terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Eurocéticos exigem de Cameron um referendo

O compromisso político alcançado por Nicolas Sarkozy e Angela Merkel de impulsionar uma reforma dos tratados europeus para salvar o euro implica uma preocupação para o primeiro-ministro britânico, David Cameron, mas na atualidade não se vislumbra no horizonte nenhum problema grande sob a forma de um bloqueio britânico.  Por que? Acima de tudo, porque a salvação do euro e a estabilidade monetária na zona do euro é tão importante para os países integrados na divisa europeia como para os interesses do Reino Unido.

As preocupações não chegarão a Cameron vindas de Bruxelas, senão de seu próprio partido. Os setores mais antieuropeus do país, a começar pelo Daily Mail, começaram já a reclamar um referendo sobre o novo tratado, mesmo antes de conhecer o alcance e o conteúdo da reforma. Já no dia 4 deste, estavam atacando o primeiro-ministro por haver deixado claro, de imediato, que só haverá referendo se o novo tratado implicar novas transferências de soberania para Bruxelas. "Vou tentar o que puder para conseguir incrementar, proteger, defender e promover nossos interesses nacionais", declarou Cameron no dia 4. Mas, nada disso inclui votar sobre a reforma.

A declaração de Sarkozy e Merkel de que querem que a reforma do tratado inclua todos os sócios da União Europeia (UE), mas será suficiente se afetar apenas os países do euro, é um indício de que a última coisa que querem é gerar um problema para o Reino Unido, ou converter o governo britânico em um problema para a reforma. Mais adiante se verão quais fórmulas jurídicas que se pode utilizar, mas há muitas ao alcance dos juristas.

A mais fácil seria a de que a reforma afete todos os países da UE, mas apenas desde o momento em que estejam incorporados ao euro ou tenham a obrigação legal de entrar, o que não é o caso de Londres. A libra não está [integrada], tem o direito a não estar, e se algum dia o governo britânico no poder quiser ingressar [na eurozona], consultará antes os britânicos em referendo.

Outro dos aspectos que apontam para a boa disposição em relação a Londres é a renúncia a que o Tribunal de Luxemburgo desempenhe um papel relevante, e se limite a verificar se as medidas que cada Estado membro utilizar para acatar a disciplina fiscal se ajusta aos tratados. Mas, isso significa renunciar também a que o tribunal tenha o poder de decidir se há que impor ou não sanções a um Estado que não cumpra com suas obrigações. [O Tribunal de Luxemburgo é o Tribunal de Justiça da União Europeia (UE), com sede em Luxemburgo, o supremo tribunal da UE, com jurisdição sobre matérias de interpretação da legislação europeia.]

É também positivo para Londres que Angela Merkel tenha desistido de seu empenho em que as instituições privadas, detentoras de bônus soberanos, assumam de forma automática uma parte das perdas em caso de resgate.

Mas, além da questão da cessão adicional de soberania, os britânicos têm outro importante problema de fundo. Cameron e o chanceler do Exchequer  [o equivalente a um ministro de economia e finanças], George Osborne, já deram há semanas suas bênçãos a uma maior união fiscal da zona do euro, e nesse sentido a iniciativa franco-alemã é em princípio muito positiva. O problema é o alcance que pode ter o novo tratado e a coordenação de políticas fiscais e econômicas. Ainda que Londres consiga manter-se à margem, há um aspecto capital para os britânicos: preservar os interesses da City como principal centro financeiro europeu, senão mundial. Uma exigência que pode chocar-se com suas [dos britânicos] grandiloquentes apelos ao livre mercado, mas que tem centralizado boa parte dos atritos entre Londres e Bruxelas.

Politicamente, Cameron tem duas frentes. Por um lado, preservar a unidade da coalizão, que pode ressentir-se/magoar-se nos próximos meses dado o europeismo dos liberais-democratas e as erupções de sentimentos antieuropeus que, sem dúvida, irão brotar do Partido Conservador. Por outro lado, que essas periódicas mas inevitáveis erupções vulcânicas que se adivinham não acabem por queimá-lo, como líder do partido. Sobretudo, se se tem em conta que sua aposta pelo ajuste selvagem como medicina para recuperar a economia não deu os resultados que esperava.

David Cameron, durante uma conferência em Londres - (Foto: Dominic Lipinski/AFP).

George Osborne, chanceler do Exchequer (o equivalente a ministro da Economia e Finanças) - (Foto: Wikipedia).


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