terça-feira, 26 de novembro de 2013

Deputados que estão sendo processados e podem perder patrimônio atuam para mudar Código de Processo Civil e dificultar penhora de bens

[A Câmara dos Deputados cada vez mais se configura como reduto de malandros que vivem buscando subterfúgios e mutretas para se protegerem da Lei, principalmente aqueles que já sentem o bafo da Justiça em seu cangote.  O jornal Valor Econômico de ontem (25/11) nos conta mais uma faceta da audaciosa pilantragem dessa curriola.]

Dois deputados que têm o patrimônio ameaçado por processos judiciais atuam na Câmara dos Deputados para mudar o Código de Processo Civil (CPC) no trecho que permite à Justiça realizar a penhora online - mecanismo pelo qual o juiz pode penhorar, por meio de um sistema do Banco Central conectado à internet, os bens de um réu antes que a ação termine definitivamente. O principal propósito desse mecanismo é evitar que o devedor se desfaça de suas posses para evitar o pagamento da dívida.

Alfredo Kaefer (PSDB-PR) e Nelson Marquezelli (PTB-SP) têm dificultado a votação do projeto que define o novo texto do CPC alegando que o relatório produzido por Paulo Teixeira (PT-SP) permite abusos da Justiça ao realizar a penhora, como estender a medida a sócios sem relação com a dívida e proibir acesso a todo o patrimônio, não só ao valor devido.
Apesar de novidades introduzidas no texto por Teixeira, como a obrigação de o juiz liberar em 24 horas o excesso da penhora (quantia que ultrapassa o valor da dívida), Kaefer e Marquezelli querem que a medida só possa ser adotada quando não puderem mais ser apresentados recursos. Ou seja: quando o processo já tiver terminado.
A reforma do CPC começou a ser discutida em 2009 no Congresso. Já foi aprovada pelo Senado. Chegou finalmente ao plenário da Câmara. Após semanas sendo retirado de pauta, no último dia 5 de novembro foi aprovado pelos deputados o texto base do primeiro capítulo do projeto. Resta agora resolver divergências sobre esse trecho, como a polêmica proposta de permitir o pagamento de honorários de sucumbência a advogados públicos, e votar os outros quatro capítulos, que incluem o conteúdo sobre a penhora online.
Kaefer fez fama no setor da avicultura. É dono do Frigorífico Diplomata. A unidade da empresa situada em Capanema, interior do Paraná, está em recuperação judicial. O processo gira em torno de R$ 400 milhões e corre na 1ª Vara Civil de Cascavel. Mas as pendências do deputado com a Justiça não estão resolvidas com essa recuperação judicial. Ele também possui empresas e dívidas em outros Estados. O Valor encontrou na Justiça do Mato Grosso do Sul, por exemplo, duas ações movidas pelo Estado contra ele e sua empresa local, também chamada Diplomata. Uma cobra de Kaefer R$ 1.980.091,40 referente ao Imposto de Circulação de Mercadorias. A outra cobra R$ 1.756.280,21 devidos ao fisco e que já foram para a dívida ativa.
O advogado Nilceu Natalino Cavalheiro, que representa a Associação dos Avicultores de Capanema, credores de Kaefer, diz que o deputado também têm dívidas contestadas em Xaxim, em Santa Catarina, e em Londrina, no Paraná. Nos dois casos, afirmou, o congressista é contestado por pessoas que venderam empresas a ele e não receberam os devidos pagamentos.
O caso de Marquezeli, conhecido por atuar no setor da produção de laranja, é relacionado a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra ele e outras pessoas. A promotoria pede uma indenização por danos ambientais no valor de R$ 844,8 mil e obteve uma decisão favorável do Foro de Pirassununga, que pediu o bloqueio de todos os bens do deputado.
Na Câmara, Kaefer e Marquezelli fazem circular que não aceitam acordo com Paulo Teixeira. Eles querem submeter ao plenário da Câmara uma proposta de alteração no texto do novo Código de Processo Civil que, entre outras mudanças, estabelece o seguinte: "A penhora a que se refere o caput somente poderá ser realizada em processos onde não caibam mais recursos ou embargos à execução".
Procurado pela reportagem, o deputado Alfredo Kaefer disse que não comentaria sobre os processos em que é réu para não dar a entender que atua na Câmara em favor próprio. Disse, no entanto, que "tem que acabar a ditadura da penhora online" e que, hoje, não há mecanismos de defesa. Ele reconhece que a penhora online é necessária em casos em que o devedor não coloque bens à disposição. Disse também que não é o único deputado com dívidas. "O juiz descaracteriza uma personalidade jurídica. Vão diretamente a qualquer bem pessoal da pessoa física. Há dezenas de casos, até em petição inicial os juízes estão dando penhora online. [Há] na primeira instância e, o que é pior, em petição inicial".
Valor procurou o deputado Nelson Marquezelli por meio dos assessores de seu gabinete e também por meio da liderança de seu partido, o PTB. Não obteve retorno.
O deputado Fábio Trad (PMDB-MS), que presidiu a comissão especial que analisou a reforma do CPC, disse ao Valor que a proposta de Kaefer e de Marquezelli "é uma forma de extinguir a penhora online". Para Paulo Teixeira, se a mudança sugerida pelos colegas for aprovada, a penhora online ficará "descaracterizada", o que seria ruim porque, de acordo com ele, o mecanismo "garante o mercado de crédito, a efetividade do crédito". Trad e Teixeira não quiser dizer se veem relação entre a atuação de Kaefer e Marquezelli na Câmara com os processos que enfrentam na Justiça.
Segundo o advogado Rui Geraldo Camargo Viana, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP, a penhora online é um instrumento importante. Ele afirma que algumas decisões, principalmente da Justiça do Trabalho, tem abusado do mecanismo, mas que nada justifica extingui-lo. "É um poder que o juiz tem. É um dos fatores de defesa, de garantia ao credor. Mas não pode ser um tormento para o devedor e seus sócios", diz.
Os dois deputados que respondem a processo judicial e querem legislar em causa própria, para dificultar a penhora de seus bens

Alfredo Kaefer (PSDB/PR): dívidas contestadas no Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul - (Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados).

Nelson Marquezelli (PTB/SP): ação civil pública envolve indenização de R$ 844,8 mil - (Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados).


















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