segunda-feira, 4 de julho de 2016

O futuro da Europa: os britânicos estão saindo dela, e daí?

[Traduzo a seguir um artigo de Christoph Schult publicado no site Spiegel Online International. Continua a celeuma em torno da saída do Reino Unido da União Europeia. O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade.]

Defensores do Brexit em Londres - (Foto: DPA)

As consequências do Brexit serão penosas para o Reino Unido, mas para a União Europeia há vantagens de sobra.

Os britânicos não são os únicos que deixaram suas emoções superarem a razão ao refletirem sobre sua atormentada relação com a Europa. A Alemanha tem sido também superemocional quanto ao significado do Brexit, com a revista Spiegel pedindo [aos britânicos] "Por favor, não saiam" e o jornal sensacionalista Bild chegando a oferecer que reconheceria o controvertido gol da Copa do Mundo de 1966 em Wembley se o RU (Reino Unido) permanecesse na UE (União Europeia) [A final da Copa do Mundo FIFA de 1966 foi disputada pela Inglaterra, que havia eliminado Portugal e a Argentina, e a Alemanha Ocidental, que eliminara a União Soviética e o Uruguai. Ao final dos 90 minutos, o placar era de 2 a 2. Aos 98 minutos, Hurst marcou novamente; entretanto seu chute bateu no travessão e quicou exatamente sobre a linha. Desde então, se debate se a bola realmente passou a linha.] 

Em um editorial que escrevi há duas semanas [o presente artigo é datado de 26 de junho, três dias após o referendo], sugeri que se reagisse a toda a histeria relativa ao Brexit dizendo-se calmamente aos britânicos: "Então simplesmente saiam". Muitos me perguntaram se falava sério. Sim, eu falava. E não, não estou abrindo garrafas de champagne porque a maioria dos britânicos decidiu virar as costas para a UE.

Este não é um assunto para emoções, mas uma avaliação sensata das reais implicações do Brexit. Ao final, pesando tudo, as consequências serão dramáticas para o RU. Mas, do ponto de vista dos 27 países remanescentes, a retirada britânica oferece mais oportunidades do que desvantagens. 

Isso se aplica ao suposto efeito dominó, sobre o qual os políticos europeus começaram a alertar imediatamente após o referendo do RU. Mesmo que populistas de direita como o político holandês Geert Wilders e Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional da França, postulassem com êxito seus próprios votos sobre a participação na UE, é improvável que uma maioria de seus compatriotas decidisse também deixar o bloco. O fluxo firme de más notícias vindo do RU nas próximas semanas se encarregará disso. 

Sinais de alerta

A queda da libra esterlina é o primeiro sinal de alerta, e em breve ouviremos sobre grandes corporações deslocando suas sedes para fora de Londres e mudando-se para lugares como Frankfurt. Se os britânicos optarem pelo modelo norueguês, continuarão a pagar bilhões em contribuições à UE sem direito a opinar sobre a formatação das regras do mercado único. É duvidoso que isto aumentará o apelo para que outros países saiam do bloco. Obviamente, isto pressupõe que os negociadores da UE jogarão duro contra Londres como prometeram. [O 'modelo norueguês' de adesão à UE refere-se ao fato da Noruega receber muitos dos benefícios como se membro pleno fosse da UE -- essencialmente, acesso ao mercado comum europeu -- sem o mesmo grau de "interferência" de Bruxelas. Mas, euroentusiastas contra-argumentam que por outro lado a Noruega também deixa de receber benefícios importantes mesmo fazendo ainda contribuições financeiras substanciais ao bloco. Para mais detalhes sobre o modelo norueguês e seu eventual uso pelo RU, veja aqui.] 

Um segundo benefício é que os britânicos não podem mais bloquear leis quando os europeus decidirem se unir em áreas nas quais são mais fortes quando atuando em conjunto. A união econômica será finalmente compelida a se tornar realidade, de modo que decisões nacionais não possam mais prejudicar a moeda comum. A eurozona precisa de uma governança econômica unificada e de um ministro de finanças europeu no comando de um orçamento independente. 

O primeiro-ministro britânico David Cameron e sua esposa Samantha logo após o anúncio de sua renúncia na sexta-feira - (Foto: DPA)

O mesmo raciocínio se aplica à política externa e à política de segurança. Uma sede central permanente e compartilhada se faz necessária para missões militares cada vez mais importantes da UE em lugares como Mali e o Mediterrâneo -- algo que todos os países da UE querem, exceto o RU, que bloqueou essa iniciativa. E quando se trata de política externa, há tempo que deveriam ser permitidas decisões por maioria de votos, que de longa data têm sido costumeiras no bloco em temas como política ambiental. Além disso, a crise dos refugiados mostrou que se faz necessária uma real força europeia de controle de fronteiras, assim como uma lei uniforme para concessão de asilo e uma distribuição justa de refugiados.  

Talvez vantajoso

Críticos objetarão que não foram apenas os britânicos que bloquearam a quota de refugiados. Isto é verdade, mas se um grupo seleto de nações decidir em favor de uma  cooperação mais forte, isto é ao mesmo tempo legalmente possível e talvez até vantajoso. O euro e a área Schengen também começaram menores, mas ambos cresceram quando mais estados quiseram ao final se juntar ao bloco.

"Mais Europa", obviamente, não é sempre a melhor abordagem. Faria sentido devolver aos estados membros alguns dos poderes que Bruxelas hoje tem. A política agrícola comum, por exemplo, tem sido durante décadas nada mais do que uma gigantesca máquina de redistribuição de dinheiro sem nenhum benefício visível acrescentado à Europa.

É uma ironia da história que, mesmo se os britânicos não obtenham o acordo que o primeiro-ministro David Cameron negociou com os outros líderes europeus, os 27 países remanescentes possam ainda implementar alguns de suas provisões. Por exemplo, um trabalhador romeno na Alemanha, cujos filhos vivem ainda na Romênia, provavelmente não terá direito aos generosos benefícios alemães para crianças.

Essa abordagem certamente ajudará a tornar a Europa novamente mais atrativa para muitos de seus cidadãos. E, quem sabe, talvez alguns britânicos logo se arrependerão de ter votado pela saída da UE em 23 de junho de 2016.




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