quinta-feira, 28 de julho de 2016

O motivo real por que os judeus não votarão em Trump

[A candidatura de Donald Trump continua provocando reações enormes, dentro e fora dos EUA. Traduzo a seguir artigo do rabino Eric H. Yoffle publicado no prestigioso jornal israelense Haaretz, abordando o sentimento da comunidade judaica em relação aos extremismos do candidato republicano. Eric H. Yoffle é rabino, escritor e professor em Westfield, Nova Jersey (EUA); foi presidente da União para Reforma do Judaísmo. O artigo é interessante por mostrar o pensamento sobre Trump dos judeus americanos, uma comunidade extremamente influente na sociedade e nos governos americanos. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

O candidato presidencial republicano Donald Trump discursa para os delegados no final do último dia da Convenção Nacional Republicana em 21 de julho de 2016, em Cleveland, Ohio - (Foto: Timothy A. Clary, AFP)

O nacionalismo racista do candidato republicano, suas insinuações antissemitas, sua posição em relação a Israel e seus ataques contra muçulmanos e imigrante são todos profundamente ofensivos. Mas não é isso que está aterrorizando a maioria dos judeus americanos. 

Na minha opinião, é claramente desanimador ver nossa vida política nacional transformar-se em um gigantesco reality show ["reality show" é o nome dado aos programas de televisão baseados na vida real -- exemplo mais famoso desse tipo de show é o deprimente Big Brother, criado em 1999 por John de Mol]. Por isso, estou aliviado com o fato de, finalmente, a Convenção Nacional Republicana ter acabado. Ela nos submeteu a uma dose ainda maior daquilo que temos vivido desde que Donald Trump entrou na corrida presidencial. Muitas coisas aconteceram na convenção, exceto uma avaliação sóbria dos temas abordados.

Ainda assim, estou razoavelmente confiante, embora inseguro, de que Trump perderá a eleição em novembro. O que é certo, entretanto, é que, ganhe ou perca, ele não terá os votos dos judeus americanos nesse outono.

Muitos judeus votarão em Hillary Clinton porque, como eu, a vêem como dura, experiente e altamente qualificada para ser presidente, sem mencionar que é uma amiga do povo e do estado judeus. Mas, mesmo aqueles que não gostam muito de Hillary ou que têm votado nos republicanos há anos apoiarão Hillary de forma esmagadora.

Como Jennifer Rubin relata no The Washington Post, membros da diretoria da Coalizão Judaica Republicana, que constitui a mais leal base de apoio judeu ao Partido Republicano, estão em sua maioria se recusando a dar dinheiro para a campanha de Trump. E embora Rubin seja uma voz conservadora agressiva, ela prevê com consternação que Hillary pode receber 90% do voto judeu.

A questão importante, obviamente, é por que isso. A maioria dos comentários na imprensa judaica tem focalizado temas específicos: a opinião de Trump sobre Israel, sua reação ao antissemitismo de seus partidários e seus ataques contra muçulmanos e imigrantes. Entretanto, se você conversar com judeus de todas as convicções descobrirá que para eles as políticas e posições de Trump são em sua maioria irrelevantes.

Mensagens e plataformas políticas, não importa quão ultrajantes, podem ser alteradas, bajuladas ou reformuladas. De tempo em tempo, todo candidato diz coisas ultrajantes e ofensivas. Mas o que não ser mudado é o caráter fundamental do candidato. E o que ouço agora de judeus americanos é a aterrorizada conclusão de que Trump não é um populista de pensamento independente, como se pensou originalmente, mas um verdadeiro maníaco, rezando pelo mesmo catecismo que déspotas e homens cruéis têm usado há tempo para seus próprios propósitos. 

Imaginem a seguinte sequência de eventos: Trump é eleito presidente e decide que, dando seguimento à sua proposta mais popular, proibirá por Decreto Executivo a entrada nos EUA de imigrantes oriundos de países muçulmanos, pelo menos até que eles, na opinião dele Trump, possam ser "adequadamente vetados". Grupos liberais desafiam legalmente o presidente e a Suprema Corte invalida o Decreto Executivo por 6 a 2. Em discurso televisado à nação, Trump afirma que a Corte excedeu-se em sua autoridade, ignorou a vontade do povo e interpretou erroneamente a Constituição. Os juízes liberais, fiz ele, foram discriminatórios contra ele, mencionando os comentários críticos contra ele pela juíza [da Suprema Corte] Ruth Bader Ginsberg antes da eleição. Assim, a decisão da Corte fora uma afronta pessoal ao presidente da República recém-eleito, e em qualquer caso essa é uma matéria que está corretamente dentro da competência do presidente. O Decreto Executivo persiste, declara o presidente Trump, e será executado na íntegra pelas autoridades da imigração.

O problema real com a candidatura Trump não se refere a qualquer tema isolado mas ao fato de que isso não parece um cenário irreal para um presidente Trump. E um número substancial de americanos, talvez até uma maioria, acredita nisso -- o que se torna a razão pela qual é provável que Trump perca a eleição. Um showman acionado por seu ego e que fala direta e francamente, Trump, se eleito, seria um individualista com uma crise constitucional à espreita. Ao mesmo tempo, é impossível imaginar um tal cenário com uma presidente Hillary Clinton. Nesse sentido, Hillary é um político tradicional e é inimaginável que sua eleição represente um desafio ao nosso sistema constitucional.

É por isso que 90% dos judeus americanos não votarão em Trump. Judeus, sejam eles democratas ou republicanos, são liberais (com "l" minúsculo). De maneira esmagadora, apoiam uma classe média forte e desejam ardentemente estabilidade e segurança na política. Do mesmo modo, como um povo oprimido e perseguido por quase dois milênios, os judeus têm mais experiência com ditadores e demagogos do que a maioria dos outros americanos. têm também um entendimento mais completo de precisamente quão frágeis são os governos democráticos modernos.

E essa fragilidade parece especialmente pronunciada exatamente agora. A América tem mantido suas instituições democráticas logrando, com dificuldade, efetuar um delicado ato de equilíbrio: em um lado da balança, um assertivo nacionalismo americano enraizado em ideais democráticos comuns, união cultural, e persuasivos rituais nacionais; do outro lado, abrangência, um notável grau de diversidade, e garantias constitucionais de direitos individuais [não é o que se tem visto com os assassinatos em massa e os conflitos raciais que têm abalado a sociedade americana]. Nenhum outro país conseguiu preservar esse equilíbrio exatamente da mesma maneira. Mesmo entre as democracias mais avançadas e industrializadas, o nacionalismo geralmente repousa tanto no tribalismo [no sentido de um forte sentimento de identidade com, e lealdade a, uma tribo ou grupo] quanto em valores compartilhados, e as liberdades individuais e a liberdade religiosa são frequentemente prejudicadas e enfraquecidas de uma maneira que não tolerariam [novamente, os atos de violência na sociedade americana nos últimos anos desmentem categoricamente esta afirmativa].

Observando o sistema americano de governo constitucional, os judeus sabem que têm vivido aqui como uma pequena minoria com uma segurança e uma dignidade que não encontraram em nenhum outro lugar no mundo. Mas, eles sabem também que governos democráticos estáveis não se tornam realidade facilmente, ou naturalmente, ou sem um esforço continuado. E agora, aparece Donald Trump, ameaçando o equilíbrio constitucional de um modo inimaginável desde os anos 1930.

O nacionalismo de Trump não é baseado em valores, mas sim em racismo. Ele fala a língua do nacionalismo branco, algumas vezes abertamente e algumas vezes por insinuações. Ele despreza os imigrantes e a diversidade que têm sido, ambos, um fato e um valor na América. Ele incita o ódio. Ele é um nativista [adepto do nativismo, pensamento político, especialmente nos EUA nos anos 1800, que favorecia os interesses dos habitantes estabelecidos em detrimento dos direitos dos imigrantes] e um Birther [pessoa que acredita que Barack Obama, presidente americano desde 2009, não nasceu nos EUA e, portanto, não é elegível para ser presidente do país] que lança dúvidas de uma maneira especialmente desagradável sobre a legitimidade e o americanismo do primeiro presidente negro do nosso país. Ele se comporta no limiar do fascismo.

A verdade simples é que os judeus olham para o potencial de disrupção/rompimento de uma presidência Trump e estão aterrorizados. E mesmo quando Trump faz um esforço para parecer "presidencial", como fez en passant em seu discurso no encerramento da convenção republicana, ele não convence ninguém. Retirada a fala narcisista, Trump fica irreconhecível -- um candidato completamente diferente que, sabemos, desaparecerá amanhã, se não em uma hora a partir de agora.

Como presidente, Trump protegerá o Estado de Israel e outros importantes aliados dos EUA? Na minha visão pessoal, ele não o fará. Entretanto, seus pronunciamentos sobre política externa é um tal amontoado de coisas que é impossível saber com segurança o que ele fará. Mas os judeus americanos tomarão suas decisões de como votar em novembro por razões completamente diferentes. E a esmagadora maioria não votará em Trump pela simples razão de estarem temerosos pela América.

3 comentários:

  1. Recebido por emai de Eliane Luna da Silva Maial:

    Ola Vasco

    Muito bom artigo ,esclarecedor !

    Abrs

    Eliane

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  2. Verdades as afirmações lançadas pelo articulista. Trump é, a meu ver, uma ameaça ao equilíbrio mundial.

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  3. Em um mundo tão conturbado e belicoso, jogar "gasolina na fogueira" é terrivelmente perigoso.

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