terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Por que os americanos detestam os franceses?

 O artigo que reproduzo (traduzido) a seguir, publicado na Slate em 15 desde mês, permite um mergulho interessante nas idiossincrasias dos americanos em relação aos franceses. Os comentários em itálico, entre colchetes, são meus.

Um anúncio recente de um grupo libera [americano]  mostra [o pré-candidato republicano] Mitt Romney falando francês, enquanto legendas intencionalmente mal traduzidas o apresentam como alguém que oscila entre posições contraditórias [às que antes sustentava] [uma espécie de maria-vai-com-as-outras]. Delegados de George W. Bush acusaram John Kerry de "parecer um francês" na campanha de 2004. Por que os americanos odeiam os franceses?

Algo disso vem dos britânicos. Desde os primeiros anos da República francesa, os americanos retratavam a França como tudo o que os EUA não eram, nem queriam ser. Alexander Hamilton [um dos "Founding Fathers" dos EUA, algo como "Patriarcas Fundadores" do país, líderes políticos que participaram da revolução americana e assinaram a Declaração de Independência dos EUA em 04/7/1776] disse: "Não há semelhança real entre o que foi a origem da América e o que é a origem da França". -- Ele identificou a primeira como liberdade e a segunda como licenciosidade. -- Entretanto, muito do nosso preconceito anti-francês remonta à feliz e alegre Inglaterra, que durante séculos esteve lutando contra seus rivais do outro lado do canal. Hoje, quando críticos americanos ligam um político à França, estão explorando uma variedade de estereótipos de longa data, alguns dos quais não são mais corretos ou exatos, e muitos dos quais são injustos já de início. Apesar disso, as percepções parecem ser inabaláveis. Eis a seguir os cinco sentimentos antifranceses mais comuns, e um breve histórico de cada um.

Os franceses são afeminados e covardes -- Americanos herdaram este estereótipo de seus antepassados britânicos. No final do século 16 um inglês debochou da língua francesa como sendo "Delicate but ouer nice, as a woman scarce daring to open her lipps for feare of marring her countenance" [algo como "delicada mas 'ouer' (não encontrei o significado desta palavra do inglês antigo -- poderia ser o "over" de hoje, no sentido de "não mais, terminado") bonita, como uma mulher quase não ousando abrir seus lábios com medo de deformar/estragar sua fisionomia"].

A caricatura se consolidou durante a Segunda Guerra Mundial, depois que as forças alemãs passaram sobre a Linha Maginot e entraram em Paris em questão de semanas, e se viu um ressurgimento disso quando Jacques Chirac se opôs à invasão [americana] do Iraque em 2003. [A meu ver, duas situações absolutamente distintas].

Colin Powell acusou o ministro do Exterior francês, Hubert Védrine,  de "getting the vapors" [algo como "desmaiar de susto, choque, etc], e John McCain disse: "Eles me lembram uma velha atriz de cinema dos anos 1940s, que ainda está tentando causar furor com sua aparência mas não tem mais estofo para isso". [McCain teria dito isso depois de visitar a França como candidato oficial republicano à presidência dos EUA, numa grosseria tipicamente americana]. A expressão mais famosa desse estereótipo parece ser a do personagem Willie, do desenho Os Simpsons, que em um episódio em 1995 chamou os franceses de "cheese-eater surrender monkeys" [algo como "macacos covardes (que se entregam) comedores de queijo".

Os franceses são corruptos e não têm ideais -- Pouco depois da nossa [a americana] independência, os americanos ficaram chocados com o caso XYZ, no qual diplomatas franceses tentaram vender sua influência aos enviados americanos. [Esse caso, considerado um insulto da França aos EUA, teria gerado uma guerra naval não declarada, chamada Quase-Guerra, que sacudiu violentamente os mares de 1798 a 1800]. Ao longo do tempo, os americanos ficaram tão convencidos da corrupção francesa que passaram a acreditar até nas histórias fantasiosas mais extravagantes. Durante a Segunda Guerra Mundial, os jornais da cadeia Hearst informavam que os franceses cobravam aluguel dos soldados americanos por suas trincheiras nos campos de batalha. As tropas americanas que retornaram da guerra reclamavam que haviam sido trapaceadas pelos hoteleiros e comerciantes franceses. Os defensores [americanos] da invasão do Iraque em 2003 se aproveitaram fortemente dessa percepção, dizendo que Chirac havia sido comprado por Saddam Hussein com contas de petróleo.

Os franceses são excessivamente teóricos -- Há uma velha piada que circula em Washington, que fala de um comitê internacional que observa uma nova invenção em funcionamento. Enquanto todo mundo está impressionado, o representante francês, preocupado, comenta: "É evidente que isso funciona na prática, mas funcionará na teoria?" . O estereótipo do francês que coça o queixo e admira o próprio umbigo parece ter vindo dos britânicos. Em seu livro de 1793, "O exemplo da França como um Alerta à Grã-Bretanha" (The Example of France as a Warning to Britain), o inglês Arthur Young comemora "a repulsa constitucional inglesa pela teoria, e por qualquer confiança no raciocínio abstrato". Esta é uma de várias declarações semelhantes, que remontam a meados do século 17.

A França é elitista - A imagem de uma elite governante esnobe é mais conhecidamente representada na sugestão de Maria Antonieta de que os pobres podiam melhorar a falta de pão comendo bolos. [A frase atribuída a Maria Antonieta é "Qu'ils mangent de la brioche" -- "Que comam brioche"]. Há também o apócrifo pronunciamento de Luiz XIV, "O Estado sou eu" (L' État c'est moi").  Hoje, muitas das autoridades (ou funcionários graduados) governamentais francesas se formam em uma única escola, a Escola Nacional de Administração. Quando políticos americanos acusam seus opositores de ter simpatias pela França, esse é o código usual para elitismo. John Kerry declinou de dar entrevistas em francês durante sua campanha em 2004, e George W. Bush também evitou de falar em francês [será que ele realmente sabe?!...]. Embora ambos sejam considerados como falando relativamente bem a língua [francesa], sucumbiram à [possível] alegação de elitismo.

A França é coletivista, e não respeita a liberdade -- Há um agudo contraste entre o ideal americano de "vida, liberdade, e busca da felicidade" e o lema francês de "liberdade, igualdade e fraternidade". O projeto francês sempre colocou uma forte ênfase na coletividade e em uma cultura política, cultural e economicamente consistente. Geralmente, em debates sobre políticas, denominar uma proposta de afrancesada ou francófila é uma maneira de chamá-la de socialista.

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