No curto período de 12 dias -- de 15 a 27 de janeiro -- o Brasil foi objeto de três artigos do prestigioso jornal britânico Financial Times (FT), todos eles negativos e/ou de alerta.
No primeiro deles (
"Brasil: devedor líquido do mundo"), de 15 de janeiro, o FT observa que o Brasil talvez não esteja tão bem protegido contra choques externos como comumente se pensa. O jornal registra que durante anos Brasília tem orgulhosamente alardeado que o país é um credor líquido do mundo, porque suas reservas em moeda estrangeira superam suas dívidas externas. Entretanto, isso estaria longe de estar claro e certo. O FT argumenta que esse é apenas um exemplo das
vulnerabilidades que os investidores têm que incluir em seus cálculos sobre como o Brasil e outros mercados emergentes se comportarão à medida que a política monetária dos países desenvolvidos se tornar mais restritiva.
A liquidez global foi uma dádiva para o Brasil por pelo menos uma década, diz o FT. Antes da crise de 2008-2009, a demanda global por commodities brasileiras e a entrada de milhões de novos consumidores no mercado doméstico levou a, e fez crescê-las, enormes entradas de dinheiro no país. A partir da crise, esses fluxos continuaram graças às políticas de estímulo monetário (
quantitative easing) do Fed americano e de outros bancos centrais do mundo desenvolvido. Isso ficou claramente visível no aumento das reservas brasileiras em moeda estrangeira, que passaram de cerca de US$ 35 bi em 2001 para cerca deUS$ 360 bi no final de 2013.
A dívida externa combinada dos setores público e privado manteve-se estável em cerca de US$ 200 bi de 2001 a 2009, depois começou a aumentar, atingindo cerca de US$ 310 bi no final de 2013. Apesar disso, graças ao crescimento firme das reservas externas o Brasil tem sido um credor líquido desde o início de 2009.
Brasil: não mais um credor líquido. Dívida externa, reservas externas, reservas líquidas de swaps -- Swaps do Banco Central - (Fonte: Banco Central/Gráfico: FT).
Depois de elogiar a atuação do Banco Central (BC) no mercado de câmbio para limitar a valorização do real, que qualificou de hábil e precisa (nifty), o jornal comenta que quando o Fed começou a falar em redução de sua política monetária no ano passado o real começou a cair. Desde então, o BC subiu o patamar de seus swaps cambiais até chegar entre 31/5/2013 a 10/1/2014 a uma posição devedora ou a descoberto em dólares americanos de mais de US$ 77 bi, segundo Gabriel Gersztein e Thiago Alday do banco BNP Paribas em São Paulo.
Variação do real frente ao dólar (R$/US$) - (Fonte: Thomson Reuters Datastream/Fráfico: FT).
O FT argumenta que embora tudo se faça em reais, e portanto sem impacto nas reservas externas, armamento pesado não é barato e você não consegue sustentar sem ônus sua moeda numa sintonia de US$ 77 bi. E, obviamente, há um custo. Se os swaps forem exitosos, o BC pode até lucrar com eles. Mas, o que acontece se o real continuar a cair a despeito da artilharia pesada do BC? A moeda tem mostrado alguma capacidade de reação desde que os mercados cambiais se livraram do pânico em setembro passado, mas ainda assim o real desvalorizou-se de cerca de R$ 1,97/dólar em março passado para cerca de R$ 2,35/dólar hoje. Toda vez que seus contratos de swap lhe são desfavoráveis o BC -- ou melhor, o Tesouro Nacional -- leva um tranco.
Qual é o tamanho desse tranco? Se admitirmos que não há almoço gratuito, e muito menos uma bazuca de grande calibre, temos que admitir que o custo é significativo. Gersztein e Alday, do BNP Paribas, consideram que uma indicação razoável desse custo pode ser obtida descontando-se das reservas externas do BC sua posição devedora decorrente dos swaps cambiais. Se fizermos isso, descobriremos que por ter usado sua bazuca o Brasil deixou de ser credor líquido do mundo em outubro de 2013. Dados mais recentes do BC para novembro de 2013 mostram uma dívida externa de US$ 312 bi e reservas externas de US$ 362 bi, o que dá uma folga de US$ 50 bi. Se descontarmos disso a posição devedora de US$ 68 bi do BC no final de novembro decorrente de swaps, essa folga deixou de existir. Esse é um ponto ao qual os investidores certamente estarão atentos se, como amplamente previsto, o real continuar a se desvalorizar e a posição fiscal do país continuar a se deteriorar em 2014 e 2015.
No outro artigo sobre o Brasil ("Mercados emergentes terão que apertar os cintos, diz Tombini do BC do Brasil"), de 27 de janeiro, o FT comenta que o efeito "aspirador" do aumento de juros no mundo desenvolvido continuará a drenar dinheiro dos mercados emergentes e forçará as autoridades financeiras destes a tornar suas políticas mais rígidas para combater a inflação, segundo palavras do presidente do BC do Brasil.
O nervosismo mais recente dos mercados foi deflagrado por uma desvalorização abrupta do peso argentino na semana passada, que serviu para lembrar a vulnerabilidade de alguns países face às políticas monetárias mais restritivas dos bancos centrais de países desenvolvidos, encerrando o ciclo recente de liquidez global superabundante.
Em um dos ciclos de ajustes mais agressivos no mundo, o Brasil aumentou sua taxa de juros Selic, desde abril passado, em 325 pontos percentuais alcançando o patamar de 10,5% para conter a inflação, que chegou a quase 6% em comparação com a meta oficial de 4,5%. O BC usou também suas reservas de US$ 360 bi para suavizar a volatilidade da taxa cambial.
Após outras considerações, Tombini reconheceu que o Brasil precisa fazer mais para reduzir sua imagem às vezes negativa entre os investidores internacionais, que incluíram o país no grupo dos chamado "cinco frágeis" -- países como Turquia e Índia, que possuem também elevados deficits de conta-corrente. No caso do Brasil, isso está próximo de 4% do PIB. "Investimentos externos diretos cobrem 79% do deficit, a economia está se reacomodando rumo ao investimento e afastando-se do consumo ... nossa política de resposta tem sido muito clássica e direta", disse Tombini. "Não perco sono algum por causa do deficit atual de conta-corrente do Brasil".
Enquanto os investidores tentam entender a liquidação de ativos de mercados emergentes observada nos últimos dias, vale a pena analisar o montante de empréstimos feitos por bancos estrangeiros a essas economias, afirma um blogue do jornal Financial Times, da Grã-Bretanha, destacando como exemplo o Brasil.
De acordo com dados do Banco para Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), as dívidas do País com bancos globais quase quadruplicaram durante a última década, passando de US$ 50 bilhões em 2005 para US$ 200 bilhões em 2013. O FTafirmou que, para o presidente do Banco Central (BC) brasileiro, Alexandre Tombini, que se reuniu com representantes do jornal britânico nesta segunda-feira, 27, isso não é uma dificuldade, uma vez que apenas 8,8% do financiamento bancário vem do exterior.
No entanto, observa o diário, em números absolutos, o montante é grande. Apenas a exposição a instituições financeiras estrangeiras soma, aproximadamente, mais da metade das bastante consideráveis reservas externas do Brasil, de cerca de US$ 375 bilhões, diz o FT. Tombini afirmou ao periódico que essas dívidas estão bem protegidas. "Parte desses empréstimos foi tomada em 2012, antes da normalização (da redução das compras de ativos pelo Federal Reserve, Fed, o BC dos Estados Unidos)", disse. "Quando você toma empréstimos nesse ambiente, você tende a ser mais cauteloso em termos de hedge (expediente adotado para se resguardar de flutuações de preços)", acrescentou, destacando que não há falta de dólares no Brasil.