sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Jogos Olímpicos de 2016: quando os atletas israelenses são boicotados

[Traduzo a seguir reportagem do jornal francês L'Obs sobre a participação dos atletas judeus na Rio 2016. O que o texto diz não aparece na mídia, pelo menos na brasileira.]

Vários atletas se recusaram a competir com israelenses, e até mesmo de andar num mesmo ônibus com eles. Incidentes que ocorrem regularmente quando há competições.

O judoca egípcio Islam El Shehaby (de branco, enfrentando um judoca afegão no campeonato mundial de 2015) deve enfrentar um israelense hoje, sexta-feira, o que provoca controvérsia e debate no Egito - (Foto: Jack Guez/AFP)

Uma vez mais, os conflitos do Oriente Médio entram em uma competição esportiva sem serem convidados. A Carta Olímpica é clara: "É proibida toda forma de discriminação de um país ou de uma pessoa baseada, entre outras, em considerações de política, de religião". Mas, na realidade, essas considerações entram seguramente em cena, e os incidentes diplomáticos daí resultantes não são raros. Os Jogos do Rio não são exceção.

O site Atlantico relata que Joud Fahmy, uma judoca saudita, anunciou no domingo passado que não participaria de sua primeira luta dos Jogos Olímpicos contra a atleta mauriciana [das ilhas Maurício] Christianne Legentil. Antes da luta, "autoridades esportivas sauditas anunciaram no Twitter que a esportista se ferira nos braços e nas pernas durante o treinamento", diz o site.

Mas, segundo as mídias israelenses, esse abandono seria na realidade uma manobra para evitar o combate (em caso de vitória contra a mauriciana) contra Gili Cohen, uma atleta israelense. A Arábia Saudita e Israel não têm relações diplomáticas, lembra o site Atlantico: "O reino saudita não autoriza seus habitantes a visitarem o país hebreu, e não concede visto aos cidadãos de Israel".  

"Eles matam nossa gente"

Sempre no judô, é também um combate entre um egípcio e um israelense que provoca problemas. Hoje, 12 de agosto, Islam El Shehaby deve enfrentar Or Sasson, na categoria de mais de 100 kg.Um encontro que gera debate nas redes sociais egípcias, como explica o site Cairoscene. Para alguns egípcios, Islam El Shehaby deve retirar-se, porque toda relação com Israel deve ser evitada, inclusive em estádios e ginásios. No Facebook, um internauta solicita ao esportista egípcio que não lute nestes termos: "É uma decisão difícil, entretanto isso é melhor do que normalizar [nossas relações com] aqueles que matam nossa gente"

Ao contrário, para outros internautas seu judoca deve lutar, porque uma vitória simbolizaria uma vitória do Egito contra o estado judeu. No entanto, como sublinha o site Cairoscene, a vitória está longe de ser garantida porque El Shehaby é o 25° do ranking mundial e Sasson é o 5°.

Segundo um site de informação israelense, o combate deverá ocorrer apesar dessas discussões. O presidente do comitê olímpico egípcio teria declarado que ainda que deplore esse encontro com um israelense, "ninguém está autorizado a destruir os sonhos de um jovem egípcio nos Jogos Olímpicos simplesmente porque o adversário é um israelense". 

Um ônibus para duas delegações

Essas tensões permanecem alguns dias após um primeiro incidente no dia 5 de agosto. Antes da cerimônia de abertura, os atletas libaneses não permitiram que os atletas israelenses entrassem no ônibus que os levaria ao estádio do Maracanã.

Líbano e Israel estão oficialmente em guerra, e não mantêm nenhuma relação diplomática. "Pedi que fechassem a porta [do ônibus], mas os atletas israelenses insistiram em entrar", conta Salim al-Haj Nicolas, chefe da delegação libanesa.

De seu lado, o treinador da equipe de vôlei israelense, Udi Gal, para quem "se evitou um incidente internacional" (as duas delegações, ao final, tomaram dois ônibus diferentes), reagiu nas redes sociais: "Tudo isso não constitui exatamente o oposto do que representa o Olimpismo, e a delegação libanesa não agiu contra ele?".

Depois, em uma segunda postagem continuou: "Esse incidente vergonhoso serviu apenas para nos motivar. O espírito olímpico é a única coisa que importa, e estamos aqui para protegê-lo e sustentá-lo com orgulho"

Casos marcantes, de grande repercussão, são frequentes

Não é a primeira vez que esse tipo de conflito explode em Jogos Olímpicos. Os esportistas israelenses são regularmente alvos de boicotes. Já em Atenas, em 2004, o judoca iraniano Arash Miresmaeili havia se recusado a enfrentar um israelense. O The Washington Post relata que o governo iraniano deu a esse seu atleta um prêmio de US$ 155.000 por sua atitude, um montante concedido normalmente a vencedores.

Em 2008, foi o nadador Mohamed Ali Rezaei, também iraniano, que se declarou enfermo antes da prova dos 100 m, da qual participaria também um nadador israelense. O jornal francês Le Figaro enfatiza que esse atleta iraniano está "acostumado a fazer isso": ele já havia se ausentado, pelas mesmas razões, de provas no campeonato mundial de Roma em 2009 e em Shanghai em 2011.

Não é apenas em Jogos Olímpicos que se observam esses casos de boicote. Em 2013, em um torneio no Uzbesquistão por exemplo, o tenista tunisiano Malek Jaziri foi constrangido a não jogar contra o israelense Amir Weintraub, que conhece bem e aprecia, após receber um email da federação tunisiana de tênis: "Caro Malek, em seguida à reunião desta tarde no Ministério da Juventude e dos Esportes [...], tenho o imenso pesar de informá-lo de que você está obrigado a não jogar contra o jogador israelense"

Um ano e meio mais tarde, quando do torneio de Montpellier em fevereiro de 2015, Malek Jaziri abandonou a disputa antes de enfrentar o número 1 israelense, Dudi Sela.

Apesar de tudo, terminemos com uma nota positiva. O esporte é também às vezes, e felizmente, a ocasião para superar as diferenças. A foto da ginasta sul-coreana e da ginasta norte-coreana fazendo um selfie ficará sem dúvida como uma das imagens fortes dos Jogos Olímpicos do Rio.

A ginasta sul-coreana Lee Eun-ju faz selfie com a norte-coreana Hong Un-jong, durante treino de ginástica artística, na Arena Olímpica - (Foto: Dylan Martinez/Reuters)





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