não se manifestaria, "uma vez que o caso ainda está em análise no Cade". 

A administradora judicial da massa falida da Varig Log disse que não saberia comentar o assunto porque não conhecia o caso.

A Lufthansa, que detém a Swiss, e o grupo Air France-KLM disseram apenas que não se pronunciariam. As quatro já fizeram acordo para ficar livre de punições. 

Já a American Airlines não se manifestou até a conclusão desta reportagem. 

A Folha tentou contato por telefone e e-mail com a assessoria de imprensa da Alitalia, mas não obteve respostas. 

Cronologia da delação e do processo no Cade - (Ilustração: Editoria de Arte/Folhapress).

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