domingo, 12 de maio de 2013

A questão da redução da maioridade penal no Brasil (II)

[Ver postagem anterior sobre o assunto. Reproduzo a seguir algumas opiniões contrárias à redução da maioridade penal.]

A primeira delas é do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que enfatizou ser contrário à redução da maioridade penal no Brasil, suscitada pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, após o envolvimento de um adolescente em um homicídio. Cardozo, que anteriormente já tinha pedido cautela em relação ao assunto, disse que eventuais tentativas de mudanças na lei em resposta a crimes violentos não têm efeito prático. [Apesar de sua formação de advogado, o ministro não me convence em suas posições.]

O ministro considera a redução inviável do ponto de vista constitucional. “Tenho absoluta convicção de que essa questão, ao estar na Constituição Federal, é uma cláusula pétrea, ou seja, não pode ser alterada mesmo com emenda constitucional. Portanto, qualquer proposta nesse sentido não poderá ser aceita”, disse Cardozo. [O Art. 228 da Constituição Federal diz que “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Os que, como o ministro, defendem a posição de que essa é uma das cláusulas pétreas da nossa Carta Magna baseiam-se no argumento de que o Art. 60, §4º, IV da Constituição, que elenca as cláusulas pétreas, inclui a manutenção dos direitos e garantias individuais (Cláusula Vedativa de Retrocesso). Diante desse dispositivo, o poder de reforma da Constituição (Poder Constituinte Derivado) não pode alterar a idade fixada como maioridade penal. Se assim for, concluo, o destino do país é trágico -- estaremos condenados a ser eternamente o paraíso dos menores assassinos e estupradores, protegidos constitucionalmente.

Vamos retroceder no tempo, até o nosso Império e períodos subsequentes. O texto a seguir é do trabalho "Maioridade Penal no Brasil e na Espanha: Um Estudo Comparativo", de Elaine Marinho Faria e Maria Amélia da Silva Castro, publicado na E-Legis | Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação /Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara do Deputados, n° 6, págs. 56-71, 1° semestre de 2011]: 

"Conforme Soares (2008), quando D. João VI desembarcou no Brasil com sua corte, em 1808, as Ordenações Filipinas estavam em vigor, isto quer dizer que a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos, eximindo o menor da penade morte. Os jovens eram severamente punidos, sem muita diferenciação quanto aos adultos.

Aos jovens entre dezessete e vinte anos, havia uma diminuição da pena em um terço em relação aos adultos, de acordo como o juízo do magistrado, adotando-se, para tal caso, os três critérios objetivos e um subjetivo. Os critérios objetivos eram: a) modo como o delito foi praticado; b) suas circunstâncias; c) a pessoa do menor. Já o critério subjetivo estava relacionado à malícia da ação. Já aos jovens entre sete e dezessete anos, o soberano concedeu o "privilégio" de não serem condenados a pena de morte, subsistindo todas as outras políticas penais, como custódia no mesmo estabelecimento prisional, sem qualquer diferenciação na execução da pena. Percebe-se que a inimputabilidade penal plena só ocorria para os menores de
sete anos de idade.

Em 1830, foi criado o Código Penal do Império, inspirado no Código Penal Francês de 1810, que adotou o sistema de discernimento, determinando a maioridade penal absoluta a partir dos quartorze anos, mas os menores abaixo desta idade poderiam ser considerados penalmente responsáveis se agissem com discernimento. O discernimento adotado nesse Código permitia que até mesmo uma criança de oito anos e um adolescente de quinze pudessem ser condenados à prisão perpétua. O Código Penal Republicano de 1890 determinava a inimputabilidade absoluta até osnove anos completos. Os maiores de nove anos e os menores de quatorze estariam sujeitos ao sistema do discernimento. O critério era bastante subjetivo, e a verificação da aptidão para distinguir o bem do mal - o reconhecimento do menor possuir relativa lucidez - era uma das decisões mais difíceis para os juízes.

A primeira legislação brasileira a tratar do tema entrou em vigor em 1921, por intermédio da Lei Orçamentária nº 4.242, que trazia especificações de um Código de Menores, no qual era definido abandono, suspensão, perda do pátrio poder, além de determinar a utilização de procedimentos especiais. Apesar dessa legislação só ter sido aprovada em 1921, outros projetos estiveram presentes no cenário legislativo, como o Lopes Trovão (1902) e Alcindo Guanabara (1906 e 1917), este último tratando da inimputabilidade dosmenores entre doze e dezessete anos (Santos, 2008). Ainda, conforme Santos (2008), o Direito Menorista ganhou vulto, passando a ser regulado pelo Código de Menores de 12 de outubro de 1927, que modificou a Lei 5.228, de1967, que foi alterada pela Lei 5.5.39, de 1968, ambas já na vigência do Código Penal de 1940, que limitou a menoridade penal aos dezoito anos.

Em 1926, o Congresso Nacional concedeu ao Poder Executivo uma autorização para consolidar as leis sobre menores, sob a denominação de Código. No dia 12 de outubro de 1927,o Decreto 17.943-A consolidou as leis relativas a menores, instituindo o Código de Menores, o primeiro da América Latina. O Código veio a alterar e substituir concepções obsoletas como: discernimento, culpabilidade, penalidade, responsabilidade, pátrio poder. Foi abandonada a postura de reprimir e punir, passando a ser priorizada a postura de regenerar e educar.

(...) Com o intuito de romper com a doutrina do Direito Penal do Menor, conforme Segalin (2006), foi criado o Código de Menores de 1979, que adotou a Doutrina Jurídica do Menor em Situação Irregular. A infância ficava dividida em duas categorias: as crianças e adolescentes – considerada infância normal, sob os cuidados da família - e a população infanto-juvenil de rua. Nesta última categoria estavam incluídos os órfãos,os carentes e os infratores (Segalin;Trzcinzski, 2006). O Código tinha como objetivo oferecer assistência, proteção e vigilância aos menores de até dezoito anos.

(...) Esse código vigorou até 1990, quando da promulgação da Lei 8.069, de 14 de outubro de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – foi criado para substituir o Código de Menores. (...) O ECA considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 228, deixa claro que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos sujeitos às normas da legislação especial.

(...) Na prática, quando o direito à vida está em jogo, até os menores de doze anos são, de certo modo, imputáveis, porque já existem no Brasil centros de internação para menores de doze anos, com comportamento de alta periculosidade. O ECA permite a internação de adolescentes infratores e proíbe a internação para crianças. Segundo Heringer Júnior (2000), o procedimento para apuração de ato infracional praticado por adolescente passou a apresentar importantes particularidades com o ECA, principalmente com a criação do instituto da remissão.

São medidas socioeducativas constantes do ECA, conforme Braz (2000, p. 5): a)advertência – que consiste na admoestação oral durante entrevista com juiz da Vara da Infância e da Juventude, aplicável às infrações de menor importância; b) obrigação de reparar o dano, cabível em ações que gerem lesões ao patrimônio. Objetiva despertar o senso de responsabilidade do adolescente; c) prestação de serviço à comunidade: infrator não é retirado do convívio social; d) liberdade assistida: o jovem infrator permanece sob convívio familiar, sem sofrer restrições a sua liberdade e direitos, porém suas ações são fiscalizadas e acompanhadas; e)inserção em regime de semiliberdade: esta medida deve ser acompanhada de escolarização e profissionalização, f) internação em estabelecimento educacional: não comporta prazo determinado, uma vez que a medida tem caráter regenerador do adolescente.

O ECA, em seu art. 121, § 3º, dispõe que não existirão penas perpétuas, pois a internação não poderá exceder a três anos. O princípio da brevidade e da temporalidade está contido no art. 227, § 3º, da Constituição Federal. No art. 122, § 2º do ECA, a privação de liberdade surge como última medida, após ser realizado todo um trabalho de convencimento e tratamento do menor infrator.
Conforme Marques ((2007), O ECA estabelece a pena máxima de três anos, o que não intimida o menor infrator e, algumas vezes, faz comque ele seja pressionado a assumir a culpa de um crime que não cometeu apenas para se livrar de uma pena máxima".

[Do exposto acima, vemos que o indivíduo no Brasil passou de imputável aos 7 anos (1808) a inimputável aos 18 anos em 1988  -- ou seja, em 180 anos, passamos de uma imputabilidade aos 7 anos para uma inimputabilidade aos 18 anos. Em termos legais, o brasileiro ganhou 11 anos em inimputabilidade passados 180 anos em relação ao que vigorava em 1808. Tendo em vista todo o avanço em informação, pedagogia, sociologia, ciência, tecnologia da informação, diagnósticos, terapias, medicamentos e o escambau, qual é a lógica racional, física, metafísica, esotérica, mediúnica, quarto-dimensionista, alienígena e o que mais seja, que possa justificar que o menor de idade que mata incendiada uma mulher porque ela só tinha R$ 30,00 na conta bancária em 2013 seja menos responsável criminalmente que alguém que cometesse um crime tão hediondo quanto, em 1808?! A vida humana regrediu tanto em valor nesses 180 anos, ou viramos uns masturbadores excêntricos e surfistas de maionese em torno desse tema?!

Outra opinião contrária à redução da maioridade penal é a do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Registro sua posição apenas porque, cumprindo seu papel de boneco de ventríloquo desde o governo do NPA, ele simplesmente reproduz o que o(a) senhor(a) reinante no Palácio do Planalto lhe dita.]
  





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Um comentário:

  1. Não tenho o menor interesse em discutir "idade penal", na medida em que, seja qual for, nivela o delinquente juvenil e o monstro. Por exemplo: aquele que queimou a dentista (monstro), o que estuprou no ônibus (monstro). Imaginar que serão devolvidos à sociedade, em três anos, após "atividades sócioeducativas", é risível.
    O que me interessa é: qual crime foi cometido e em que condições? Que seja julgado como tal!

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