sexta-feira, 12 de julho de 2013

Camundongos com cromossomos humanos -- o avanço genético que pode revolucionar a medicina

[A reportagem parcialmente traduzida abaixo foi publicada ontem no jornal britânico The Independent. As possibilidades para um desvio de conduta ética são assustadoras. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Cientistas criaram camundongos geneticamente desenvolvidos com cromossomos humanos artificiais em cada célula de seus corpos, como parte de uma série de estudos mostrando que pode ser possível tratar doenças genéticas com uma forma radicalmente nova de terapia genética.

Terapia genética - Como funciona (clique na imagem para ampliá-la)
PACIENTE → 1 [células da pele com defeito genético são retiradas do paciente] → CÉLULA DA PELE [com defeito genético] → 2 [células da pele convertidas em células-tronco] → CÉLULA-TRONCO → 3 [cromossomos humanos artificiais (CHA) sem defeito genético são inseridos na célula-tronco] → CÉLULA TRONCO [com CHA] → 4 [células-tronco com CHA são transplantadas no paciente para corrigir o defeito genético] → PACIENTE. -- (Fonte: The Independent).

Em um dos estudos inéditos, os pesquisadores produziram no laboratório um cromossomo humano artificial a partir de blocos de montagem químicos em vez de colocar um chip num cromossomo humano existente, evidenciando a tecnologia cada vez mais poderosa que está por trás do campo novo da biologia sintética.

Esse desenvolvimento surge  no momento em que o governo anuncia hoje [11/7] que investirá dezenas de milhões de libras em pesquisas de biologia sintética no Reino Unido, incluindo um projeto internacional para produzir todos os 16 cromossomos individuais do fungo da levedura, visando a construir o primeiro organismo sintético com um genoma complexo.

Cientistas disseram que uma levedura sintética com cromossomos feitos pelo homem poderia ao final ser utilizada como uma plataforma para a produção de novos tipos de materiais biológicos, tais como antibióticos ou vacinas, enquanto que cromossomos humanos artificiais poderiam ser usados para a introdução de cópias saudáveis de genes em orgãos ou tecidos doentes de pessoas com doença genética.

Cientistas envolvidos no projeto da levedura sintética enfatizaram em uma apresentação em Londres sobre o assunto, no início desta semana, que não há planos para produzir cromossomos humanos e criar células humanas sintéticas do mesmo modo como no projeto da levedura artificial. É improvável que um projeto para produção de cromossomos humanos artificiais seja eticamente aprovado no Reino Unido, disseram eles.

No entanto, pesquisadores nos EUA e no Japão já estão bem avançados na produção de "mini" cromossomos humanos chamados CHA (HAC em inglês, cromossomos humanos artificiais), seja pela redução de um cromossomo humano existente, seja construindo-os "do zero" no laboratório a partir de blocos químicos de montagem menores.  Natalay Kouprina, do Instituto Nacional de Câncer dos EUA em Bethesda, Maryland, faz parte da equipe que criou com sucesso camundongos geneticamente produzidos com um cromossomo humano artificial extra em suas células. "É a primeira vez que uma forma avançada de um cromossomo sintético, feita "do zero", é mostrada funcionar em um modelo animal", disse a Dra. Kouprina.

"O propósito de desenvolver o projeto do cromossomo humano artificial é criar um vetor vai-vem (shuttle vector) para liberação de gene para células humanas para estudar a função do gene em células humanas", disse ela ao The Independent. "Isso tem, potencialmente, aplicação para terapia genética, para correção de deficiência genética em seres humanos. Sabe-se que há inúmeras doenças hereditárias devidas à mutação de certos genes".

Uma definição vaga da biologia sintética é a de que ela consiste em projetar formas de vida novas ou fazer novos arranjos genéticos que não existem na natureza, que podem gerar benefícios práticos para a sociedade, especialmente na medicina, na indústria  ou no monitoramento ambiental.

Em uma apresentação na Royal Society em novembro passado, o ministro das Finanças George Osborne citou a biologia sintética como uma das oito áreas de desenvolvimento científico que o governo quer que seja focado pelos cientistas britânicos nos próximos anos.  

David Willetts, o ministro responsável por universidades, informará hoje [11/7] em um encontro internacional sobre biologia sintética no Imperial College London que o governo despenderá mais de £ 60 milhões [cerca de R$ 205 milhões] com biologia sintética, incluindo £ 10 milhões [cerca de R$ 34 milhões] em um novo centro de inovação para transformar pesquisa acadêmica em processos e produtos industriais, e £ 1 milhão [cerca de R$ 3,4 milhões] no projeto internacional da levedura sintética.

"A biologia sintética tem um imenso potencial para nossa economia e nossa sociedade em inúmeras áreas, das ciências humanas à agricultura. Mas, para concretizar esse potencial precisamos assegurar que pesquisadores e empresários trabalhem em conjunto", disse o ministro.

[...] A Dra. Kouprina disse que "é claro que existe ainda um longo caminho a percorrer até que possamos usar os CHAs como vetores no tratamento de doenças genéticas. Entretanto, o potencial para isso existe e essa é uma área excitante para exploração científica, com grandes benefícios potenciais".

[...] Biologia sintética - uma revolução de 60 anos

1953 -- O biólogo americano James Watson e o físico inglês Francis Crick, trabalhando juntos em Cambridge, revelaram a estrutura helicoidal dupla do DNA com a ajuda de Maurice Wilkins e Rosalind Franklin do Kings College London. Nasce o campo da ciência do DNA.

1973 -- Stanley Cohen e Herbert Boyer criam nos EUA a técnica de clonagem do DNA, permitindo que genes fossem transplantados entre espécies biológicas diferentes. Utilizando enzimas de restrição para fragmentar o DNA e plasmídeos para clonar fios de DNA, nascia a tecnologia da engenharia genética.

1982 -- É criado o primeiro animal transgênico, um camundongo, pela transferência do gene de um animal para os óvulos fertilizados de outro. Todas as gerações subsequentes do camundongo transgênico continham o gene extra.

1983 -- O bioquímico Kary Mullis cria a reação em cadeia da polimerase.  Isto permite aos cientistas expandir fragmentos minúsculos de DNA em quantidades quase ilimitadas. Isso se transforma em uma tecnologia valiosa para a manipulação de genes.

1983 -- É criada a primeira planta geneticamente modificada, uma planta de tabaco resistente a um antibiótico. Isso fez com que surgissem milhões de hectares de colheitas geneticamente modificadas do Brasil à China [não creio que a citação aqui do Brasil seja considerada um avanço, mas sim uma fonte de preocupação -- a questão dos alimentos transgênicos e seus efeitos ambientais e outros ainda permanece excessivamente nebulosa, em especial no Brasil.].

1983 -- Criam-se camundongos com genes humanos. Esses camundongos transgênicos tornaram-se a base de modelos animais para doenças humanas.

2003 -- Concluído o mapeamento do genoma humano, fornecendo o esquema genético completo de cerca de 23.000 genes, a receita digital do Homo Sapiens.

2008 -- Craig Venter anuncia o primeiro organismo sintético, uma bactéria chamada "Mycoplasma laboratorium" ou "Synthia", controlada por um único cromossomo, completamente sintético.

2013 -- É anunciado o projeto internacional para a produção de célula sintética de levedura, com 16 cromossomos feitos pelo homem.





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