quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Em que países se trabalha mais (e menos)?

[Traduzo a seguir uma reportagem do jornal espanhol El País sobre feriados no mundo. Vê-se pelo texto que o termo "férias" refere-se a dias parados e remunerados, o que incluiria então os feriados, algo que nos toca de perto. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Uma mulher curtindo a sombra na praia de Ondarreta de San Sebastián - (Foto: Juan Herrero/EFE)

Para  muitos elas acabaram e para outros estão por começar. Seja como for, há um ponto sobre o qual praticamente todos os cidadãos concordam: as férias parecem sempre curtas. Apesar da imagem que alguns estrangeiros têm da Espanha, aclamada como terra da siesta (sesta) e da farra, seus trabalhadores não são os que mais férias remuneradas têm por ano. E não é preciso ir muito longe para comprová-lo: os vizinhos franceses, britânicos ou alemães, por exemplo, têm, de saída, respectivamente oito, seis e dois dias a mais para desfrutar por ano. 

Na Espanha, os trabalhadores têm 30 dias normais de férias remuneradas por ano, independente da antiguidade no posto, diferentemente do que ocorre em outros países. Esse período corresponde a 22 dias de trabalho livres -- fora os dias festivos -- em linha com o que a União Europeia (UE) exige em sua diretriz sobre o tempo de trabalho. Por causa dessa norma, os Estados membros devem garantir a seus trabalhadores pelo menos quatro semanas de descanso remunerado por ano, que não pode ser substituído por compensações financeiras. Cada país, através de sua legislação e de acordos coletivos, estabelece as regras para que tal período seja desfrutado e pode ampliá-las.

Segundo o Banco Mundial -- que compila o período mínimo de férias remuneradas estabelecido em cada país, em função de sua normativa -- Finlândia e França são os países europeus (e no mundo) que mais férias remuneradas garantem a seus trabalhadores: pelo menos 30 dias por ano [ué, e o Brasil, não conta?!]. O mesmo número de jornadas livres existe no Bahrein, Yibuti, Guiné, Kuwait, Líbia, Maldivas, Nicarágua, Togo e Iêmen. O Reino Unido ocupa o segundo lugar na Europa, com 28 dias, seguido da Itália com 26. Depois, vêm Áustria, Dinamarca, Luxemburgo, Eslováquia e Suécia com 25. A Alemanha aparece com 24 dias, assim como a Estônia, a Islândia e Malta. Na Grécia, a duração do descanso aumenta com a antiguidade no posto, desde os 20 dias mínimos no primeiro ano aos 25 dias depois de 10 anos. Algo parecido ocorre em outros países da comunidade, como Polônia e Eslovênia.

O único país da UE que tem as mesmas condições da Espanha nesse particular é Portugal: o período mínimo garantido no país luso corresponde a 22 dias por ano. Fora do clube europeu, países como Rússia, Iraque, Panamá, Zimbábue ou Burkina Faso reconhecem o mesmo número de jornadas livres que a península ibérica. Por outro lado, os empregados na Bélgica, na Holanda e na Irlanda são alguns dos trabalhadores que têm o período mínimo de férias garantidas (20 dias) na UE. 

Mas, os que com certeza têm menos férias são os trabalhadores dos EUA. Não é que tenham poucos dias: a legislação trabalhista não lhes reconhece esse direito. Por isso, o país aparece no último lugar nas estatísticas do Banco Mundial, com zero dias, junto com Tongo, Palau, Micronésia, Ilhas Marshall e Kiribati. Entre os países que garantem em suas normas entre 10 e 5 dias por ano como período mínimo legal -- e que ocupam as últimas posições na lista do Banco Mundial -- estão China, Nigéria, Canadá e Tailândia.  

Das férias no Bahrein ...

Quem trabalha no Bahrein tem garantidos 30 dias de férias por ano, segundo as estatísticas do Banco Mundial. Entretanto, o período de descanso remunerado nesse país insular do Golfo Pérsico pode ser superior, pelo menos na capital: em média, os trabalhadores desfrutam de 34 dias livres a cada 12 meses. Assim registra o informe Price and Earnings, elaborado pelo banco suíço de investimentos UBS e formado com uma lista de 71 cidades dos cinco continentes. Essa entidade, através de pesquisas de opinião, fez uma média do número de horas trabalhadas e de dias de descanso em função de cada profissão. Não se refere à normativa que vigora em cada país, senão ao que os trabalhadores garantem trabalhar e descansar, diga o que diga a normativa oficial. 

Segundo essa classificação, Luxemburgo, Roma, Dublin, Lima Moscou, São Paulo [o destaque é meu], Dubai, Rio de Janeiro [o destaque é meu], Tallin e Vilna, são as cidades, junto com Manama, com mais dias de férias [o destaque é meu] -- de 30 para cima. No outro extremo, com menos de 10 dias, estão três cidades asiáticas: Shanghai (7 dias), Bangcoc (9 dias) e Pequim (10 dias). Em todas as cidades americanas analisadas, por outro lado, tem-se mais de duas semanas de descanso remunerado: em Nova Iorque, a média é de 27 dias, 19 em Miami e 14 em Chicago e Los Angeles. 

Madri e Barcelona se situam na primeira metade da lista,com uma média de 26 dias na primeira e 28 dias na segunda. Depois de Lima, São Paulo e Rio de Janeiro, vêm Cidade do México e Santiago de Chile como cidades com período mais longo de férias garantidas (17 dias), ainda que não cheguem ao limite mínimo requerido pela UE. Em seguida vêm Buenos Aires (16 dias) e Bogotá (15).

... às horas de trabalho no México

O México é o membro da OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] onde se trabalha mais: segundo as estatísticas desse organismo -- que divide as horas trabalhadas pelo número de empregados ativos, não importa se são de tempo integral ou parcial -- são 2.246 horas por ano. Em seguida vêm Costa Rica, Coreia do Sul, Grécia, Chile, Polônia, Lituânia, Islândia e Portugal, nessa ordem. Por outro lado, o lugar onde há menos horas trabalhadas é a Alemanha: 1.371 [surpreendente!]. Na sequência vêm Holanda, Noruega, Dinamarca e França (1.482 horas), A Espanha está em 16° lugar (com 1.691 horas por ano) dos 38 países que compõem a lista, enquanto os EUA (1.790 horas) está um pouco acima da média OCDE (1.766).

Por outro lado, a análise do UBS destaca que no Bahrein -- que não está incluído nas estatísticas da OCDE -- ocorre algo parecido com o que ocorre no México: embora ostente um recorde quanto ao número de dias livres remunerados, sua capital é a 14ª cidade onde se dedica mais tempo ao trabalho (2.076 horas/ano) entre as 71 analisadas. Essas diferenças se explicam pelo número de dias festivos [feriados] -- 12 na Espanha, um dos países mais generosos nesse sentido -- e com a carga de trabalho semanal [em 2015 o Brasil teve 11 feriados nacionais , o que não significa necessariamente que foram "apenas" 11 dias sem trabalhar -- faltam ainda os chamados "pontos facultativos" e os dias "enforcados"; em 2016, a maioria dos feriados cai durante a semana, o que acarreta um prejuízo maior para o país].

Sob esse prisma, as três metrópoles onde se tem mais horas trabalhadas são Hong Kong (2.606), Bombaim (2.277) e Cidade do México (2.261). No outro extremo da lista está Paris, com 1.604 horas por ano, seguida de Lyon, Moscou, Helsinki, Viena, Milão e Copenhague. Em Madri e Barcelona foram contabilizadas 1.731 horas, algo por baixo da média. Bogotá, Santiago, Lima e Buenos Aires são, por outro lado, as cidades sul-americanas onde mais se trabalha -- Rio de Janeiro e São Paulo são as cidades da região onde menos se trabalha, 1.745 e 1.818 horas, respectivamente [o destaque é meu].

[Vemos que o Brasil não está bem nessas estatísticas, o que bate com a sensação de que, além das férias regulamentares, há muito feriado por aqui comendo horas de  trabalho. Estimativa da Firjan - Federação das Indústria do Estado do Rio de Janeiro feita em janeiro deste ano aponta que os feriados causarão um prejuízo de R$ 54,6 bilhões à indústria em 2016. Pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ) divulgada em 22/4/2015 sinalizava para um prejuízo de R$ 92,7 bilhões para o comércio em 2015, por conta de feriados em dias úteis.

O setor empresarial reclama do "excesso" de feriados no país, e é este o sentimento que a população em geral normalmente tem. Mas, em princípio, a coisa parece não ser bem assim. Estudo internacional da consultoria em recursos humanos Mercer calculou, no ano passado, que o Brasil tem número de feriados semelhante a países como Canadá, França, Itália e Suécia, com 11 feriados cada.

Na América Latina, a Colômbia é campeã de feriados (18), seguida por Argentina e Chile (15 cada). O México, por outro lado, tem apenas sete feriados.

É difícil confiar nesse estudo, porque ele não leva em conta os diversos feriados estaduais e municipais (por exemplo Sexta-feira da Paixão e aniversários das cidades), nem as "pontes" – aquelas sextas ou segundas-feiras enforcadas quando os feriados caem na quinta ou na terça. 

Enforcam-se dias no Brasil com a maior facilidade e com a maior cara de pau. O que mais me impressiona (e me irrita) é a adesão rápida e fagueira de nossas escolas, de todos os níveis, ao enforcamento de dias úteis "espremidos" por feriados. Professores e pais de alunos adoram essa farra, com o apoio -- lógico! -- de seus alunos e filhos. Nesses dias enforcados, todo o comércio de bens de primeira necessidade funciona (padarias, açougues, etc), mas as escolas não -- porque, no Brasil, a educação nunca foi de primeira necessidade. 

Cabe porém lembrar, que há muita polêmica em torno da duração e da frequência das férias. O cientista e sociólogo italiano Domenico De Masi provocou uma comoção nessa área com seu livro "O Ócio Criativo" (Ed. Sextante, 2001). Insatisfeito com o modelo social centrado na idolatria do trabalho, ele propõe um novo modelo baseado na simultaneidade entre trabalho, estudo e lazer, no qual os indivíduos são educados a privilegiar a satisfação de necessidades radicais, como a introspecção, a amizade, o amor, as atividades lúdicas e a convivência. Segundo De Masi, "o ócio pode transforma-se em violência, neurose, vício e preguiça, mas pode também elevar-se para a arte, a criatividade e a liberdade. É no tempo livre que passamos a maior parte de nossos dias e é nele que devemos concentrar nossas potencialidades".

Há uma corrente crescente que considera de fundamental importância que o empregado tenha o período de férias de que necessite, na hora que entender necessário. Este modelo parte da premissa de que nem todas as pessoas precisam do mesmo número de dias de férias, mas que número depende de variáveis como a carga de trabalho que suportou, de seu estado de espírito ou de sua situação familiar. "O justo é dar a cada pessoa o descanso de que necessita", diz David Padilla, fundador da empresa de consultoria tecnológica espanhola Empaua. [Isto é lógico e intuitivo, mas sua aplicação em larga escala dificilmente deixará de gerar o caos e a imprevisibilidade produtiva.]

Um estudo recente da Universidade de Berkeley revelou que uma sesta de 90 minutos clareia a mente e aumenta a capacidade de aprendizagem das pessoas. É um exemplo a mais de como o descanso tem um efeito positivo no rendimento dos trabalhadores. "O descanso imprime qualidade às horas de trabalho, e ao final tem-se muito mais rendimento, em menos horas. Reativamos energia e reativamos nosso cérebro", enfatiza Alicia Pomares, sócia diretora da empresa Humannova [consultora de Recursos Humanos que se diz "especializada em potencializar a inovação nas empresas e providenciar sua transformação organizacional"]. [Novamente, a aplicação disso em ampla escala é extremamente problemática e, ao que saiba, ainda não testada.]





2 comentários: