quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Trote estudantil -- uma prática absurda e medieval que precisa acabar, a começar pelas universidades


Algumas fotos de trotes universitários









Ao ler as notícias listadas acima e ver as fotos que as seguem o leitor e o espectador desavisados poderão achar que se trata de um concurso de boçalidades, brutalidades e aberrações praticadas por uma sociedade primitiva, não atingida ainda por qualquer senso de humanismo e respeito ao próximo. O grande e gravíssimo problema é que isso é feito há décadas, com toques de sadismo, humor quadrúpede e ranços de discriminação pela comunidade acadêmica do país, aí incluindo estudantes das melhores universidades do país. Esses estudantes são, em tese, a esperança do país. E ninguém se mexe para acabar com essa insanidade e essa estupidez -- estamos todos incluídos nessa esparrela.

A futura elite da nossa sociedade inicia sua formação universitária sendo humilhada, para logo em seguida tornar-se também humilhadora -- com requintes de crueldade e barbárie, não raro com resultados fatais (ver por exemplo o caso de Edison Tsung Chi Hsueh e de outros citados acima).  Absolutamente nada justifica essa prática medieval do trote, muito menos a de um pretenso humor -- qual é a graça idiota de se submeter alguém ao ridículo?! Os displicentes -- cúmplices irresponsáveis dessa estupidez -- que alegam que isso tudo é brincadeira de jovens são uns embotados que não percebem que nesses trotes cultiva-se o germe da violência e do desrespeito à dignidade humana, que deságua na sociedade violenta, permissiva e amoral que domina o país em todos os seus escalões.

O trote estudantil não é uma exclusividade brasileira, muito menos foi inventado no Brasil. Seu histórico pode ser traçado a partir do começo das primeiras universidades, na Europa da Idade Média. Nestas instituições, surgiu o hábito de separar veteranos e calouros, aos quais não era permitido assistirem as aulas no interior das respectivas salas, mas apenas em seus vestíbulos (de onde veio o termo "vestibulando" para designar esses novatos). Por razões profiláticas, os calouros tinham as cabeças raspadas e suas roupas muitas vezes eram queimadas.

Todavia, já no século XIV, as preocupações com a higiene haviam se transformado em rituais aviltantes, com nítida conotação sadomasoquista. Isto é observado nas universidades de BolonhaParis e, principalmente, Heidelberg, onde os calouros, reclassificados como "feras" pelos veteranos, tinham pelos e cabelos arrancados, e eram obrigados a beber urina e a comer excrementos antes de serem declarados "domesticados".

Em Portugal, os trotes violentos (como o notório "Canelão") podem ser rastreados a partir do século XVIII na Universidade de Coimbra. Não por coincidência, estudantes da elite brasileira que por lá realizaram parte de seu processo educativo, trouxeram a "novidade" para o território nacional. Em decorrência disso, surgiram desavenças entre veteranos e calouros que culminaram com a morte, em 1831, de um estudante da faculdade de Direito de OlindaPernambuco– seria a primeira, mas lamentavelmente não a última vítima de um trote violento no Brasil.

Em Portugal o trote é chamado de "praxe" e também é questionado por parcelas crescentes de sua sociedade. Em dezembro passado, na praia do Meco, seis jovens universitários da Universidade Lusófona morreram afogados com fortes indícios de estarem cumprindo um ritual de "praxe". Vizinhos disseram que, durante a tarde do dia da tragédia, viram os jovens a arrastar-se pelo chão com pedras amarradas aos pés.

Não é possível e admissível que com um histórico desses a sociedade permaneça apática e passiva à estupidez do trote em geral, e do universitário em particular. No meu caso pessoal, que completei 50 anos de formado no ano passado, nunca vi a minha geração esboçar qualquer reação ou sequer comentar esse assunto. Depois, ficamos todos -- engenheiros e não engenheiros, mas de nível superior -- nos perguntando ridiculamente por que a sociedade brasileira é tão violenta.

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