sexta-feira, 19 de julho de 2013

Jornal alemão nos agradece pelos protestos contra a Fifa

[Traduzo a seguir o artigo de Christian Spiller publicado em 21/6 deste ano no prestigioso jornal alemão Die Zeit (O Tempo -- no sentido de momento) da cidade de Hamburgo. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Obrigado, Brasil!

Christian Spiller - Die Zeit (Alemanha), 21/6/2013

O que os sul-africanos em 2010 e os alemães em 2006 não ousaram, os brasileiros o fazem agora. Um povo se ergue contra a Fifa. Isso terá consequências, comenta C. Spiller.

Com isso não contavam os senhores da liga mundial de futebol, a Fifa. Um milhão de pessoas protestou na quinta-feira [20/6] à tarde em 100 cidades contra estádios caros e o gigantismo da Fifa. Exatamente no Brasil, o país mais louco por futebol do mundo, onde se encontram pessoas nas ruas fazendo malabarismos com uma bola para ganhar dinheiro.

É claro que o protesto não era dirigido apenas contra a Fifa. Incomoda às pessoas a incapacidade do governo de conseguir nivelar o desenvolvimento social com o econômico. Inequivocamente associada a isso está também a submissão do governo brasileiro à Fifa e ao COI (Comitê Olímpico Internacional), os controladores da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, respectivamente.

As pessoas estão irritadas com o fato de seu país aceitar a política do pegar-ou-largar que a Fifa e o COI apresentaram a seus organizadores. Nos contratos-torniquetes das bilionárias organizações constam isenção completa de impostos, exclusividade para seus bilionários patrocinadores e exigências atrevidas por estádios, hotéis e aeroportos ainda maiores.

Os brasileiros não suportam mais isso. Ninguém precisa passar fome por causa do circo do futebol. Ninguém deve servir de cenário para fotos ensolaradas de Copa do Mundo e Olimpíadas, mas não ter como pagar transporte, pão e educação. Já que satisfizeram os padrões da Fifa, então por favor dêem mais recursos para hospitais e escolas primárias.  Isso exigem os brasileiros nas ruas. E eles são o primeiro povo fanático por esporte do mundo que manifesta isso em voz alta.

Com isso, os manifestantes do Rio, São Paulo e Belo Horizonte prestam um favor ao mundo inteiro. Seus protestos não mostram apenas a maturidade democrática de um país que há 30 anos atrás ainda era governado por generais. Eles deram um sinal de basta aos gigantes do esporte: só até aqui, nada além daqui. Finalmente uma democracia se levanta contra a profundamente antidemocrática Fifa. O que a África do Sul em 2010 e a própria Alemanha em 2006 não ousaram fazer, decide fazê-lo um país emergente que busca por um lugar no mundo.

Já há alguns meses atrás primeiro o prefeito de Viena e depois o do cantão suiço de Graubünden declinaram de sediar em suas cidades, em futuro próximo, os Jogos Olímpicos. "Muito grande e muito caro, não precisamos disso". Um estudo dinamarquês de 2011 mostra que grandes eventos esportivos migraram de democracias da Europa e da América do Norte para países autoritários, onde ninguém reclama (China, Rússia, Qatar). O Brasil foi quase como uma exceção democrática. Os resultados vêem-se agora.

Entretanto, quem já leu estudos dinamarqueses? Os manifestantes no Brasil trouxeram finalmente para as ruas essa intolerância, essa insuportabilidade. A Fifa e o COI meditarão longa e profundamente sobre as imagens [das ruas]. Irão se despir do conforto e da indolência dos países totalitários, perderão por curto ou longo tempo a legitimidade democrática. Terão que recuar, mas não só isso. Terão que se integrar com os anfitriões, deixá-los participar e compartilhar, financeiramente também. Os eventos terão que se tornar mais modestos, mais transparentes, mais individualizados.

As ligas ou associações esportivas grandes terão que se repensar. Será obrigatório para todos, inclusive para os esportistas e as competições, manter-se apenas dentro dos limites por ocasião desses grandes eventos. Por isso, obrigado Brasil!

[É sempre interessante conhecer uma visão externa do que ocorre por aqui. No caso presente, especialmente, chega a ser surpreendente verificar que também a Alemanha tem a Fifa atravessada na garganta mas que não conseguiu ou não quiz externar e verbalizar isso devidamente. Concordo apenas em parte com a opinião do jornalista alemão. É impressionante e estimulante ver-se o que está acontecendo pacificamente nas ruas -- embora o lado baderneiro esteja cada vez mais violento e preocupante -- mas acho que erramos no timing uma vez mais, chegamos atrasados outra vez. Deixamos as coisas virarem fatos consumados. Deveríamos ter alertado as autoridades contra exageros de gastos na Copa do Mundo e das Olimpíadas -- em detrimento de questões mais urgentes e importantes na nossa conjuntura -- quando irresponsavelmente o NPA e sua trupe de baba-ovos comemoraram a confirmação do Brasil como sede desses eventos. A história do "antes tarde do que nunca" é muito bonitinha, mas costuma resolver pouco ou quase nada.

Só para reforçar o sentimento anti-Fifa, uma entidade autoritária e abusada montada em um histórico de corrupção bilionária, cito uma reportagem do Jornal do Brasil de 29/6 e reproduzo uma foto nela estampada:

Secretário-Geral da FIFA mostrou face autoritária da entidade: ""Menos democracia às vezes é melhor para se organizar uma Copa do Mundo". - (Foto: Douglas Schineidr/Jornal do Brasil).]

Um comentário:

  1. A FIFA se considera mais importante do que a ONU, isso da parte de seus dirigentes.Mas nota-se em sua atuacao os mesmos moldes das grandes potencias intervencionistas. Nao sei porque mas a FIFA me lembra muito os EUA.

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