terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Um Goethe verde e amarelo

Com o título desta postagem, a Revista da Cultura, publicada pela Livraria Cultura, apresenta um interessante texto sobre as relações entre Goethe e o Brasil, de autoria de Wilker Sousa, que reproduzo a seguir. Segundo o artigo, o escritor dividia seu tempo pesquisando espécies de plantas brasileiras, e criando obras literárias aclamadas em todo o mundo.

“Que Vossa Excelência não considere essa malvácea inteiramente indigna de vosso nome! Ela representa um gênero seguro, muito bem fundamentado, de plantas sul-americanas, talvez principalmente brasileiras, e, num futuro próximo, deverá ganhar ainda significativa expansão em novas espécies.” O excerto, presente na carta escrita em abril de 1823 pelo botânico alemão Nees von Esenbeck e endereçada a Goethe, alude ao batismo de uma espécie de malvácea brasileira com o nome de Goethea. Passados 20 dias, o poeta manifestaria comoção diante da homenagem: “O fato de que o senhor me eleja como padrinho de uma planta tão magnificamente especial, designando assim ao meu nome posição tão bela nos assuntos científicos – isso representa (...) algo duplamente comovente e aprazível.” Tal episódio ilustra com precisão um aspecto pouco conhecido entre nós, brasileiros: o profundo interesse de Goethe pelo Brasil. 

E o adjetivo não é gratuito. Quase três décadas de anotações em diário (o primeiro registro sobre o Brasil data de 1802 e o último, de 1831), bem como dezenas de volumes acerca do tema em sua biblioteca particular, descartam qualquer aventureirismo. O interesse remonta aos anos seguintes à fuga da corte portuguesa para o Brasil, período em que o país viveu uma abertura política e cultural aos estrangeiros. Naquele período, Goethe fora nomeado ministro de Estado da Saxônia-Weimar e logo seria incumbido pelo duque Carlos Augusto de averiguar se o ornitólogo Thienemann poderia ser enviado ao Brasil para uma missão científica. Embora a empreitada tenha fracassado, o escritor aproveitou o ensejo para estreitar seus laços com o país, conforme explica o pesquisador alemão Sylk Schneider: “A expedição não deu certo, mas o pequeno ducado da Saxônia-Weimar tornou-se um centro de recepção dos novos conhecimentos sobre o Brasil. E, neste centro, estavam o duque e Goethe". 

Sylk é autor do livro Viagem de Goethe ao Brasil (publicado na Alemanha e sem previsão de lançamento por aqui), trabalho que demandou dois anos de escrita e outros tantos dedicados à pesquisa. O estudioso tomou conhecimento dos muitos diálogos entre Goethe e cientistas, sobretudo com o geólogo Wilhelm Ludwig von Eschwege e o jovem botânico bávaro Carl Philipp von Martius, a quem o poeta chamava de “o brasileiro Martius”. Eram principalmente eles os responsáveis por saciar o ávido interesse de Goethe pelas riquezas naturais daquele remoto e imenso país sul-americano, então com cerca de 3,5 milhões de habitantes. 

Mas os estudos sobre o Brasil teriam, em alguma medida, influenciado Goethe em sua produção literária? Com base no ensaio Natureza ou Deus: afinidades panteístas entre Goethe e o ‘brasileiro’ Martius, escrito por Marcus Mazzari, a resposta é sim. Professor da Universidade de São Paulo (USP) e reconhecido estudioso da obra de Goethe, Mazzari chama atenção para a o fato de que era comum o poeta dar dimensão estética a conceitos oriundos das ciências naturais, haja vista a relação simbólica entre o sistema solar e a personagem Makarie, do romance Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister; mesmo em Fausto, não são raras metáforas botânicas: “Com seu próprio vigor, / Eleva o tronco na atmosfera, / Assim é o onipotente amor / Que tudo cria, tudo opera”. 

No que se refere aos conhecimentos sobre a flora brasileira e sua relação com a literatura, Mazzari defende que a proximidade de Goethe e Martius resultou em influência recíproca: “A leitura de Fausto e A metamorfose das plantas contribuiu decisivamente para o aperfeiçoamento dos textos de Martius, a outra direção (e hipótese) a ser percorrida aponta para o fato de que a análise das obras de Martius não apenas estimulou o trabalho científico de Goethe, como também deixou marcas na última fase de sua produção literária” .


Johan Wolfgang von Goethe, escritor e pensador alemão (1749-1832) - (Foto: Revista da Cultura).

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