domingo, 4 de agosto de 2013

Equipe francesa de natação culpa turbilhonamento por resultados "discutíveis" no campeonato mundial de Barcelona

[No esporte, como em praticamente tudo em que se metem, os franceses não conseguem se descartar de sua mentalidade de Obelix. Quando em desvantagem (principalmente, mas não unicamente), reagem com a mesmíssima sutileza física e idêntica acuidade mental que o simpaticíssimo -- gaulês, não exatamente francês -- melhor amigo de Asterix. No campeonato mundial de natação que se encerra hoje em Barcelona, na final dos 50 m nado livre ontem (vencida por Cesar Cielo) o francês Florent Manaudou, que havia sido o mais rápido das semifinais e é o atual campeão olímpico da prova, ficou fora do pódio, apenas na quinta colocação, com 21s64, atrás também do norte-americano Nathan Adrian, que marcou 21s60. A prova é uma das mais emblemáticas da natação mundial. Até ontem, a França havia conseguido importantes medalhas de ouro e recordes, e não havia chiadeira dos "bleus" -- mas, a perda dos 50 m foi demais para o orgulho tricolor e aí surgiu a teoria da conspiração tecnológica levantada pela turma do foie gras, como informa a reportagem que traduzo abaixo, publicada hoje no jornal francês Le Monde. Pode ser até que desta vez tenham se mostrado algo mais inteligentes que o gaulês, mas a rapidez e a sutileza foram tipicamente as de Obelix.]

Segundo nossas informações, os dirigentes da equipe francesa constataram que em certas raias da piscina oficial os nadadores percorriam suas extensões mais rapidamente num sentido do que no outro. A final masculina dos 50 m, entre outras provas, pode ter sido decidida por critérios outros que não só o da natação.


O Mundial de Natação de 2013 se encerra nesta tarde de domingo em Barcelona e, no entanto, ter-se-á talvez que esperar um pouco antes de se conhecer o verdadeiro quadro de medalhas. A validade do pódio de várias provas que nele ocorreram durante uma semana parece duvidosa por um motivo tão raro quanto absurdo: certas raias parecem garantir um nado mais rápido em um sentido que no outro. Explicações. 

Na manhã de hoje, no coração do Palau Sant Jordi [Palácio São Jorge] que acolhe a competição, ocorria a entrevista com a imprensa dos dirigentes da equipe francesa de natação. Francis Luyce, presidente da Federação, Lionel Horter, diretor técnico nacional (DTN), e Romain Barnier, treinador-chefe, apresentavam ali o balanço que efetuaram dos desempenhos dos "Azuis" no Mundial.

"Lhes solicitamos parar os motores"

Por volta de 12h30, no momento em que essa entrevista com a imprensa termina para dar lugar à dos dirigentes da Federação Internacional de Natação (FINA), Francis Luyce e os jornalistas franceses saem mas Lionel Horter e Romain Barnier permanecem na sala. Acabam se encontrando com o romeno Cornel Marculescu, diretor executivo da Fina, e travam com ele uma conversa com a participação também da ex-nadadora francesa Roxana Maracineanu, presente em Barcelona como consultora de France Télévisions.

"Tudo o que lhe solicitamos", diz calmamente Lionel Horter a Cornel Marculescu, "é que parem os motores durante as finais deste pós-meio-dia". O DTN francês parece sugerir que o sistema de filtragem e de limpeza da água, alimentado por uma bomba ativada por uma turbina, tinha uma influência sobre a velocidade dos nadadores em certas raias da piscina. "Não estou convencido", responde ceticamente Cornel Marculescu. "Veremos". Precedido de Romain Barnier, Lioner Horter deixa então a sala sem mais explicações.

Roxana Maracineanu permanece na sala e prossegue com a conversa com o n° 2 da FINA em romeno, que ela fala fluentemente. Alguns instantes mais tardes, ele pede licença a Cornel Marculescu, procura folhas de resultados de provas disputadas em Barcelona, coloca-as sobre uma mesa e se põe, com uma caneta verde, a sublinhar freneticamente vários dados cronométricos.

Lionel Horter e Romain Barnier desapareceram mas Luyce está lá, no centro de imprensa. Pede-se-lhe uma explicação, e ele a dá: "Romain (Barnier) e Lionel (Horter) verificaram que em certas provas os nadadores das raias 1, 2 e 3 eram mais rápidos em um sentido, e os das raias 6,7 e 8 no outro sentido. Isso seria causado por um turbilhonamento provocado na piscina pelo sistema de turbinas". Francis Luyce ilustra suas palavras com um desenho com a seguinte aparência:

(Foto: Le Monde).

As setas horizontais indicam os sentidos em que levam vantagem os nadadores das raias superiores e inferiores da piscina. As bombas turbinadas, que seriam a origem de um movimento da água ínfimo e mal visível a olho nu, mas que acarreta uma corrente turbilhonante em torno da piscina, estão colocadas na parte interna das paredes da piscina a 2 m de profundidade ao longo de toda a extensão da raia "0" (acima da raia 1) e da raia 9 (abaixo da raia 8). Há cerca de uma dezena dessas bombas em cada lado da piscina.

Raia 8, a direção dos pódios?

A verificação feita com os tempos detalhados das finais dos 800 m e dos 1.500 m para mulheres e dos 800 m para homens (a prova masculina dos 1.500 m será nadada hoje à tarde) alimenta a dúvida: de maneira quase sistemática, os nadadores e nadadoras posicionados nas raias 1, 2 ou 3 nadavam alguns décimos de segundo mais rápidos quando percorriam a piscina da direita para a esquerda do que quando o faziam da esquerda para a direita. Ao contrário, os(as) nadadores(as) colocados nas raias 6, 7 e 8 foram mais rápidos(as) ao nadarem da esquerda para a direita.

Por exemplo, na final dos 1.500 m para mulheres a americana Chloe Sutton, posicionada na raia n° 1 nadou suas idas da direita para a esquerda em
32s093 em média e seus retornos (da esquerda para a direita) em 32s544. Na mesma prova, a chinesa Danlu Xu, na raia 8, nadou suas idas em 32s252 em média e seus retornos em 31s777. Em resumo, Chloe Sutton nadou um meio segundo mais rápido quando seguiu da direita para a esquerda, e Danlu Xu um meio segundo mais rápido no sentido oposto. O mesmo se verifica nas finais feminina de 800 m e masculina de 800 m.

É sobretudo nas provas de 50 m, que são nadadas portanto em apenas um sentido, da esquerda para a direita, que essa história de turbilhonamento pode ter tido a maior influência, tendo em vista que certos atletas nadarão toda a extensão da piscina contra a "corrente" -- mesmo que se trate de uma corrente muito moderada. Assim, nas cinco finais de 50 m disputadas até agora (nado livre, borboleta e peito para os homens; costas e borboleta para as mulheres), o(a) nadador(a) posicionado(a) na raia 8 subiu quatro vezes ao pódio (2 medalhas de prata, 2 de bronze). Nas 5 provas, o(a) nadador(a) da raia n° 1 se classificou 3 vezes em último (incluindo aí o francês Florent Manaudou nos 50 m borboleta), e 2 vezes em penúltimo. Nitidamente, para subir em um pódio de uma prova de 50 m em Barcelona valia mais a pena nadar na raia 8 do que na raia 1 -- é bom lembrar que, nas finais, essas duas raias são ocupadas pelos nadadores que lograram os piores tempos nas semifinais.

O pódio dos 50 m livres para homens, uma prova seguramente muito aleatória, foi sem dúvida particularmente surpreendente. Seus três lugares foram ocupados, começando pelo mais elevado, por nadadores posicionados nas raias n° 6 (Cielo, o que não é anormal), n° 7 (Morozov, ainda passa) e n° 8 (Bovell, mais surpreendente).

"Os americanos também constataram que ali havia algo", nos soprou ainda Luyce. O nadador americano Nathan Adrian, quarto dos 50 m nado livre (raia n° 3), a 11 centésimos da medalha de bronze de Bovel (raia 8), a 13 centésimos da medalha de prata de Morozov (raia 7) e a 28 centésimos do ouro de Cielo (raia 6) pode ter perdido uma medalha por razões alheias a ele.

Contatado por telefone, Cornel Marculescu, solicitado a abordar essa questão respondeu (em francês): "Não sei o que lhes foi dito, mas não há problema".

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PS - O questionamento de resultados em Barcelona, relatado acima, só constou do Le Monde. Os demais jornais franceses de destaque, como por exemplo o Le Figaro, o Libération e o Le Nouvel Observateur não publicaram uma linha sequer sobre o assunto, assim como os espanhóis El País e El Mundo.






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