quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Técnica sustentável devolve a fertilidade do solo na Região Serrana do Rio de Janeiro

Método da Embrapa aumenta produtividade e protege contra a erosão após chuvas da tragédia de 2011.

Em se plantando, tudo dá, diz uma das mais antigas máximas brasileiras. Mas, depois da tragédia que se abateu sobre a Região Serrana em 2011, ela deixou de fazer sentido. Lavada pelas chuvas, a terra da região ficou tão pobre que se parece com areia. Os agricultores se viram impotentes diante do fracasso das técnicas tradicionais. A produção despencou para 40% do que era antes da tragédia. Após sofrer perdas de cerca de R$ 300 milhões, a região e seus 19 mil produtores não podiam voltar à atividade normal.

"Faz dois anos que estou tentando produzir - conta Carlos Vidal, um dos pequenos agricultores cuja produção caiu a menos da metade. - Comecei a plantar e não sobrava nada. Eu empatava na Ceasa, quando muito. A receita e a despesa eram as mesmas". 

Origem de praticamente todas as hortaliças vendidas no estado do Rio, a Região Serrana influencia diretamente os preços nos supermercados - tanto que os valores dobraram naquele triste janeiro. Mas um grupo de pesquisadores da Embrapa está a caminho de tornar a agricultura ali menos vulnerável a chuvas. Produtores que aplicam as técnicas desenvolvidas pela empresa pública já veem a areia virar barro e a produtividade de suas terras quase dobrar. "Vimos que o solo estava rico em nutrientes, mas faltava fertilidade física e biológica. Isso não se consegue com adubo mineral", explica Adriana Maria de Aquino, pesquisadora da Embrapa Agrobiologia.

As técnicas propostas envolvem o plantio direto, sem revolvimento da terra, e o adubo verde, que protege o solo das intempéries. Em março deste ano, com a terra ainda vulnerável, chuvas causaram a perda de mais de 200 toneladas de alimentos na região, provando que algo precisa ser feito. Só que a nova técnica demanda mais mão de obra e, portanto, algum trabalho de convencimento. Afinal, aqueles que tudo sabiam sobre a terra viram-se subitamente desgovernados. E é difícil desacreditar velhos ditados.

A camada mais fértil da terra é justamente a mais próxima da superfície. Por isso, a violência das chuvas, que provocou a queda de barreiras e desviou os cursos de rios, levou a fertilidade. Restou uma areia improdutiva, com a qual os agricultores não souberam lidar. Eles fizeram o de sempre: limparam a terra e a adubaram, mas o velho método não funcionava mais. "Demorou uns três meses para começar a plantar de novo. Aí, fiz meu trabalho de sempre, mas pouca coisa cresceu", conta Antônio Cesar Vidalino, o Cicinho. 

Com a ajuda do Embrapa, Cicinho começou a plantar aveia-preta em uma das encostas de sua propriedade, onde planeja cultivar couve-flor. A ideia é formar uma cobertura vegetal morta na superfície, como uma palhada. Com isso, a água da chuva, por exemplo, precisa passar por uma barreira até chegar ao solo, tornando-se menos agressiva, mas cumprindo seu papel de irrigar. As raízes da aveia, de cerca de 20 centímetros, ajudam a fortalecer o solo, formando uma teia e impedem que, com a chuva, ele escorra. Essa é uma das técnicas do sistema proposto pela Embrapa. 

Vida nova: Cicinho e sua plantação de aveia-preta, que se tornará adubo -(Foto: Mônica Imbuzeiro/O Globo)


Hoje, o sistema já está em uso nas propriedades de mais de 50 agricultores de Nova Friburgo, o núcleo onde está o maior esforço da Embrapa. Em algumas, os resultados já podem ser vistos, com aumento da produtividade. Em outras, o trabalho está apenas começando e pode demorar até dois anos até que o solo se recupere totalmente. 

A adesão dos agricultores não é obra apenas dos pesquisadores da instituição pública, mas também de multiplicadores. Ou seja, produtores sensibilizados que buscam convencer seus pares a também aderirem ao novo método. A mais ativa deles é Margarete Satsumi Tiba Ferreira, moradora há mais de dez anos do lugarejo de Fazenda Rio Grande, em Nova Friburgo. 

Antes da tragédia, Margarete era uma bióloga dona de casa, que ajudava o marido, Lyndon Johnson Ferreira, na fazenda. Uma manhã, enquanto vendia nirá numa feira, conheceu a pesquisadora Adriana de Aquino, da Embrapa. Foi Adriana quem, depois da tragédia, percebeu o potencial de Margarete. Dali surgiu uma parceria em busca de mudanças profundas na forma de plantio da região. Margarete se tornou aluna de Adriana no mestrado Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e presidente da Associação dos Pequenos Produtores de Rio Grande. 


No sítio Hikari, de Margarete e Johnson, as técnicas da Embrapa já rendem frutos. Depois de enfrentarem perdas de mais de R$ 100 mil, a produtividade da terra, que antes era de cerca de 60%, foi a quase 100%. Ou seja, menos plantas ficaram doentes porque cresceram em solos mais ricos em nutrientes. Nos trechos onde a técnica ainda não foi aplicada, o solo é tão claro e poeirento que mais parece areia. "A técnica ajuda na infiltração da água, previne a erosão", conta Margarete. "Também percebemos que a água está mais limpa, porque a terra fica retida na raiz das plantas e não escorre com os resíduos do solo. Uma chuva que antes causava erosão e perda do solo, hoje já não prejudica tanto".

Na sua terra, Margarete também cultiva um capim asiático chamado vetiver. Com 6 ou 8 metros de raiz, o capim ajuda a evitar a erosão e a conter encostas - tanto que já foi recomendado pelas Nações Unidas em alguns programas. Na parte em que o vetiver não foi plantado na fazenda de Margarete, é possível ver ainda as cicatrizes de erosões.

O projeto implantado com a ajuda de Margarete e Adriana é uma parceria com o programa Rio Rural, da Secretaria estadual de Agricultura e Pecuária. O objetivo é fazer a ponte entre pesquisadores e agricultores, em busca da implantação de técnicas sustentáveis. Financiado pelo Banco Mundial, de onde devem vir R$ 100 milhões nos próximos quatro anos, o programa existia antes da tragédia, mas apenas na região Noroeste do estado, mais pobre. Após as chuvas, tornou-se o Rio Rural emergencial, que distribuiu recursos a agricultores que haviam perdido tudo. 

A especulação é inevitável. Há quem acredite que, se o programa tivesse sido implantado depressa, as perdas teriam sido menores. As chuvas foram violentíssimas, mas o assoreamento dos rios, por exemplo, uma das consequências do uso não sustentável da terra, ajudou a agravar o desastre. Ao ser perguntado se o programa poderia ter minimizado os danos, Alexandre Teixeira, supervisor da Emater, empresa pública responsável pela assistência técnica e extensão rural no estado do Rio, relativiza: "Sim, mas pouco", opina. "Praticamente, não há como quantificar. Havia áreas cobertas de mata que caíram. Mas, com certeza, com a conservação do solo e da água, o assoreamento é bem menor. Se houver outras chuvas assim, a perda será inferior". 

Dentre muitas outras mazelas, a tragédia de janeiro de 2011 evidenciou que a Região Serrana nunca contou com políticas públicas para que seus agricultores aprendessem a cultivar em ambiente montanhoso de forma sustentável. Segundo pesquisadores, as técnicas passadas de pai para filho por gerações de produtores rurais não são adequadas para a região. "As pessoas aprendem que a terra tem que ser toda limpa. Não estão acostumadas a deixar uma cobertura vegetal, que tem uma aparência feia", pontua Margarete Satsumi, mestre em agricultura orgânica e produtora rural em Nova Friburgo.

O plantio sobre a palhada, como ensina a nova técnica da Embrapa, não aparenta ser trabalho de um agricultor metódico. Um dos canteiros de Margarete está coberto com uma mistura de esterco e palha - esteticamente desastroso. O objetivo é exatamente cobrir o solo e impedir que a terra perca seus nutrientes. Capinar e revolver a terra, como faz a maioria dos produtores, não é ideal para regiões montanhosas. Deixa o solo sem proteção superficial e, com o tempo, permite que ele se compacte e perca fertilidade.

Mas o tipo de plantio indicado pela Embrapa exige mais mão de obra, por não ser possível simplesmente usar um trator. A princípio, um preparo da terra também pode custar mais tempo, algo que muitos agricultores não têm para dar. Antônio Cesar, o Cicinho, é um deles. Fez o plantio da aveia-preta, indicada pela Embrapa, em apenas um trecho de sua propriedade. "Se fizer agora, vai me atrapalhar", diz.

Segundo o engenheiro agrônomo João Araújo, professor da Universidade Federal Rural do Rio (UFRRJ), o estado tem um dos terrenos mais acidentados do Brasil para a agricultura. A Região Serrana está na Serra do Mar, onde as montanhas podem atingir até 2.310 metros acima do nível do mar.  "É necessário o desenvolvimento de uma tecnologia para plantio nessas áreas montanhosas com bacias hidrográficas. Nessa região de montanha, teremos mais precipitação. Isso é um desafio, porque há chuvas pesadas com frequência", argumenta Araújo.

O uso das técnicas da Embrapa, como o plantio da aveia preta e do capim asiático vetiver, com raízes longas, parece surtir efeito para evitar deslizamentos. Em uma das propriedades, é possível perceber que, na metade onde se plantou a aveia preta, a barragem está firme, mas na outra, quando chove, a terra ainda escorre, obstruindo a estrada. Assim, o convencimento dos agricultores não é importante apenas para otimizar a produtividade da terra, mas também para impedir que deslizamentos bloqueiem as estradas usadas para escoar a produção. Este foi um dos principais motivos do desabastecimento de hortaliças na capital na época da tragédia. "No dia 15 de julho, viemos aqui e não conseguimos passar de carro neste trecho", diz Adriana de Aquino, da Embrapa, apontando para uma estradinha na base de um morro.

O assoreamento dos rios é outra preocupação. Quando chove forte, um rio assoreado não é capaz de manter a água em seu curso e acaba se desviando. Foi o que aconteceu na terra de um dos agricultores contemplados pelo programa da Embrapa, Carlos Vidal. Do dia para a noite, havia um rio inteiro no meio de sua lavoura. A limpeza da terra, para retornar ao cultivo, custou-lhe mais de seis meses.


Pesquisadores reclamam que é difícil levar aos agricultores as tecnologias estudadas por eles quando o ensino de técnicas menos sustentáveis é tão difundido nos locais frequentados pelos produtores, como a própria Ceasa, onde se compram os insumos usados na terra. Araújo ressalta a grande diversidade de ambientes agrícolas no país, o que implicaria técnicas específicas para cada um deles - e também potencialmente mais caras: "A conservação dos recursos naturais tem um preço, e nem sempre o imediatismo da atividade agrícola econômica ajuda a pagá-lo", diz Araújo, ressaltando que as práticas conservacionistas podem, no entanto, trazer ganhos de produtividade e menos gastos com insumos agrícolas.

Para o agrônomo, as políticas públicas para a região não atendem às necessidades dos 19 mil agricultores da Região Serrana. Alexandre Teixeira, da Emater-Rio, discorda. "Não temos capacidade de atender a cada um individualmente. Temos como pegar alguns produtores e instituir um plantio desses, acompanhando tecnicamente. Eles serão multiplicadores. Esse processo é longo".

Mas Araújo e Teixeira concordam em um ponto: práticas mais sustentáveis tem de ser consideradas, assim como o reassentamento de moradores de áreas de risco, como uma estratégia para a prevenção de desastres. Como se vê, ano após ano, os investimentos não acompanham o passo das necessidades. Exemplo é a escola municipal João Alves de Macedo, onde estudam muitos dos filhos dos agricultores de Rio Grande, lugarejo onde as técnicas da Embrapa são aplicadas. Desde a tragédia, as 70 crianças já estudaram em uma estufa e hoje assistem às aulas em uma casa improvisada, cedida por um pequeno produtor da região. A prefeitura de Nova Friburgo disse já ter planos para a escola, mas não soube informar o prazo para sua reabertura. Uma espera que parece não ter fim.

(Manuela Andreoni/O Globo)



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