“Que
Vossa Excelência não considere essa malvácea inteiramente indigna de
vosso nome! Ela representa um gênero seguro, muito bem fundamentado, de
plantas sul-americanas, talvez principalmente brasileiras, e, num
futuro próximo, deverá ganhar ainda significativa expansão em novas
espécies.” O excerto, presente na carta escrita em abril de 1823 pelo
botânico alemão Nees von Esenbeck e endereçada a Goethe, alude ao
batismo de uma espécie de malvácea brasileira com o nome de Goethea.
Passados 20 dias, o poeta manifestaria comoção diante da homenagem: “O
fato de que o senhor me eleja como padrinho de uma planta tão
magnificamente especial, designando assim ao meu nome posição tão bela
nos assuntos científicos – isso representa (...) algo duplamente
comovente e aprazível.” Tal episódio ilustra com precisão um aspecto
pouco conhecido entre nós, brasileiros: o profundo interesse de Goethe
pelo Brasil.
E o
adjetivo não é gratuito. Quase três décadas de anotações em diário (o
primeiro registro sobre o Brasil data de 1802 e o último, de 1831), bem
como dezenas de volumes acerca do tema em sua biblioteca particular,
descartam qualquer aventureirismo. O interesse remonta aos anos
seguintes à fuga da corte portuguesa para o Brasil, período em que o
país viveu uma abertura política e cultural aos estrangeiros. Naquele
período, Goethe fora nomeado ministro de Estado da Saxônia-Weimar e
logo seria incumbido pelo duque Carlos Augusto de averiguar se o
ornitólogo Thienemann poderia ser enviado ao Brasil para uma missão
científica. Embora a empreitada tenha fracassado, o escritor aproveitou
o ensejo para estreitar seus laços com o país, conforme explica o
pesquisador alemão Sylk Schneider: “A expedição não deu certo, mas o
pequeno ducado da Saxônia-Weimar tornou-se um centro de recepção dos
novos conhecimentos sobre o Brasil. E, neste centro, estavam o duque e
Goethe".
Sylk é autor do livro Viagem de Goethe ao Brasil (publicado
na Alemanha e sem previsão de lançamento por aqui), trabalho que
demandou dois anos de escrita e outros tantos dedicados à pesquisa. O
estudioso tomou conhecimento dos muitos diálogos entre Goethe e
cientistas, sobretudo com o geólogo Wilhelm Ludwig von Eschwege e o
jovem botânico bávaro Carl Philipp von Martius, a quem o poeta chamava
de “o brasileiro Martius”. Eram principalmente eles os responsáveis por
saciar o ávido interesse de Goethe pelas riquezas naturais daquele
remoto e imenso país sul-americano, então com cerca de 3,5 milhões de
habitantes.
Mas os estudos sobre o Brasil teriam, em alguma medida, influenciado Goethe em sua produção literária? Com base no ensaio Natureza ou Deus: afinidades panteístas entre Goethe e o ‘brasileiro’ Martius,
escrito por Marcus Mazzari, a resposta é sim. Professor da
Universidade de São Paulo (USP) e reconhecido estudioso da obra de
Goethe, Mazzari chama atenção para a o fato de que era comum o poeta
dar dimensão estética a conceitos oriundos das ciências naturais, haja
vista a relação simbólica entre o sistema solar e a personagem Makarie,
do romance Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister; mesmo em Fausto,
não são raras metáforas botânicas: “Com seu próprio vigor, / Eleva o
tronco na atmosfera, / Assim é o onipotente amor / Que tudo cria, tudo
opera”.
No
que se refere aos conhecimentos sobre a flora brasileira e sua relação
com a literatura, Mazzari defende que a proximidade de Goethe e Martius
resultou em influência recíproca: “A leitura de Fausto e A metamorfose das plantas
contribuiu decisivamente para o aperfeiçoamento dos textos de Martius,
a outra direção (e hipótese) a ser percorrida aponta para o fato de
que a análise das obras de Martius não apenas estimulou o trabalho
científico de Goethe, como também deixou marcas na última fase de sua
produção literária” .
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